Veio aí a notícia que o mundo não acreditou!
Agradeço de coração a todos que sempre estão aqui incentivando e aguardando - não tão pacientemente kkk - por atualizações.
De antemão vou avisar que o capitulo tá GIGANTE, duas vezes maior em comparação aos anteriores. Porém não se acostumem com o conteúdo tão extenso, tá?
Votem e comentem bastante!
Boa leitura!
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Os dias que ficaram para trás levando para cada vez mais longe aquele acontecimento fatídico me davam esperanças de uma melhora mental. Não era fácil lidar com aquele turbilhão de sentimentos negativos, mas esforçava-me para ter forças em seguir em frente, mesmo estando devastada por dentro.
Minha família era meu alicerce, estando sempre ao meu lado em suas várias visitas durante aqueles dias em que eu não podia cogitar em sair do castelo. Arín era um homem sensitivo e completamente sábio. Recordava-me das tantas vezes que ele me alertou sobre o seu mau presságio contra Khaleb. Ele estava certo em não deter de confiança para com aquele homem. Sempre esteve certo e eu tola nunca quis de fato acreditar.
Mesmo diante toda a minha teimosia diante a aqueles fatos, ele não me culpava ou passava-me em rosto todas as suas incansáveis alertas, pelo contrário, reservava-se somente a me aconselhar e me acalentar durante aqueles dias tempestuosos. Não negava que sua religiosidade chegava quase perto de me tocar o coração, pois ele citava com uma certeza de que em um mundo onde as batalhas emocionais só tendem a crescer e se intensificar, a fé poderia ser a chave para a solução de várias dores emocionais.
Ele indicava certo de que se eu desejava superar esses desafios e redescobrir o propósito da existência qual eu julgava ter perdido, Deus seria meu guia.
Suas palavras eram claras: "Acredite: pela fé, é possível enfrentar qualquer adversidade e encontrar um novo caminho para a felicidade."
Mas eu não tinha fé.
Fé é uma expressão popular que significa garantir, assegurar ou transmitir confiança. Crença em algo ou alguém, mesmo sem evidências que comprovem a verdade da proposição.
Eu não acreditava em fé e sim em ciência.
A fé e a ciência são conceitos que não são excludentes. A ciência se baseia na observação do mundo e da natureza, na obtenção de dados, na análise desses dados e na formulação de teorias. Em contrapartida, a fé baseava-se na crença em algo que não é visível e que ainda não aconteceu.
A fé se baseia na certeza daquilo que não vemos e a ciência se alimenta da dúvida. A ciência constata fatos experimentáveis e então formula teorias a respeito de suas descobertas. Já a fé experimenta o que é invisível e que ainda não aconteceu, mas que através do ato de crer se torna possível.
Para alguém como eu era difícil acreditar em algo que simplesmente não aconteceu, que não poderia ser visto.
Preferia não expor meus reais pensamentos para Arín, apesar dele ter uma ideia prévia do que se passava por ali. Não era de minha vontade magoar seus sentimentos nem tampouco invalidar seus esforços em tentar me fazer sentir melhor.
Tudo o que eu precisava era parar para refletir sobre o impacto que aqueles sentimentos negativos podiam causar em minha vida e como, ao dar espaço a essas emoções, acabaria prejudicando as áreas mais essenciais do meu ser - o corpo e a mente. Era explícito o quão aquilo estava me afetando, visto as várias crises de pânico e ansiedade que me assolaram durante aqueles dias.
Eu era ciente que certos lixos emocionais se acumulam e, silenciosamente, corroem nossa paz, nossa vitalidade e nosso equilíbrio interior. Apenas precisava de um tempo para colocar minha cabeça nos eixos e deixar para trás todo aquele rancor que carregava dentro de mim.
Suspirei exasperada tentando livrar-me daqueles pensamentos e focar no momento presente, onde eu estava sentada na beirada da cama e uma Dinah em pé à minha frente fitava-me com paciência aguardando por uma resposta, ou melhor, uma sentença que a rainha exigia ser tomada de minha parte. Ela queria que eu definisse como se sucederia a morte daqueles homens naquele dia mais tarde, e pior, presenciasse toda a execução.
Mandar pessoas para a morte não havia sido o melhor "bom dia" de todos, deveria admitir.
— E então, senhorita? – a conselheira insistiu diante ao meu silêncio que se estendeu dentro daquele cômodo qual havia sido minha morada por aqueles dias.
— Eu não vou decidir. Sequer estou em condições para isso. – me pronunciei sem hesitar.
— Não seja deselegante em declinar esse gesto honroso de sua rainha. Ela deixou essa sentença a mercê da senhorita.
— Sinto muito. Mas terei que ir em direção a esse declínio. Me sinto honrada por ela se dispor a fazer justiça por mim, sinto que é o suficiente. – falei sem esconder minha sinceridade. – mas eu não quero participar disso.
Se o nome para definir fosse covarde, eu definitivamente era uma. Simplesmente não queria me envolver, apenas esquecer-me. Também não sentia benevolência ou quaisquer empatia por aqueles homens que quiseram destruir minha vida da maneira mais covarde possível, mas eu realmente não tinha estômago. Sentia-me enjoada só em imaginar pessoas mortas diante aos meus olhos como presenciei outrora, e sequer conseguia lembrar daquela cena sem sentir vontade de vomitar.
Dinah soltou o ar que aparentava prender em seus pulmões, mas antes mesmo dela tentar algum tipo de insistência, a porta do quarto foi aberta abruptamente e sem precisar olhar imediatamente já sabia de quem se tratava. A rainha não aguardava pelo aval das pessoas, era ao contrário, afinal de contas.
Era a primeira vez que a via desde aquela noite de dois dias atrás. Não compreendia o que acontecia comigo quando estava sob seu olhar ultimamente. Eu esquecia de tudo a minha volta e sua presença era tudo o que importava. Aquela noite, especificamente durante a madrugada, ela estava tão entregue como nunca antes, principalmente tendo em vista que ela estava ciente de meu pecado, e mesmo assim, pelo menos por hora deixou aquele fato de lado para estar comigo, dedicando-se a mim.
Foi inesquecível.
— Por que não esta pronta, senhorita Jauregui? – Karla indagou indicando não entender o porquê de eu ainda estar sobre aquela cama.
— Porque eu não irei a lugar algum. – afirmei fugindo de seus olhos inquisitivos.
— Como não? – questionou em tom de sobressalto realmente demonstrando-se surpresa a minha negativa.
— Eu não quero. Não quero fazer parte disso. – falei mesmo detendo conhecimento de seu desagrado a minha recusa.
Karla encarou-me os olhos por muitos segundos, deixando-me completamente desconcertada frente a conselheira real. A rainha aparentava estar buscando por certa paciência para resolver o caso, era óbvio que minha resposta não a agradou.
— Dinah, nos deixe a sós. – ela ordenou e a conselheira fez um aceno positivo.
— Com licença. – informou a loira.
A mulher prontamente seguiu a ordem de sua superior, logo deixando a ausência de sua presença naquele quarto, apenas sobrando eu e Karla naqueles termos que não agradavam ambas.
— Deixe-me entender. – ela fez uma pausa novamente voltando a encarar meus olhos sem pudor algum. – Passou diversos dias acamada em enfermidade após passar por um atentado e agora simplesmente quer passar a mão sobre a cabeça de seus agressores?
— Não. Eu não disse isso. – me apressei em me defender de sua acusação visto que não era daquilo que se tratava. – Eles tem que ter esse destino e eu sou a última pessoa a se opor contra isso. Mas quero que compreenda que eu não consigo assistir a isso.
— Eu passei por cima das diretrizes de meu legado, fantasiando uma história para meus súditos de que a senhorita foi violentada em decorrência de desavenças estapafúrdias, quando na realidade os fatos foram outros, livrando-a da morte devido a um pecado que se as pessoas que estão lá fora tivessem conhecimento, elas mesmo a levaria ao perecimento, para no final das contas a senhorita se recusar a uma vingança que sua majestade a concede? Os meus ouvidos não podem estar funcionando devidamente! –suas palavras vieram com um pesar de revolta inigualável.
Eu sabia das histórias que percorriam pelo reino para justificar a prisão de Khaleb e Joel. Os verdadeiros fatos foram contornados eximiamente não deixando vestígios daquela verdade que não poderia ter sido contada.
As únicas pessoas quais me reservei a sinceridade foram as de minha total confiança, sendo eles minha família e Asalam, esse qual eu realmente havia me arrependido totalmente de ter lhe deixado a par dos detalhes do acontecimento, não lhe ocultando absolutamente nada. O homem entrou em um surto completo, tanto que durante aquele momento em que lhe entreguei minha sinceridade, ele tornou-se irreconhecível. O seu choro era ouvido fora das paredes daquele quarto, seus gritos em completa conturbação deixaram-me assustada, mas não com receio sobre ele, jamais, mas sobre o que ele poderia fazer e complicar sua vida. Ele dizia que sentia-se culpado pelo o que houve comigo, que se tivesse saído em minha busca quando eu não apareci na taberna a situação poderia ter sido outra.
Ele não tinha culpa alguma, mas eu sabia de sua necessidade em me proteger. O homem prometeu matar Khaleb com suas próprias mãos, de uma maneira que jamais imaginei ver ele falar, pois se tratava de uma pessoa doce e maleável. Tentei firmemente tirar aquela sua sede de vingança, não faria bem a ele.
O detalhe de minha tatuagem aparentou ser banal para si, ele tampouco se importou visto toda sua revolta ao me ver machucada. Ele sabia que eu vinha do futuro, de um tempo tão distante que sequer poderia imaginar. Não me teceu julgamentos sobre minhas decisões ao decorrer de minha vida, nem tampouco sobre eu não ser como as pessoas dali, com seus desejos sanguinários por vingança.
