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Capítulo 1

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O sol da Galileia queimava como uma fogueira acesa nos céus, sem trégua, sem misericórdia; mas mesmo assim, o tempo era úmido e o vento soprava forte, trazendo certo alívio, mas também indicando que as condições por ali em breve mudariam drasticamente. Sir Alaric de Milibourt cavalgava há dias por terras que os mapas de Jerusalém sequer imaginavam existir. Atrás dele, apenas o deserto e o sangue de homens deixados para trás, companheiros que já não lembrava pelo nome.
Sir Alaric separara-se de sua comitiva após uma escaramuça contra sarracenos nos limites de um oásis seco, onde, no dia anterior, havia sido emboscado ao cair da tarde, e embora seu grupo tivesse lutado incessantemente, apenas ele escapara — ferido, faminto, o elmo trincado e a cota de malha manchada de terra e morte.

Buscou o caminho de volta, mas o deserto é traiçoeiro. As trilhas desaparecem, os montes trocam de lugar, e o tempo se arrasta como uma serpente sonolenta. Seus mantimentos acabaram no terceiro dia. A água, no quarto. E no quinto, começaram os sussurros; a fome, a fome também era um problema, mas após o segundo dia, ele mesmo já não a sentia.
Ao entardecer do sexto dia, uma tempestade se anunciava no horizonte: um rolo de nuvens negras dançando no céu como vestes de viúva, trazendo trovões longínquos e um vento que gritava em língua estranha, vento este que já anunciava o que estava por vir. O cavalo tombou com um último estalo seco. Sir Alaric caiu junto, a areia se enfiando sob a cota de malha, grudando-se ao suor, ao sangue já ressequido nas juntas da armadura; por um momento, só o silêncio — quebrado pelo estalido distante do trovão.

Foi então que ele a viu: entre duas colinas, meio enterrada na areia, uma torre de pedra, retorcida, com janelas como olhos sem pálpebras. Alec sentiu temor ao ver seu cavalo morto e também o que se aproximava, mas sentiu alívio no mesmo tanto, ao perceber que agora comida, abrigo e água não seriam mais problema. Era como se o próprio poderoso estivesse abençoando-o após tantas perdas.
Ele se ajoelhou junto ao animal, ofegante. Era um bom corcel, um destrier treinado, companheiro de guerra desde o início da terceira cruzada. Mas agora era apenas carne morta e um amontoado de couro e osso que guardava a única coisa que Alaric ainda podia chamar de lar: sua espada, uma bolsa de couro onde costumava guardar provisões secas, o cantil vazio e uma pequena cruz de prata, presente de sua irmã mais nova, Rosa, antes da partida.

A armadura pesava, mas o desespero pesava mais. Sem montaria, teria de caminhar. Mas a tempestade já vinha — nuvens roxas e negras rodopiando em espirais impossíveis, como se os céus tivessem sido rasgados e o inferno tentasse escapar pelas bordas. O vento aumentava, trazendo areia fina que cortava como vidro.

E então, ele viu a segunda torre do que parecia uma abadia; era longa e retorcida, como se tivesse sido construída sob tortura. Meia enterrada nas dunas, assim como a primeira, esta projetava-se contra o céu como um dedo acusador. Alaric sabia que não chegaria a tempo mesmo que deixasse tudo para trás, então, praguejando entre os dentes, agarrou as rédeas do cavalo morto e começou a puxar. Um arrasto lento e grotesco — as patas deixando sulcos na areia, a cabeça balançando como uma oferenda macabra ao deserto.
Cada passo era uma batalha. A areia cedia sob seus pés, o peso da armadura puxava seus ombros, e o corpo do animal parecia ganhar massa a cada metro vencido. O céu trovejava como um deus zangado enquanto isto, e quando finalmente alcançou os portões desmoronados da abadia, os músculos de seus braços tremiam como varas verdes ao vento.
Largou o cadáver do cavalo com um grunhido — não de lamento, mas de puro esgotamento, e sentou-se ao chão, finalmente sentindo o primeiro pingo de chuva cair sobre sua pele. "Uma benção do altíssimo", pensou, mas logo sentiu o ar que pairava sobre o lugar, antes sagrado, que acabara de chegar. E este não parecia um lugar santo, muito menos abençoado.

A abadia erguia-se como o cadáver de um deus esquecido, meio engolida pelas areias e pelos séculos. Suas pedras, amareladas e fendidas, ainda guardavam o eco dos cânticos que outrora rasgavam o silêncio com louvores — agora substituídos pelo assobio do vento seco, que sussurrava pecados velhos demais para terem nome.
Arcos quebrados ladeavam um pátio coberto por ossos de pássaros e folhas ressequidas, como se outrora ali existisse um jardim por onde caminhavam monges eruditos em silêncio; agora, entretanto, rastejavam sombras, famintas e sem forma, que ganhavam ainda mais terror com o negro que a tempestade que acabara de chegar lançava sobre a estrutura.
A torre da abadia, retorcida pelo tempo como uma vela esquecida ao sol, apontava para o céu, amaldiçoando tanto os de cima quanto os de baixo. Havia um cheiro ali, forte e persistente, como uma mistura de mofo, ferro antigo e algo mais... algo vivo. Sir Alaric seguiu caminhando à passos curtos, observando com atenção a estrutura. Em dado ponto, apertou o manto contra os ombros e empurrou uma pesada laje caída que parecia cobrir uma passagem antes privada por paredes, revelando uma escada em espiral que descia sob a nave central da abadia.

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