Cairo Mariano e Jeon Jungkook compartilham uma história que precede o tempo.
Nascidos no mesmo dia, cresceram juntos na pacata S?o Dimas, sob o abandono precoce da inf?ncia e o caos da puberdade. Agora, às vésperas dos trinta anos, é S?o Paulo que...
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São Paulo, 2024.
🕷️
[21:23] Jujubinho 🐍: posso dormir na sua casa hoje?
[21:24] Jujubinho 🐍:a Íris me mandou embora!
Eles terminavam todo mês, religiosamente.
A procissão dos indecisos seguia sempre o mesmo ritual: uma peregrinação cíclica de términos e reconciliações nos círculos dantescos, com Jungkook e Íris aos berros dentro do pequeno apartamento que dividiam na Vila Mariana, pelo motivo torpe da vez. Três ou quatro dias depois do arranca-rabo, voltavam, e o ciclo recomeçava. A concórdia só chegava ao fim com peças de roupas rasgadas, pernas de mesa estropiadas e mais um conserto no sofá capenga ㅡ a quarta vez só no último ano. O sexo de reconciliação era mais excitante, primitivo e voraz, movido pelo instinto de apaziguar um amor que escapava pelas beiradas da ira. Uma verdade inconsciente, universal e igualmente tóxica, que pelo visto, funcionava para eles.
A sindicância do prédio parecia acostumada com as idas e vindas do relacionamento caótico. No elevador, o primeiro aviso era diplomático: "Atenção, vizinhos do quarto andar, cuidado com o barulho noturno." Depois da terceira vez, mais direto: "Prezados moradores do 409, festejem suas reconciliações amorosas com mais discrição. Grato desde já, a gerência."
Reincidiam no vai e vem da relação como criminosos que retornam aos rastros dos seus delitos.
E eu acabava no meio desse embate como mediadora honorária de conflitos, advogada do diabo. Por ser a melhor amiga do namorado envolvido na queixa e, entre o círculo de amizades para o qual Íris revirava os olhos com desdém, a menos odiada. Mas sabia que Jungkook apareceria aqui em casa como parte do ritual seguido à risca, ocupando o sofá ou a rede na varanda, choramingando pela quase ex, que era uma cretina sem escrúpulos ㅡ até que o arrependimento batia no exato segundo.
Não, ela é linda. Inteligente pra caralho. Por Deus, tem um rabo maravilhoso. É difícil odiá-la por um segundo quando eu a amo.
Mais choro, então voltávamos ao debate sobre a cuzona inescrupulosa e mais sal na ferida.Não que eu estivesse tomando partido em uma briga de casal que não me envolvia, mas Íris, às vezes, fazia questão de ser uma vadiazinha dissimulada.
Como naquele dia, o do suposto término definitivo.
Todo mundo ainda estava mergulhado na tristeza do pós-Carnaval, consequentemente de ressaca. As ruas parcialmente assombradas da cidade, exaustas de toda festividade, boiavam no calor espesso de fevereiro. O mormaço entrava pela janela, grudando na pele, se agarrando aos móveis ㅡ e à minha pequena selva de plantas na sala de estar ㅡ enquanto, ao longe, uma canção antiga de axé tocava com letras nostálgicas (que levada louca, levada louca, levada louca pra dançaaar...), derradeiro suspiro de um bloquinho remanescente, despedida de fim de festa que beijava os lábios da quarta-feira enlutada. A cidade, afogada em ritmo e cansaço, voltava aos seus eixos industriais rígidos, vestia-se para o funeral, limpando a serpentina e o glitter, presa na egrégora de preocupação que já prometia o retorno à rotina.