Contrário de Karla, que me fitava naquele momento em busca de respostas por eu me recusar a estar junto no momento da execução de meus agressores.
Eu não olharia em seus olhos no momento de suas mortes, e aquilo já estava decidido, só faltava que ela entendesse.
— Não me importo como se sucederá a morte desses homens. Mas quero que tenha compreensão sobre eu não estar presente durante isso. – prossegui em minha decisão.
— Isso só pode ser uma brincadeira de muito mal gosto. – ela exclamou exasperada.
— Desculpa se a decepciono. – falei não tanto numa sinceridade. Não acho que realmente deveria me desculpar por não ter instintos negativos.
— Decepção é pouco para definir. Nunca me deparei com uma súdita tão petulante. – disse ela fitando-me de cima a baixo em puro desgosto.
— Eu sei que me considera uma fraca. Mas tudo bem, pode ter essa visão de mim, eu não me importo. – ali eu mentia, pois me importava e muito os pensamentos que ela tinha sobre mim. Não gostaria que ela me visse como uma completa covarde, me corroía por dentro só de imaginar.
— Não é bem assim. Não tolero fraqueza nem em mim mesma, tampouco em meus súditos. Tome consciência, a senhorita não faz o que bem quer aqui e em lugar nenhum. Não me venha com essas suas falações, porque eu não sou mulher para ser convencida, sou mulher para ser obedecida. – aquela sua fala cheia de imposições juntamente com o tipo de olhar em que me direcionou me irritou por completo.
Estava de saco cheio por ela não entender o meu lado.
— Porra! Não acha que já estou fodida mentalmente o suficiente? – me elevei de onde estava sentada, assim como o tom de voz drasticamente sem conseguir controlar o nível sentindo-me até mesmo enlouquecida com toda aquela história, e o meu ato raivoso a fez sobressaltar por um instante claramente em um passageiro apavoro dando um passo para trás. – Há dias atrás eu vi um homem morto com o rosto esmagado sobre uma poça de sangue e logo após tomei a maior surra da minha vida. Não acha estou tentando me manter forte? – Ela não entendia que eu só precisava colocar minha cabeça em ordem e não acumular mais um trauma de ver na minha frente cabeças decepadas ou algo do tipo, mesmo se tratando de seres tão desprezíveis como aqueles.
— Não atreva-se a isso, insolente! – ela apontou o dedo a minha frente demonstrando um receio de que eu me aproximasse mais.
– Eu sei de meus erros, mas quero que saiba que se isso é a porra de uma guerra, eu escolho não lutar. – esbravejei não conseguindo controlar aquela ira.
— A vida em si é uma guerra, não tem como fugir, uma hora ou outra terá que lutar por bem ou por mal. – apesar de não manter o mesmo tom de voz, sua fala não estava tão em altos níveis, contrário do meu que estava elevado até demais.
— Talvez seja. Mas essa batalha por hora, eu irei declinar. – minha imposição era certa e eu não voltaria atrás.
— Coloque na sua mente que na mesma história em que somos mocinhos, podemos nos tornar vilões dependendo da perspectiva de cada um. Mas se não se sente apta para enfrentar essa situação e cumprir o seu papel frente a essa honra que a destino mas descarta com toda essa afronta, não serei eu a insistir. Com licença.
Karla preparou-se para sair e naquele instante a consciência pairou sobre mim, o que me fez rapidamente me aproximar e a segurar com cautela em seu braço a impedindo de ir. Realmente não gostaria de regredir com ela após tantos momentos bons qual compartilhamos outrora.
— Espere, por favor. – pedi daquela vez voltando ao tom de voz que jamais deveria ter saído.
Ela virou-se novamente frente a mim observando-me aproximar ainda mais de si.
— Me desculpe, me sinto uma total idiota agora. Não estou agindo de maneira correta. – falei com pesar, arrependida de ter violado os limites ideias.
— Na verdade nenhum súdito se portou de maneira tão inadequada desde que eu me tornei quem sou. – disse ela erguendo o queixo em puro orgulho.
Como eu me sentia uma idiota por ter agido daquele modo desonroso.
— Tudo bem. Pode sair, digo, esquecer de seu posto ao menos por agora para possamos conversar de igual para igual? – questionei torcendo para que ela optasse por aquilo e felizmente ela balançou a cabeça positivamente mantendo uma seriedade que me preocupava.
— Posso. – felizmente ela se dispôs confirmando.
— Eu assumo minha fraqueza quanto a tudo isso. De certa maneira admito que me envergonho por não conseguir fazer o que deveria. Mas por favor, me entenda, não estou totalmente bem, na verdade acho que não estou nada bem, é tudo confuso, não sei o que pensar. Sequer consigo dormir direito a noite. Estou tentando esquecer e me dispor a ir assistir a morte daqueles homens me revira o estômago, e também tenho certeza que se eu ditar alguma sentença a aqueles emprestáveis mesmo sem assistir a tudo, irei ficar imaginando e irá piorar minha situação qual eu tanto estou lutando para ter o mínimo de alívio. Estou suplicando a você que me dispense de reviver o terror olhando os olhos das pessoas que me machucaram. Por favor, diga que me compreende...
Engoli em seco aguardando por uma resposta positiva sua. Eu gostaria que ela tivesse uma ideia do que se passava dentro de minha cabeça, que ela entendesse que não estava fácil para mim. Era tudo tão complicado que nem mesmo eu conseguia um controle sobre.
Ela suspirou e fechou os olhos por uns instantes, depois fez um aceno positivo.
— Eu compreendo.
O alívio em ouvir aquelas palavras me tocou genuinamente. Era bom deter de sua intelecção. Não queria ficar em maus termos com ela, principalmente a tudo que compartilhamos outrora. Ela estava agindo de maneiras mais maleáveis e com vários resquícios de cognição. Eu não queria perder aquilo que foi tão difícil de se conquistar.
A intimidade daquela noite e a ousadia que habitava corriqueiramente em mim me deu um incentivo para aproximar-me mais de si e ela não se afastou nem tampouco fez menção sobre. Aproximei as mãos em seu rosto, tocando-o suavemente, segurando-o delicadamente em direção ao meu. Queria que ela me olhasse nos olhos enquanto me ouvia.
— Me desculpe gritar com você... – pronunciei quase como um sussurro quase encostando meu nariz no seu, tentando me retratar daquela atitude tosca qual tive. – fiquei fora de mim, não sei o que me deu.
— Cogitei por um segundo que os papéis haviam se invertido aqui. – disse no mesmo tom que o meu, arrancando breves risadas contidas de minha parte com a comparação.
— Me exaltei sem pensar...
— Julgo que sim. – ela disse ainda mantendo-se bem próxima, fitando meus lábios numa obstinação tão intensa que estava se tornando difícil não tomar os seus em beijo. – recorda-se quando me questionou como se corteja uma rainha?
Ela era uma mulher de uma personalidade tão forte que chegava a estranhar seu tom tão aveludado após eu ter a desrespeitado. Mas de fato, não achava aquilo ruim.
— Claro. Eu estava louca para saber como poderia conquista-la. – confessei sem receios.
— Pois é... – ela sorriu como se fosse para si mesma ao recordar. – gritar comigo não é o caminho. – após aquela sua fala, seu sorriso esmaeceu e seus olhos se puseram a me encarar. Era óbvio, ela não deixaria aquela situação passar batido, era ilusão de minha parte por vezes cogitar que Karla mudaria sua maneira de lidar com certos eventos. Ela manteve sua proximidade, mas daquela segurou com força meu maxilar para me forçar olha-la nos olhos e dizer seriamente: – Saiba que não me assusta em engrossar o tom de voz a mim e tecer esses palavrões que não saem de seu vocabulário. Me escute, não tente me intimidar pois não consegue. Veja bem, que isso jamais se repita novamente! – finalizou empurrando meu rosto para livrar-me de seu toque ameaçador, fitando-me em acusação com seus olhos castanhos devastadores enquanto quebrava nossa proximidade.
Karla realmente me encarava seriamente em sua postura avidamente destemperada.
Não era de minha vontade lhe contradizer, jamais. Mas algo em mim me fez agir no impulso em falar num tom que não indicava tanto, mas era uma brincadeira na verdade.
— E se voltar a se repetir você vai ficar caladinha. – ri internamente da minha tamanha ousadia. Ela poderia me estapear? Claro que poderia. Mas não queria perder a oportunidade de ver sua faceta que certamente seria impagável ao se deparar com tais palavras.
Ao contrário do que eu pensava, ela deu uma risada debochada do que eu havia lhe dito em completo desafio. Nunca tinha ouvido sua risada antes, não tão audivelmente já que ela sempre se mantinha em postura.
— Meu Deus, eu mereço! – disse ela ao afastar-se em direção a porta mas parando ao me ouvir.
— Você não se tocou ainda que já sei a maneira qual gosta de ser cortejada. – experimentei as liberdades qual eu mesma havia me dado.
— Lhe dei muitas regalias por hoje, senhorita Jauregui. E voltando para o posto que eu é meu por direito... – disse ela referindo-se a tornar a portar-se diante a mim como rainha. – não se preocupe quando as sentenças, eu mesma definirei, afinal sou eu a responsável por suportar decisões difíceis pela vida e bem estar de meus servos. Quando ao seu desacato a sua soberana, irá receber uma punição.
— Aguardo ansiosamente pela minha própria sentença, alteza. – falei levando aquela aquela sua fala em forma de malícia.
