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★ 06. O progresso místico do enlouquecimento.

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São Paulo, 2024.

Naquela época, crescemos rápido, feito talos de girassóis.

Rompendo a terra macia da infância, com as corolas pubescentes voltadas para o Sol.

As nuances do crescimento pareciam menos ostensivas a olho nu, embora eu pudesse sentir a violência silenciosa das mudanças sob a pele. Os brotos dos seios doloridos, como dois caroços impertinentes, impediam-me de dormir de bruços ou jogar bola; e a primeira menstruação surgiu de maneira aterrorizante na escola, cena digna de filme de terror na minha cabecinha de menina. Assistir aquele sangue manchar a calcinha cor-de-rosa era como vislumbrar uma ferida de mulher que nunca mais sararia. 

Daquele dia em diante, mainha me disse que, durante os anos férteis da minha vida, eu usaria aquela estopa de algodão entre as coxas, sangraria todo mês, feito os primatas bonobos do canal de vida selvagem. Chorei ao saber que não era mais menina e, assim como Petra, havia me tornado mocinha, o decalque da palavra embolava-se nas responsabilidades inerentes a uma mulher, sem a neutralidade da infância.

Alguns dos meus privilégios e caprichos morreriam no luto daquele sangue derramado, nas flores estriadas cujas pétalas escorriam entre as pernas, levando consigo o paraíso de certas liberdades, para sempre arruinadas. Fui obrigada a enredos e interesses novos quase violentamente: batons, unhas pintadas, saltos, rapazes e a torrente de vitupérios de meu ódio adolescente enviesado.

Assistia às mudanças físicas mais brutais enquanto tentava manter meu corpo de criança, me enfiando em roupas que, da noite para o dia, encurtaram-se: vestidos favoritos que se tornavam blusas, um punhado de carne avantajada projetando-se ao redor dos ossos do quadril, ganhando curvas, uma cintura fina e um bumbum firme que fazia mainha proibir certas roupas para a escola, tão inadequadas quanto a nudez. Em questão de meses, os homens que conheci a vida inteira já não eram confiáveis; em seu compadrio abusivo, viravam a cabeça ao me ver no mercado ou na Bodega de Seu Zé em dia de tomar guaraná, e meu corpo parecia uma arma engatilhada contra mim mesma.

Passei a odiar meu cabelo cacheado, desejando ser como as meninas da escola, como Petra, como a protagonista da novela adolescente, com adesivo de estrela na testa e barriga lisa, tão uniforme quanto o cabelo loiro. Comparações cruéis me levavam a pular refeições, abandonar sobremesas, prender o fôlego diante do espelho até ver surgir as costelas, feito as pinturas de Caravaggio, perseguindo um ideal. Sonho inalcançável, que durava o tempo da resistência de meus pulmões tão fracos.

Com muito esforço, parei de roer as unhas; que passaram a crescer longas, pintadas de rosa brilhante, um pequeno orgulho.

Os sábados de tédio interminável, que em outros tempos eram preenchidos pela nossa espera ansiosa para assistir ao Sabadaço, na TV Bandeirantes, ganhavam outro brilho quando chegava o quadro sobre aparições paranormais. Era nesse momento que Petra, Jungkook e eu nos sentávamos no chão da sala, olhos arregalados, atentos às histórias capazes de arrepiar até o último fio de cabelo. Vultos, vozes, mortos salafrários que fugiam sem pagar a suas corridas de táxi, indo do cemitério até a porta dos entes queridos para uma visita insólita; tudo isso me deixava trêmula de medo diante das imagens que os sensitivos analisavam com tanta veracidade e dos relatos sobre o perfume adocicado das flores que permanecia no banco de trás.

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