Ela sorriu presunçosa, o que me deixou ansiosa pelo desafio que estava por vir, fazendo-me também sorrir enquanto aguardava.
— Pois bem. Receberá as curandeiras hoje em seu quarto, que será palco de uma das maiores missas que este reino já viu.
— Espera, o quê? – meu sorriso morreu no mesmo instante.
Não era daquela maneira que eu gostaria que ela me punisse por minha insolência. Que droga, ela não entendia?
— Tenha um bom dia, senhorita Jauregui. – foi óbvio o quanto ela saboreou as palavras ao me ver decepcionar com minhas próprias expectativas.
— Mas que porra... – falei pra mim mesmo ao ver a porta a minha frente sendo fechada, deixando-me sozinha com uma provável cara de tonta.
Neguei com a cabeça frente a aquela situação que havia me colocado. Era bem feito mesmo para que eu começasse a me policiar sobre deixar-me levar pela ousadia e fazer brincadeiras quais cogitava que Karla entraria junto. Ri comigo mesmo. Ela era diferente de qualquer outra mulher qual já havia tido um contato. Sua formalidade era gritante e de sua normalidade, por isso eram raras as vezes que ela se deixava agir de maneira contrária qual era acostumada.
Eu sabia que minha própria maneira de agir a intrigava, mas sentia que no fundo ela poderia gostar, visto que eu havia acabado de tratá-la em meio a gritos, coisa que certamente ela nunca se deparou com qualquer outra pessoa, e a mesma me daria como punição algo que eu odiava, apenas para me incomodar.
Naquele dia mais tarde após toda a sessão de tortura que Karla havia me destinado, me chegou a notícia por meio da conselheira de que a vingança contra aqueles homens havia sido concretizada. Dinah quis me dar detalhes de como a tortura havia sido efetuada, mas eu realmente não fiz questão de saber. Como afirmavam os religiosos de sua existência, se no mundo deles existia, que eles queimasse no fogo do inferno por todo mal que me fizeram e que podem ter feito a outras pessoas. Desejava apenas fechar aquela maldita página de minha história, deixando para trás aqueles eventos fatídicos quais nunca cogitei que iria passar.
[...]
O dia seguinte chegou e eu fui informada que finalmente pela tarde retornaria para minha casa. Estava com tanta saudade de meu lar com as pessoas que eu gostaria de ter por perto, por mais que estando no castelo eu estava os vendo com frequência devido as suas visitas. Minha filha questionava o que houve comigo, e a história que a contava era sobre ter escorregado no gelo e me machucado feio. Ela sempre me perguntava a mesma coisa e eu a contava a mesma história, o que a fazia rir todas vezes visto ao meu jeito divertido de contá-la, apesar dela se demonstrar preocupada quando fitava os machucados em meu rosto. Ela era apenas uma criança inocente, não entendia a gravidade da situação e nem tampouco gostaria que um dia ela soubesse. Seria uma dor que eu levaria apenas comigo.
Pela manhã após minha higiene, deitei-me sobre aquele colchão sentindo-me indisposta, mas não por cansaço, mas pelos dias quais passei ali dentro sem fazer absolutamente nada. Foi uma semana enclausurada pelo fato do meu estado e também por Karla não me deixar sair até que a situação estivesse resolvida. Eu odiava ficar ali dentro olhando para o nada, mas sabia que aquela não era uma forma sua de me punir, e sim de proteger, visto a sua compenetração ao fazer que os fatos que levaram-me a passar por aquela agressão foi devido a um desentendimento com Khaleb, onde seu amigo interviu ao seu favor e com isso tentaram-me tirar a vida, um crime de ódio. Dessa forma, a tentativa de estupro e o motivo de terem desistido foram completamente invalidadas.
Karla havia sido excepcional em resguardar minha integridade. Sabia do tanto que aquilo havia lhe custado, visto que se a realidade viesse a público e desvendassem sua inverdade, causaria um motim que sinceramente eu nem gostaria de imaginar.
Meus pensamentos foram interrompidos pelas batidas na porta. Fiquei curiosa para saber quem estava do outro lado, pois descartava a possibilidade de ser Karla, visto ao fato dela nunca bater em nenhuma porta, era óbvio.
— Entre! – disse a fim de saber quem estava ali.
A porta foi aberta revelando uma loira sorridente.
— Olá! – ela cumprimentou adentrando o cômodo.
— Que bom ver você Zoey! – exclamei realmente eufórica em ver a mulher ali. Sentei-me sobre o colchão abrindo espaço para que ela fizesse o mesmo, o que ela fez prontamente após aproximar-se.
— Como se sente? – ela perguntou ao me analisar atentamente.
— Bem melhor. – afirmei.
— É muito triste que tenha passado por isso. Agredida sem precedentes sem ser culpada de algo.
Assim como os outros, Zoey não detinha consciência dos reais fatos, e eu preferia daquela maneira. Já era um sofrimento sem igual somente pensar naquilo, e sequer cogitaria em lhe contar a verdade.
— Sim. Mas estou me recuperando, felizmente. O que importa é que tudo isso passou. – falei afim de me desvencilhar daquele assunto.
— Mas algo nisso me surpreende. – ela comentou.
— O que? – perguntei em curiosidade.
— O quão linda você consegue permanecer mesmo estando com uma parte do rosto machucada. – a mulher ao meu lado me elogiou sem receios.
— Assim você me deixa sem jeito, Zoey!
— Que calúnia. Você não sabe fingir, Lauren. – disse ela em tom de humor empurrando seu corpo contra o meu suavemente, logo voltando a sua postura.
— Não sei mesmo. – dei de ombros acompanhando sua risada.
Zoey fez um sinal com a mão e apontou para as próprias coxas, fazendo uma oferta para que eu deitasse a cabeça em seu colo, e eu não recusei. Suas mãos se puseram a fazer um cafuné em meus cabelos, e tudo o que pude fazer foi fechar os olhos e desfrutar daquele carinho qual ela se dispôs a me dar.
— Soube da situação que aconteceu com Asalam?
Havia acontecido algo que eu não estava sabendo?
— O que? O que houve? – indaguei com pressa voltando a abrir os olhos.
— Com o seu sumiço, Asalam foi em busca de respostas com Rainha Karla. Ele contou-me de maneira tão envergonhada que antes mesmo dela completar a fala, ele cogitou sua morte e passou mal diante a majestade.
— Não acredito! Ele não me falou nada disso... – eu sabia que Asalam havia procurado por mim, pois o mesmo quem tinha me cedido tal informação, mas me foi ocultado a parte em que ele deteve de algum mal estar frente à majestade.
— Porque ele está envergonhado. Asalam desmaiou quase que aos pés da soberana, para ele foi muito constrangedor.
Olhei para cima fitando os olhos de Zoey e ela prosseguiu a olhar os meus mantendo a seriedade que o assunto exigia, ambas esperando alguma reação sobre aquele tópico. Eu juro que tentei me conter, apertando os lábios e até mesmo prendendo a respiração. Mas, quanto mais eu tentava, mas difícil se tornava. Encarei Zoey tentando buscar algo para falar, mas a mulher me encarava de cima seriamente, e aquilo piorou ainda mais porque eu sabia de sua vontade.
Meu estômago chegou a doer de tanto segurar aquela risada que estava prestes a explodir. Mas, quando vi o resquício de riso querer se formar nos lábios de Zoey, foi quando ao mesmo tempo nossas gargalhadas vieram altas e irreprimível. Eu não queria, era maldoso com meu amigo que eu tanto detinha de apreço. Me senti um pouco envergonhada devido a situação não ser propícia a risos, mas também me senti aliviada. Era como se finalmente tivesse finalmente liberado a pressão que estava acumulada dentro de mim.
Asalam era muito precipitado. Eu só conseguia imaginar em minha mente a reação da rainha lidando com uma cena daquelas, sequer cogitava como Karla deve ter agido diante a aquilo, mas tinha uma impressão de que ela não tinha movido um dedo para socorrê-lo. Ela era divertidamente um cubo de gelo. Ri ainda mais ao lembrar da frieza da mulher.
Asalam desmaiou diante a pessoa errada. Pensei.
— Coitado... – comentei me recuperando daquela série de risos.
— Você tem muita sorte em tê-lo em sua vida. Asalam é um bom homem, principalmente para você. – após se recompor das gargalhadas, ela comentou e eu assenti prontamente.
— Eu o amo. É uma amizade que aprecio demais. – fiquei por uns instantes pensativa pensando o quão eu era grata por ter alguém como ele.
Foram breves momentos de silêncio após minha fala, Zoey calou-se demonstrando-se também estar pensativa. Meu momento torpe foi interrompido quando senti uma de suas mãos escorregar sorrateiramente por meu pescoço numa naturalidade que eu não soube definir no momento, causando-me um arrepio, sentindo meu corpo reagir com sua ousadia em ir além e passar com sua mão entre meus seios, sem trocá-los, deixando sua mão repousada ali.
— Você está bem ousada, Zoey. – comentei fitando sua mão pousada ali sem deter de receios.
— Não estou fazendo nada demais. – ela sussurrou como se por vezes já houvesse tido aquele tipo de ousadia comigo.
— Não sou mulher de se dar ao desfrute. – falei mais como um gracejo.
— Eu não disse isso. – ela falou rindo brevemente, mas sem mover-se além.
— Vamos, tire essa sua mão boba daqui. – afirmei tentando afastar a mão dela.
— Não. – decretou.
— Ah, é? Então vamos ver! – tentei morder o braço de Zoey, o que causou suas risadas assim como as minhas, mas ela esquivou-se a tempo, fazendo-me buscar por outra tentativa.
— Pare! – ela exclamava em meio a risadas.
— Foi você quem começou, agora terá que lidar com isso.
Mordi seu braço deixando ali uma marca, mas não foi no intuito de machucá-la, era apenas uma brincadeira permitida por ambas as partes, o que me divertia em demasiado a vista de que aqueles dias foram tão tediosos e monótonos. Virei-me de frente para Zoey praticamente ficando por cima da mulher de maneira desajeitada, e novamente puxei seu braço para dar-lhe outra mordida, enquanto ela tentava se esquivar de minhas investidas em meio a risos, tentando se defender de minhas ameaças em deixar mais uma marca em seu braço, mas não escondendo escondendo o tanto que se agradava daquilo. Foi inevitável não nos assustar com o ruído da porta se abrindo sem que ao menos percebêssemos.
Era Karla.
Rapidamente tentamos nos recompor extremamente constrangidas, na mesma rapidez em que nos pomos de pé, sobre os olhos da mulher a nossa frente que demonstrava uma seriedade sem igual ao ter nos flagrado daquela maneira que poderia deixar uma má interpretação.
— Majestade... eu... – Zoey apressou-se em dizer em total desconcerto sem saber onde colocava as mãos. Percebi Karla fitar ligeiramente a marca avermelhada sobre a pele de Zoey e quase que imperceptivelmente arquear as sobrancelhas, logo percorrendo seus olhos e encarando a mim sem dizer absolutamente nada, com uma faceta de quem pergunta silenciosamente o que significava aquilo. Seu silêncio era ensurdecedor e completamente angustiante, tanto que Zoey apressou-se. – retornarei ao trabalho, perdoe-me estar longe de minhas obrigações, soberana. Me dê licença.
— Toda. – Karla respondeu sem esquivar seus olhos dos meus.
Após ouvir que realmente havia sido dispensada sem levar sermões da majestade, Zoey curvou-se e se apressou a sair porta a fora deixando-me à sós com a rainha, que prosseguia em silêncio, olhando-me nos olhos. Aquilo instigou-me a me sentir ainda mais envergonhada ao olhá-la me encarar. Ela aparentava aguardar pelo momento em que eu me incomodaria com tal atitude, o que funcionou. Cheguei a ficar em completa agonia por dentro por ela me fitar sem dizer uma palavra.
Ela era intimidadora em demasiado.
— Rainha, eu posso explicar... – comecei inquieta e um pouco trêmula, deveria admitir.
— Explicar o quê? – ela manteve seu olhar agora daquela vez semicerrado, logo sorrindo de maneira debochada sem mostrar os dentes.
— Isso...
— Não vejo motivos para explicações, serva. – ela começou fazendo pouco caso. – Apenas me reservei a vir pessoalmente informá-la que sua carruagem está pronta para levá-la para casa, visto que a tarde será inviável devido às más condições do clima que podem vir a piorar. Estou prezando que chegue a sua casa segura. – ela comentou, movendo-se pelo cômodo ficando de costas pra mim, até chegar à mesa de cabeceira, remexendo de qualquer maneira nos objetos que ali estavam.
— Certo. Obrigada por isso... por tudo. – foi o que eu consegui dizer.
Ela estava se comportando de maneira estranha.
— Por nada, senhorita. – ela disse daquela vez ainda mantendo-se de costas mas virando o rosto em minha direção, não deixando seus olhos abandonarem os meus, mesmo de certa distância.
— Eu realmente a agradeço por se dispor a prezar por meu bem estar, por minha integridade. – me aproximei lentamente, sem invadir seu espaço pessoal. – quero que saiba que tudo o que fez por mim me fez ficar ainda mais encantada por sua pessoa.
Falei mais como um sussurro, tentando fazê-la enxergar a sinceridade em minha palavras. Antes de ir, gostaria realmente que ela tivesse noção do quanto a admirava e o quanto eu me sentia bem por ela se disponibilizar a estar de alguma forma ao meu lado mesmo à frente de tantas barreiras que haviam entre nós.
— Me poupe desses seus galanteios baratos! – mesmo mantendo o tom de voz em nível ambiente, sua fala veio de uma maneira tão rude que eu não sabia nem para onde olhar ao me deparar com seu desdém.
Aquilo foi um soco no estômago tão forte que eu tive vontade de rir em um nervosismo que foi difícil de mascarar. Notar sua posição defensiva me deixou absolutamente preocupada.
— Credo. – foi o que pude expressar no momento sem conseguir me conter.
— Lhe darei a regalia de passar 3 dias no conforto de sua casa, acho que será o suficiente para sentir-se totalmente bem e recuperada para voltar a sua rotina e dispor seus serviços em meu palácio.
— Agradeço muito por sua benevolência. – ela assentiu e caminhou em direção a porta, passando muito próxima a mim esbarrando em meu ombro com força. Aquilo foi proposital, era nítido. Mas antes mesmo dela tocar na maçaneta, me apressei em tocar em seu braço o segurando com cautela. – Karla...
Ela fitou de meus olhos para minha mão repousada em seu braço, demonstrando que aquilo não tinha sido uma boa ideia, mas mesmo assim, permaneci no ato.
— Solte! – O ligeiro curvar de sua boca em me entregar um tom completamente áspero foi motivador para me que sentisse nervosa o suficiente para mover minha mão dali, recuando o toque visto que não era de minha vontade piorar toda uma situação qual eu não tinha ideia até então. Ela estava tentando esconder uma irritação, mas o seu comportamento não me deixava em dúvidas.
— Eu só... eu gostaria que depois desses dias que permanecerei longe, após meu retorno, pudéssemos ter aquela conversa. – citei referente ao que ela mesmo sabia, o que eu havia lhe dito outrora sobre me revelar completamente para que ela tivesse noção de onde eu vinha e quem realmente eu era, porque era de seu inteiro interesse deter de tais informações.
Ela sorriu presunçosa ao ouvir minhas palavras, seu sinal corporal foi claro ao entrelaçar suas mãos frente a seu corpo esboçando uma postura inabalável, e falou:
— Converse com sua amiga Zoey. Ela com certeza irá ouvi-la. – e assim, deu-me as costas saindo dali deixando-me com uma cara de idiota para trás sem aguardar por minhas respostas ou até mesmo explicações.
Me mantive parada por longos segundos fitando aquela porta a minha frente tentando entender aquelas reações repentinas de Karla quais nunca me deparei antes. Eu sabia a forma qual ela agia quando sentia seus costumes contrariados e não havia sido aquilo de fato, principalmente por ela não ter destinado nenhuma crítica a Zoey. Afinal, eu só estava recebendo a visita de uma amiga, assim como recebi de minha família e Asalam.
— Não...
Neguei ao balançar a cabeça negativamente repetidas vezes tentando afastar certos pensamentos que não condiziam com ela. Karla nunca se sentiria incomodada sentimentalmente ao me ver de forma íntima com outra pessoa.
Ou se sentiria?
Minha mente estava um turbilhão. Era errado, eu sabia, mas não conseguia fingir para mim mesmo o quão aquilo me agrava. Nunca a deixaria incomodada ou em insegurança propositalmente, mas mesmo que minimamente se fosse de fato algum tipo de ciúme, seria alguma pouca confirmação de que meus sentimentos eram recíprocos em algum nível.
Só desejava que aquelas minhas expectativas não fossem tão infundadas.
[...]
Ao chegar a minha casa fui recebida com entusiasmo por meus familiares. Arín e Normani haviam preparado um jantar para comemorar minha chegada, eles realmente demonstravam-se eufóricos com o meu retorno. Minha filha que por sua vez, queria minha atenção inteiramente voltada somente para ela, visto aos dias quais passei longe. Como era bom estar de volta!
— Como você se sente? – disse Arín ao se aproximar sem receios e tocar em meu rosto com as duas mãos, averiguando com atenção minha face como se buscasse algo de errado.
— Ei, estou bem. Não se preocupe. – tentei acalmá-lo de sua aparente preocupação elevada.
— De verdade? – ele insistiu ainda com as mãos em meu rosto.
— Sim. Esses dias quais estive no palácio fui muito bem cuidada. – o assegurei, o que o fez balançar a cabeça positivamente e se afastar.
— Felizmente você está de volta e aquele desgraçado está morto. – disse Arín.
— Eu preferia não falar sobre isso. – realmente não era de meu desejo retornar a aquele assunto novamente, tampouco pesar o clima bom que havia pairado ali falando sobre coisas tão ruins.
— Certo, me desculpe! – o homem aparentou se arrepender do que havia dito. Parecia preocupado sobre me agradar.
— Não precisa se desculpar. Só quero aproveitar minha casa, vocês, tudo isso. – o tranquilizei.
— O que você quiser, minha querida. – Arín tornou a se aproximar e depositou um beijo em minha testa, e em seguida remexeu em meus cabelos fazendo-os ficarem bagunçandos, o que eu logo fiz questão de alinha-los lhe mostrando meu sorriso sem me conter.
Estava carinhoso e eufórico demais. Ele nunca se reservava aquele tipo de afeto, apesar de eu ter total conhecimento de sua afeição por mim.
— Não estranhe, Lauren. Esse homem não me deixou dormir por longos dias e chorou como uma criança depois de ver seu estado quando estava no castelo. – Normani proferiu sem conter o riso.
— Normani! – o homem exclamou repreendendo a mulher querendo me ocultar daquela informação.
— Eu sei que você me ama, Arín. Não adianta tentar esconder! – comentei o provocando. Sabia que aquilo era verdade, de fato.
— Eu a amo mesmo. Não preciso esconder. – levantou as mãos em rendição. – não sei o que seria de nossas vidas sem você.
Ao ouvir suas palavras tão cheias de emoções, eu não soube responder aquilo em termos, apenas me aproximei o abraçando fortemente, logo puxando Normani para também envolver seu corpo naquele ato de afeição, e minha Jasmine que por sua vez não quis ficar de fora daquele momento em família, se envolveu ali tentando nos envolver com seus pequenos bracinhos naquele nosso abraço desajeitado. Aquelas pessoas eram tudo de mais valioso que eu tinha em minha vida.
— Bom, vamos ao jantar? – uma Normani um pouco desconcertada disse afastando-se, não estando habituada com aqueles gestos entre nós que não eram tão corriqueiros.
— Comida! – Jasmine exclamou animada nos arrancando risadas sinceras.
A menina pediu-me em gestos para ir para meus braços e apesar de ainda sentir algumas certas dores pelo corpo - nada exorbitante - a ergui a segurando, enchendo-a de beijos por seu rosto angelical, daquela vez arrancando as suas risadas. Ela estava manhosa, dizia sentir falta do meu colo e de meus carinhos.
Eu sorria quando minha real vontade era chorar, mas não um choro de tristeza. Apesar de toda aquela tempestade qual tinha enfrentado, agradecia internamente por tudo, mas principalmente pela dádiva da vida, qual havia tido uma segunda chance. O sentimento profundo que sentia por aquela garotinha se traduzia em uma conexão única, era um vínculo que transcende palavras. Nunca pensei que eu fosse capaz de criar uma menina tão educada, carismática, inteligente e mesmo sendo tão pequena, persistente quando desejava alcançar algum objetivo. Definitivamente era a melhor filha qual um dia eu pude sonhar. A amava mais do que tudo no mundo.
Nosso jantar foi regado de boas conversas, como há dias eu tinha tanto sentido a falta. Após nossa refeição, prestei-me a fazer meu papel de mãe - qual havia sido afastada bruscamente durante aqueles dias devido ao que tinha me acontecido - e me reservei a fazer a higiene de Jasmine. Prendi seus cabelos longos num coque desajeitado no intuito de não molha-lhos durante o banho.
Quando voltamos para o quarto, sentei na ponta da cama e ela permaneceu em pé, à enxugando fazendo brincadeiras como sacudidas ao seca-la com a toalha. Normani adentrou o cômodo sorrindo largamente ao se deparar com nossa interação, mas logo se pôs a falar aproximando a mão ao topo da cabeça de Jasmine.
— Acho que esse sinal nunca irá sumir. – ela comentou indicando sobre a marca de nascença pequena e um pouco arredondada qual Jasmine detinha na nuca.
— Talvez não. É apenas acúmulo de melanina, nada demais. – dei de ombros. – é inofensivo.
— Eu sei... os indivíduos podem deter dessa mesma marca, não é? – ela questionou completamente descolocada, o que me fez a fuzilar com o olhar. Ela sabia o quanto eu detestava falar sobre aquele maldito assunto, mas mesmo assim volta e meia me vinha com aquelas falações desnecessárias.
Realmente me controlei para não soltar um palavrão enorme, mas obviamente não o fiz, Jasmine estava ali.
— A maioria das marcas de nascença não são hereditárias. Mas existe a possibilidade dos indivíduos poderem sim ter a mesma marca. Porém o local em uma área aproximadamente igual, é difícil, mas não impossível. – a expliquei muito contra gosto. – e também eu não sairia por aí olhando a nuca das pessoas pelas ruas à fora, nem mesmo se eu quisesse descobrir alguma coisa, coisa que não quero. – frisei em um tom firme e sério a última frase de minha fala. Normani deveria parar de me lembrar coisas quais eu não gostaria. Afinal, o que importava?
— Tudo bem. Não está mais aqui quem falou. – disse a mulher ajeitando a tipoia em seu braço esquerdo e se preparando para sair do cômodo e eu nada disse.
Logo me arrependi de ter sido grossa com ela, não merecia. Mas não podia negar sair de meu sério quando aquela era a pauta. Sabia de sua curiosidade em saber das origens de Jasmine. Aquilo tampouco me importava, eu era a mãe de fato ali, era eu quem me dedicava aquela criança e seria apenas eu a quem ela chamaria e trataria como mãe pelo resto da vida.
Após vestir Jasmine devidamente, a deixei concentrada em seus brinquedos ali naquele quarto, e sai pela casa encontrando Normani e Arín na sala se despedindo. Logo fiquei curiosa em saber para onde ele iria, o que me fez questiona-lo.
Arín anunciou que deveria partir para as dependências do palácio. A priori não entendi o que aquilo significava, o que me levou a novamente questiona-lo. Fiquei estarrecida ao saber que ele, assim como muitos outros homens do reino, havia sido convocado para um treinamento de combate.
Recordei-me do dia em que os líderes das nações estiveram no castelo para segundo Ally, resolverem questões de extrema seriedade. Antes de tudo aquilo me acontecer, eu mal me dei conta das inconstâncias de Karla ao estar sempre ocupada resolvendo questões quais a fazia agir num estresse inigualável.
Ela estava realmente resolvendo questões de uma guerra? Nunca me passou pela mente tal possibilidade.
Deixei-me ficar pensativa sobre aquele fato. Se realmente se tratasse daquilo, ela estava carregando consigo um fardo enorme, qual eu não sabia mensurar o seu peso.
Saí de meus devaneios ao notar Normani fazer gestos frente a meu rosto a fim de chamar-me a atenção. Deixaria aqueles pensamentos para outra hora, pois realmente não tinha certezas ali.
— Esta sentindo algo? – ela perguntou demonstrando-se preocupada, sentando-se numa cadeira ali e eu acompanhei.
— Meio pensativa apenas. – falei. – estou bem, não precisa ficar me perguntando isso a cada segundo. – brinquei mas no fundo era uma verdade. Sua preocupação excessiva me comovia, mas também não queria lhe tirar a paz ao se dedicar inteiramente a mim.
— Só quero me certificar de seu bem estar.
— Pode ter toda certeza que estou bem. – a assegurei. – Você esteve presente para ver com os próprios olhos o quão tive o melhor tratamento durante esses dias.
— Sim. Rainha Karla é uma mulher excepcional. – ela sorriu aparentando recordar-se da mulher.
— Ela é incrível, não é? – não consegui esconder o encantamento ao tecer aquele elogio para a toda poderosa.
— Mas me intriga em demasiado que pior do que a rainha ter visto com os próprios olhos sua tatuagem, ela não tenha a condenado, e muito pelo contrário, ela tem feito de tudo para mantê-la em segurança... isso me confunde. – ela confessou.
— O que pensa? – não me reservei a ocultar minha curiosidade sobre.
— Eu realmente não sei o que pensar, de verdade, é confuso. Mas é nítido o apreço que ela desenvolveu por você.
— Eu sei que sim... – sorri sem conseguir controlar ao recordar-me dela, de tudo... – ela ter mudado os preceitos sobre mim me deixa confortável.
— Mas se de fato ela não ter mudado? Quem sabe se ela pode ou não ter planejamentos negativos sobre você e esta esperando o momento ideal para executa-los? – eu entendia tais pensamentos vindos de Normani, afinal a vida a ensinou sempre estar na defensiva e completamente preparada para as adversidades que poderiam surgir.
— Não. Isso não. Eu confio nela, plenamente. Ela nunca me fará mal, assim como a nenhum de vocês aqui. – falei rapidamente.
Minha certeza em minhas palavras foi tanta, que mesmo sem perceber caí na armadilha de Normani a fim de me tirar informações quais eu não tecia para ela. A mulher era esperta demais e as vezes eu simplesmente esquecia disso.
— O que está me escondendo, Lauren? – sua pergunta veio mais como uma afirmação. Ela não perguntava se eu a ocultava de algo, ela afirmava sem receios.
— Nada... é que... sinto que ela seja a minha pessoa, Normani. – não pude mais esconder o que eu sentia, afinal Normani era a pessoa qual eu mais confiava no mundo. Se ela questionava e demonstrava interesse, eu lhe citaria o que eu precisava.
— Como assim? – ela questionou demonstrando um espanto e eu só soube dar de ombros sem esconder o sorriso em uma euforia difícil de ocultar. – Lauren... ela não é como qualquer outra mulher e é ciente disso, se trata da rainha, a mulher mais poderosa que jamais cogitou ver diante de seus olhos, então não, não considere poder requestar a ela, seria de uma imprudência sem tamanho.
Normani parecia abismada em pelo menos cogitar certas possibilidades.
— Eu sou imprudente, esqueceu? – tentei refrescar sua memória do dia em que Karla estava aqui e os bisbilhoteiros a ouviram citar sobre eu ter a beijado, apesar de nunca termos realmente tocado naquele assunto.
— Não... não me diga que realmente atreveu-se a tanto! – a mulher mostrava-se extasiada com minha tamanha audácia.
— Eu sou atrevida por natureza, minha querida irmã.
Normani passou uns segundos tentando abstrair seus pensamentos, mas sem segurar o misto de surpresa com curiosidade, perguntou:
— E ela? Como reagiu?
Normani realmente fazia um belo par com Arín, que era um fofoqueiro de primeira. A mulher apesar de se privar a ter conversas que iam além da moralidade, naquele momento aparentava não se segurar em tamanha curiosidade.
— Ela simplesmente gosta apesar de tentar demonstrar o contrário, apesar de tentar me repelir. Ela é uma mulher cheia de princípios e regras quais é muito difícil de lidar, eu admito, mas vejo mesmo que minimamente que ela está tentando moldar alguns aspectos para poder se sentir a vontade quanto a essas questões. – tentei ser sucinta para não ir para longe dos limites ali.
— Como sabe que ela gostou se acabou de afirmar que a mesma a repele? – indagou ela em desconfiança.
— Porque as atitudes dela contrariam suas palavras.
— Eu me recordo de ouvi-la falar que a beijou na boca, mas eu não consigo digerir até hoje. – ela aparentou engolir em seco ao se lembrar daquelas informações. – não vai me apontar aqui que ela permitiu isso, que a beijasse os lábios como se estivesse envolvida em seus cortejos, não é?
Quis realmente rir da inocência da mulher a minha frente. A visão que ela tinha de Karla era totalmente deturpada.
— Um pouquinho mais que isso... – dei risada dando a entender sem precisar citar do que eu estava falando, fazendo a mulher se espantar e ficar em completa negação.
— Que mentira descarada, Lauren! Não diga isso. É impossível! Minha alteza jamais se daria a tal desfrute, ela é uma mulher de respeito, uma beata que não agiria por simples prazeres da carne. Isso é desconexo. – ela teceu suas próprias afirmações a grosso modo.
— Acha que eu mentiria para você?
— Não, mas...
— Então? – a interrompi.
— Eu não sei. Rainha Karla é uma mulher aristocrática, não consigo imagina-la fora de seus discernimentos. Sejamos sinceras, é inviável cogitar que a mulher se porte de tais maneiras mundanas. Poderia ser considerada como uma santa, definitivamente. – Normani afirmava novamente em completa certeza, certa de que Karla jamais pudesse se portar contrariamente ao que seus súditos imaginavam.
Se ela soubesse de que de santa a rainha só tinha a face, ficaria totalmente estarrecida.
— Mani, ela é humana e não uma divindade. Isso é normal. – queria que aquilo entrasse em sua cabeça.
Toda aquela idolatria por uma pessoa não era num todo saudável. Queria tirar Normani de sua zona de conforto ao julgar que tudo era sobre aparências, essas quais enganavam bastante, num modo geral. Eu só precisava fazê-la entender que o meu relacionamento com Karla não mais se restringia apenas a de rainha e serva. Havia ido além, e eu desejava firmemente que fosse de encontro às minhas grandes expectativas, que caso viessem a se concretizar, minha família estaria ciente.
— Não diga isso, Lauren. Que absurdo duvidar da santidade de minha soberana. – ela me repreendeu ainda permanecendo em negação.
— Entenda, apesar de ser uma monarca, ela é uma pessoa como qualquer outra. Longe de todas suas obrigações diárias como rainha, ela tem seus próprios desejos internos, é algo completamente entendível. E diga-se de passagem, é apenas... normal... – após minha última frase, não resisti em soltar uma gargalhada frente a uma Normani que demonstrou-se bem espantada ao se dar conta de minhas palavras que iam contrariamente da moralidade necessária mesmo sem expressar explicitamente.
— Misericórdia, senhor!
— Você quem pediu! – falei dando risadas sem resistir.
— Meu Deus! Nunca mais a verei com os mesmos olhos... me sinto constrangida agora. – a negra a minha frente proferiu aparentando estar tentando afastar pensamentos indevidos.
— Relaxa. Estou apenas brincando com você, em alguma partes. Karla prossegue sendo uma mulher aristocrática e que segue os costumes como ninguém. Isso me intriga e me incomoda em certos aspectos ao mesmo tempo que me deixa fascinada. De onde eu venho, as pessoas são capazes de moldar os princípios sem pensar duas vezes.
— Ela é uma mulher distinta, isso é inegável. Foi a única capaz de deixá-la dessa forma. Em todos esses anos nunca a vi dessa maneira, Lauren.
— Que maneira? – questionei demonstrando-me fingidamente ofendida sabendo o que possivelmente ela falaria a seguir.
— Você está apaixonada, isso é inegável.
— Da pra perceber né? – sorri de uma maneira tão boba.
— A distância. – ela disse levantando-se de seu assento. – vou em busca de meus afazeres, preciso fugir de você, essa sua doçura pode me contagiar.
Dei risada de sua piada um tanto enfeitada. Sentia-me bem por ter conseguido desabafar com ela. Não me agradava em lhe ocultar de certos fatos de minha vida, e nem tampouco tinha motivos para aquilo. Apesar de ela não entender e achar arriscado demais, sabia de seu conforto ao me ver bem e feliz.
Dois dias haviam se passado desde meu retorno para casa. Não me sentia mais entediada, porquê convenhamos, em uma casa juntamente com a responsabilidade de ter uma criança, não faltavam atividades para fazer. As marcas da violência em meu corpo estavam se dissipando, assim como as de meu rosto. Apesar de ainda ser nítido a marca arroxeada acima de minha bochecha, o que me incomodava em demasiado, visto a minha vaidade quanto a minha aparência física.
Devia admitir que as regalias quais tive dentre aqueles dias quais passei no palácio conseguiu deixar-me quase que mal acostumada. Aquele lugar era de um conforto inenarrável. Até mesmo as refeições eram completamente distintas, eram fartas e saborosas. Era diferente do que tínhamos em casa no dia a dia geralmente. Mas se antes eu me esforçava para conseguir me alimentar devidamente naquele lugar, se tornou normal nos dias de hoje.
Com fome tudo ficava gostoso. Ri internamente.
Apesar de tudo ali não ser um terço do que eu gostaria, conseguia me sentir grata. Tínhamos uma casa que detinha de um certo conforto que nos agradava, não era nada como o palácio, mas era o nosso lar onde compartilhávamos os melhores momentos de nossas vidas. Também não nos faltava alimentos, que não era muito, mas era o suficiente. De modo geral, diga-se de passagem, tínhamos uma boa vida.
Eu havia sido uma mulher de muitas posses outrora, tudo conquistado com o esforço de meu trabalho. Minha infância e adolescência se seguiram sem usufruir de conforto e segurança financeira, como as pessoas que nascem em berço de ouro. Meus pais não eram ricos, muito pelo contrário, eram pessoas humildes, sem muitos estudos. Viviam de trabalhos informais, o que eu via que chegava a esgotá-los por muitas vezes devido aos constantes esforços físicos, mas se empenhavam firmemente para conseguir me dar uma vida digna, como era a única filha deles. Eram pessoas admiráveis quais eu tanto me espelhava.
Durante toda minha vida estudei em escola pública, vista a falta de recursos para cursar em um colégio particular. Sequer me importava com aquilo, afinal era completamente autodidata, detinha de uma facilidade em aprender de forma mais elevada que os meus colegas, por exemplo. Meu QI superior a 140 levou-me a várias sessões de terapia pelas constantes preocupações de meus pais, visto que possuía uma mente altamente ativa, pensando em várias coisas ao mesmo tempo e constantemente me via processando informações quais eu não conseguia controlar, devido a isso, esse alto nível cognitivo poderia levar minha mente a uma sobrecarga que futuramente poderia afetar minha memória.
Eu detestava com todas as forças as vezes ser tratada como alguém que detinha de problemas mentais, pelo simples fato de eu ter uma maior tendência a me aventurar em atividades mais cognitivamente complexas, o que de fato colaborava para que informações mais triviais ou com menor relevância tivessem menos de minha atenção e eram esquecidas mais facilmente.
Meu cérebro assim como de qualquer outra pessoa com superdotação, funcionava de forma otimizada e mais rápida, levando-me a constantemente a pular as séries quais cursava, concluindo a high school aos 14 anos, e logo ganhando uma bolsa de estudos numa das melhores faculdades da cidade de Washington, a Georgetown University.
Meu maior sonho mesmo era estudar na tão prestigiada Harvard, mas naqueles tempos era algo até mesmo impossível para mim, devido aos poucos recursos financeiros de minha família. Massachusetts situava-se um pouco mais de 7 horas de viagem, o que deixava-me sem escolhas quanto ao fato de sair de minha cidade tendo apenas 14 anos naquela época.
Georgetown era muito respeitada pela qualidade de ensino e de suas pesquisas. Me sentia muito grata pois realmente fui feliz naquele lugar, foi por muito tempo o meu lugar favorito em todo o mundo, fazendo o que mais gostava na vida.
Aos 18 anos de idade, conclui meu curso de Física, para o orgulho de meus pais. Para eles era o suficiente, mas sentia-me apenas começando a trilhar o caminho de meus objetivos, visto que completar a graduação era apenas um passo para quem busca uma carreira de sucesso, independentemente da área de atuação. Ao se formar, um leque de opções se abre, principalmente para aqueles que pretendem investir em qualificação, que era o meu caso, definitivamente.
Não me demorei a entrar de cabeça naquele mundo, logo cursando uma pós-graduação pois dava a oportunidade de ampliar conhecimentos e me tornar uma especialista. Sem contar que profissionais com esse nível de ensino costumam ter a preferência de empregadores e maiores salários, o que não deixava de ser o meu objetivo.
Fazer o que amava e ganhar por aquilo era com certeza uma boa ideia.
A formação de um cientista é longa e envolve graduação, mestrado e doutorado, o que leva, em média, 10 anos. Com aqueles pouco mais de 9 anos de experiência e muito estudo, consegui dar uma vida confortável para meus pais, que sempre me apoiaram em cada decisão tomada. Mudei-me temporariamente para Cambridge, no estado de Massachusetts, para enfim realizar meu sonho em estudar na conceituada Harvard. A maneira mais comum de se tornar um cientista profissional era buscar espaço dentro da própria universidade onde se formou, onde realmente consegui aquilo na Georgetown, mas seria em Harvard que minha carreira iria se consolidar.
Lá fiz amigos e parceiros de trabalho que jamais irei esquecer, visto que foram eles a entrar de cabeça na minha ideia maluca de viagem no tempo. Agradava-me em pensar sobre viagens no tempo e ainda mais para a possibilidade de ir para o passado. A viagem no tempo para o passado é um tema controverso na física e é considerada impossível pela maioria dos cientistas.
No entanto, em minha mente eu simulava o que poderia acontecer se alguém pudesse viajar para o passado, usando o fenômeno do entrelaçamento quântico. Essa simulação poderia trazer benefícios para os cientistas, que podem alterar retroativamente os parâmetros passados dos seus experimentos.
Um dos argumentos que explicavam até então a impossibilidade de viajar no tempo para o passado era a necessidade de ultrapassar a velocidade da luz, o que exigiria uma quantidade de energia muito grande. Quanto mais rápido você se move no espaço, mais devagar você se move no tempo, e vice-versa. A implicação disso é que, se pudéssemos viajar mais rápido que a luz, de fato voltaríamos no tempo. Mas tecnicamente era impossível atingirmos ou superarmos a velocidade da luz, o tempo não podia parar. Mas por erros severos em meus cálculos quais admitia não ter em mente, meu tão almejado experimento entrou em um colapso que quase me leva a morte, mas me trouxe para trás, para um passado distante. Eu não sabia qual o fator x que me possibilitou a viajar na velocidade da luz, mas aconteceu.
Era como se eu estivesse presa em outra dimensão sem nenhuma possibilidade de retorno.
O meu tão sonhado projeto havia obtido sucesso e também havia aumentado consideravelmente minha fortuna. Devo admitir que meus olhos brilharam ao ver tantos zeros, apesar de ser alguém com boas condições financeiras devido a carreira que já vinha trilhando antes de conseguir concluir o doutorado em física.
O valor exato que gastei após conquistar minha fortuna bilionária foram míseros 250 dólares. Era cômico o quão minha obsessão por dar aquele salto histórico levou-me literalmente a falência. Levei tantos anos para realizar aquela conquista, de tornar-me alguém de importância para a história da humanidade, rica e famosa, uma ganância incalculável de minha parte, que naquele momento encontrava-me ali, alguém sem valor para o mundo, pobre e totalmente desconhecida.
Sentiria-me uma tonta por perder tudo o que trabalhei a vida toda para conseguir, mas eu prosseguia a sentir aquela satisfação desde o dia em que encontrei Jasmine.
A minha fortuna deixou de ser bens materiais para ser uma pequena pessoa, a minha favorita no mundo. Era irônico, mas eu me sentia mais realizada.
Não conseguia não me enxergar uma vencedora.
[...]
Pela manhã acordei decidida a fazer um agrado a minha filha, saindo em busca de seus preciosos pães de mel. Lá fora estava frio, os pés afundavam por vezes em alguns pontos naquela neve. Eu não era muito adepta do frio. O ar estava pesado, uma fumaça mesclava-se à neblina da manhã, que era quase palpável. Minhas narinas sentiam o gelo do ar passar por elas, rasgando-as em uma ardência natural do frio, culminando em um choque térmico que me dava um gosto cinzento na boca, como se aquele ar gelado fosse um cigarro que me obrigava a fumar à força.
A casa de pães era mais do que apenas um local para comprar pães, se tratava de um lugar onde a tradição e hospitalidade se encontravam. Aquele lugar fazia-me sentir bem-vinda e querer voltar novamente.
A porta de madeira com um sino que filinha ao abrir, dava acesso ao ambiente aconchegante e cheiroso. O aroma de pão fresco, misturado com o cheiro manteiga e mel, envolvia os sentidos e despertava o apetite. Ao entrar era possível ver as prateleiras de madeira, escuras e gastas pelo tempo, que eram repletas de cestas de vime, cheias de pães de todos os tipos. Os pães eram dispostos de forma até mesmo artística, com alguns deles pendurados em ganchos de metal, criando uma atmosfera de abundância e hospitalidade.
No fundo da loja, um grande forno de pedra, com uma chaminé de tijolos, era o coração da padaria. Lá, os padeiros habilidosos trabalhavam desde cedo, preparando a massa, moldando os pães e colocando-os no forno para assar.
A iluminação era suave e aconchegante, com lamparinas de cobre espalhadas por todo local, criando um ambiente acolhedor e familiar. Os clientes, muitos dos quais eram regulares, pareciam se sentir em casa, conversando com os padeiros e escolhendo seus pães favoritos. Reservei a fazer meu pedido para a Dona Lucile, enquanto cumprimentava e conversava brevemente com pessoas que chegavam no local.
— Aqui, minha querida. Esses estão no capricho exatamente do jeito que a pequena Jasmine gosta. – disse a senhora gentilmente entregando minha encomenda. Sorri para ela em agradecimento, enquanto selecionava as moedas para efetuar o pagamento. – como está, minha filha? Após tudo o que lhe aconteceu...
— Felizmente estou bem e viva. – lhe respondi tentando soar descontraída ao falar daquele assunto.
— Foi uma covardia o que houve com a senhorita. Mas graças a Deus e a rainha a justiça foi feita. – citou a mais velha.
— Sim! Agora é que vida que segue.
— Com muita saúde e proteção para você, minha querida. Tenha um bom dia e volte mais vezes. – falou solicita.
— Muito obrigada. Um bom dia para a senhora.
Me despedi da mais velha no mesmo instante em que o barulho do sino da porta se fez presente, indicando que uma nova pessoa havia adentrado ao local. Era Ally. Assim que nossos olhos se encontraram, a tensão foi palpável entre nós duas, visto que não havia a encontrado nem tampouco conversado desde o acontecimento fatídico. O encontro inesperado foi um choque para ambas.
Ally, que por sua vez, parecia nervosa e desconfortável, logo evitando o meu olhar. A casa de pães, que normalmente era um local de encontro e convívio, se tornou um lugar de tensão e desconforto. Os outros clientes nitidamente notaram a atmosfera pesada, lançando-nos olhares curiosos.
Apesar de me sentir em extremo receio decidi me aproximar, mesmo estando ciente devido suas possíveis reações. Ela deixava evidente que não estava em bons termos comigo.
— Ally... Oi.
Foi o que eu consegui dizer para a mulher que ficou uns segundos em silêncio. Eu sabia que era um tema sensível e que ambas não desejavam mexer naquela ferida.
— Lauren... estou surpresa em encontrá-la. – ela disse primeiramente. – não sabia que estava bem o suficiente para sair, pois ouvi por terceiros que havia sofrido um atentado que quase a leva para morte.
Ela não falava em um bom tom. Seu ressentimento era nítido. Os olhares permaneceram sobre nós.
— É... aqui não é um bom lugar. Eu vou aguardá-la do lado de fora. Caso queira ter uma conversa honesta comigo, estarei a postos.
Ela apenas balançou a cabeça positivamente e seguiu em direção ao balcão em busca de seu atendimento. E como prometi, a aguardei do lado de fora ansiosamente. Realmente precisávamos colocar tudo a pratos limpos.
Quando Ally finalmente saiu do estabelecimento, respirei fundo, tentando acalmar meu nervos, mas não conseguindo evitar que minhas pernas tremessem ligeiramente. Meus pensamentos estavam em um turbilhão, imaginando previamente os possíveis cenários ruins que podiam acontecer naquela conversa.
Caminhamos uma ao lado da outra para uma área mais distante daquela rua, um local pouco movimentado. Ninguém precisava ouvir as palavras quais trocaríamos.
— Eu sei o quão difícil está sendo para você, e queria muito...
— Você sabe? – ela me interrompeu bruscamente causando-me um arrepio na espinha em um nervosismo difícil de conter. – você não sabe nada, Lauren! Eu perdi o meu marido porque você afirmou que ele tentou tirar a sua vida, mas a vejo aqui em minha frente esbanjando saúde.
— Eu sinto muito... – minha voz saiu trêmula daquela vez.
— Não, você não sente! Sabe-se lá o que aconteceu para que vocês tivessem um desentendimento e Joel ter intervido por meu marido, mas Khaleb sequer teve chance de um julgamento justo. Ele foi preso e sentenciado a morte e eu não pude vê-lo antes de o perder para sempre. – a mulher ali a minha frente já encontrava-se com o rosto banhado em lágrimas, e realmente me partia o coração porque ela também era uma vítima ali.
— Eu digo que sinto muito, mas é pela situação e não por ele. –
tentei de maneira falha encontrar as palavras certas para dizer, o que não funcionou, visto que por dentro eu ainda era puro rancor. A minha fala a fez negar com cabeça e se preparar para partir, mas eu a impedi entrando em seu caminho. – espere. Eu não sei o que lhe falar, eu não tenho permissão para falar sobre isso.
— Sobre o que, Lauren? – ela questionou em uma aparente irritação. Sua impaciência deixava-me ainda mais nervosa.
— Sobre o que realmente aconteceu, Ally. A rainha me teceu a ordem de ficar em silêncio para evitar mais estardalhaços. Ela não quer um escândalo vindo à tona.
— Do que está falando? – ela aparentava estar tentando superar sua ansiedade assim como eu.
— Que Khaleb foi sentenciado por outros motivos. Os que vieram a público foi para proteger minha honra e evitar um motim contra a rainha. – confessei dando indícios de que havia bem mais ali, mesmo não podendo lhe falar nada. A rainha me proibiu.
Mas eu não podia lhe esconder a verdade.
— Então me diga de uma vez por todas. Mas nada irá mudar, saiba disso. Khaleb está morto. O caos já foi instalado. – ela falou em certeza.
Engoli em seco e tentei falar, mas as palavras não saíam. Eu sentia como se estivesse com um nó na garganta, como se não conseguisse respirar naquele momento. Ally aparentou notar meu nervosismo e se inclinou um pouco para frente, com um olhar preocupado. Ela realmente era uma boa pessoa, não tinha como negar. Mas estava magoada por sua perca.
Respirei fundo e novamente tentei, com a certeza de que ela mais do que ninguém precisava estar a par daquela verdade. Ally me fitou atenta, como se estivesse se preparando para ouvir algo importante, mas que por minhas reações, definitivamente a deixaria impactada.
— Ally, você terá que ser forte sobre o que irá ouvir. – ela me observou atentamente em uma ansiedade para saber o que eu iria falar. Ponderei, e engoli em seco antes de falar: – Khaleb e Joel foram sentenciados à morte... porquê tentaram me estuprar.
A mulher me fitou como se o chão tivesse sido puxado debaixo de seus pés. Foi como se seu corpo estivesse sendo levado por uma força invisível ao se mover e sentar-se sobre o banco de pedras coberto pela neve ali, como se fosse sugada por um vórtice.
Meu estômago estava revirado, minha cabeça estava girando, como se estivesse em um carrossel que não parava. Nós parecíamos estar sentindo a mesma sensação ruim na mesma sincronia, aquela sensação de que estava sendo despedaçada por dentro.
— Não... – ela falou num sussurro, sua voz aparentava que iria sumir a qualquer momento, tamanho foi o baque qual tinha recebido. – Khaleb jamais cometeria algo hediondo nesse nível. – a mulher se encontrava em total negação, o que já era aguardado por mim.
Aqueles fatos não eram assim tão fáceis de serem digeridos.
Me aproximei com cautela, me agachando a sua frente, puxando o ar com certa dificuldade. Gostaria de ter me preparado melhor para aquele momento tão doloroso.
— Eu não estou mentindo. – comecei falando para a loira a minha frente, essa que estava com o olhar perdido em qualquer ponto ali. – Me dói dizer isso, porque eu sei que dói para você também. Mas a rainha juntamente com Kitae, me encontrou completamente sem roupas, amordaçada nos fundos do castelo. Eles tentaram me matar por minha relutância em ser violada da maneira mais covarde, por eu lutar firmemente...
Obviamente não falaria os reais motivos para a violência no final das contas, mas não iria lhe ocultar da verdade propriamente dita. Eu não podia deixá-la me odiar quando ela deveria odiar aquele homem com quem ela compartilhou a vida. Ela precisava e iria saber a verdade.
— Não... meu Deus. – sua voz saiu totalmente falha.
Seu rosto estava tenso, com as sobrancelhas franzidas e os lábios apertados, e seu corpo tremia, definitivamente não era por conta do frio ali.
— Foi por isso que rainha Karla ditou para os seus súditos que o aconteceu foi um crime de violência, deixando oculto os verdadeiros fatos. Eu realmente sinto muito por tudo isso. – falei com pesar. Não era fácil lidar com aqueles fatos.
De repente, percebi que Ally começou a tremer ainda mais. Seu corpo inteiro estava se sacudindo, como se estivesse consumido por uma emoção intensa. Seu olhos começaram a brilhar, e lágrimas começaram a se formar nas bordas. A primeira lágrima caiu, seguida por outra, e outra. Ela começou a soluçar, com o corpo inteiro se sacudindo.
Ela chorava descontroladamente, como se estivesse liberando todas as emoções reprimidas de uma vez só. A cena de grande tristeza e vulnerabilidade deixou-me desolada. Ver a mulher naquele estado fez meu coração doer. Mesmo com certo receio, me aproximei ao sentar-me ali ao seu lado, coloquei a mão em seu ombro, puxando-a para perto. Eu não disse nada, apenas fiquei ali, segurando Ally enquanto ela chorava. Deixei que ela se desse conta de estava ali para apoiá-la, para ouvi-la e para confortá-la.
Ally, que aparentemente se deu conta de meu apoio, começou a se acalmar. Ela levantou o rosto enquanto se afastava do abraço lentamente, enxugou as lágrimas com as mãos e me olhou nos olhos.
— Eu sinto muito... estou sem palavras. Me sinto envergonhada, por tudo. – disse a mulher tentando segurar um novo choro que parecia querer vir.
— Você não tem culpa de nada, Ally. Você é tão vítima quanto eu dentre isso.
— Eu o defendi. Eu odiei você sem saber que havia sofrido essa atrocidade. Como Khaleb foi capaz? Meu Deus! – daquela vez sua emoção traduzia-se em uma revolta palpável.
— Sei o inferno que está sua cabeça agora. Mas precisa ouvir a verdade, que talvez sempre estivesse na sua face e na minha. – comentei com ar de pesar. – eu o considerava como um amigo. Mas ele quem me levou para um emboscada, ele arquitetou todo um plano. Ele não gostava de mim, na verdade me odiava.
— Meu Deus... Lauren... eu não sei mais o que pensar. Ele sempre falou boas sobre você, principalmente o quão admirava sua beleza. – negou com a cabeça e pôs as mãos sobre seu rosto. – Senhor! Que pesadelo.
— Deve ser por isso que ele disse que iria destruir meu rosto. – sorri totalmente sarcástica sem resistir relembrando contra gosto o quão Khaleb focou seus socos diretamente em meu rosto. Eu me recordava claramente o tanto que ele queria naquele momento moldar minha fisionomia com sua agressão animalesca.
Ally ali ao meu lado estava em prantos novamente. Eu falava coisas sem pensar, mas estava magoada demais para conseguir me conter. Eu a convenci a sairmos dali, daquele frio, por isso a instruí a caminhar comigo até minha casa, qual ficava por perto. Ela precisava se recompor, tanto quanto precisava se sentir acolhida.
Em minha casa, nos reservamos por certo tempo cuidar de Ally. A mulher estava sem chão e não era pra menos. Ela precisava entender que apesar de ser um grande tormento, havia tido um livramento com a morte daquele homem. Haviam males que vinham para o bem, como assim dizia o ditado.
[...]
O dia qual retornei ao castelo fora um tanto esquisito. Fui designada a cumprir certas tarefas, uma das quais eu deveria fazer um caminho pelos fundos do palácio, local qual me trouxe um aperto no peito. Dias atrás estava ali ciente de que não sairia com vida. Balancei a cabeça negativamente a fim de me esquecer de um fato tão sórdido como aquele. Naquele dia não tive nenhum momento a sós com Karla. Na verdade foi muito pelo contrário, visto o seu dia dotado de ocupações. Fiquei sabendo por terceiros que no decorrer daqueles dias, ela faria alguns julgamentos, o que lhe tomaria muito tempo de seu dia.
Algo me era estranho ali, pois eu era sua serva pessoal, mas quem ela estava exigindo a presença era Amice. Eu não tinha direitos em lhe questionar sobre, tampouco ousaria, mas era intrigante demais.
Eu não a compreendia.
No dia seguinte, cheguei no palácio disposta a conversar com ela. Eu precisava de um momento mesmo sabendo que sua agenda não caberia um tempo comigo. Eu só não poderia arriscar de que ela desconfiasse de que Ally estava ciente sobre os verdadeiros acontecimentos, visto a possibilidade de Ally tentar confirmar os fatos com própria alteza, e com toda certeza eu seria colocada em uma situação difícil de resolver. Não queria quebrar o pouco de confiança qual já havia conquistado. Karla outrora me instruiu, na verdade ela me fez fazer um juramento de que tudo se manteria em sigilo, mas eu havia o quebrado e eu mesmo precisaria informá-la, para que ela soubesse de meus motivos apesar de não aguardar por sua compreensão.
Me desvencilhei de minhas atividades e me direcionei a sala do trono. Mesmo no corredor era possível ver alguns rostos ali conhecidos aguardando por uma audiência com a soberana, quais cumprimentei rapidamente, me aproximando da porta onde avistei Kitae.
— Lauren, o que faz aqui? – ele questionou um tanto confuso.
— Kitae, preciso que me ajude. Preciso realmente conversar com a rainha. – falei em baixo tom para não ser ouvida pelos demais ali, e não soube fazer rodeios, porque eu precisava daquilo.
— Não, Lauren. Não é hora para isso. A rainha encontra-se a tratar de julgamentos quais não podem ser interrompidos. – ele negou prontamente, mas eu sabia ser insistente quando queria.
— É urgente. Ela precisa ter conhecimento de certas situações e eu não estou conseguindo ter um momento devido a essas ocupações quais ela se encontra. Então, por favor, ajude-me. – praticamente implorei ali a sua frente e observei sua expressão vacilar, indicando que ele cederia.
— Tudo bem. Irei ajudá-la, mas por favor não me coloque em maus lençóis. Posso ser punido pois não posso fazer isso.
— Muito obrigada, Kitae. – quis dar-lhe um abraço em euforia por ele se disponibilizar a me ajudar naquela questão, mas me contive.
— Aguarde aqui. Quando o julgamento qual ela está findar, você será a próxima. Mas seja rápida. – ele informou.
Aguardei por longos minutos, que mais pareciam uma eternidade, até que as pessoas que estavam naquele cômodo saíram, e Kitae me deu abertura para que eu pudesse entrar ali, mesmo sob os protestos dos que estavam lá fora aguardando numa espécie de fila.
Assim que adentrei o local, me deparei com alguns de seus guardas espalhados pelas extremidades do lugar. Era óbvio que ela não ficaria sozinha com outras pessoas sem prezar por sua integridade. A sala do trono era um espaço majestoso, projetado para refletir a poderosa autoridade da rainha. As paredes eram revestidas com painéis de madeira escura e polida, com quadros de antigos monarcas. Havia também uma série de tapeçarias luxuosas, que contavam histórias de batalhas e conquistas da rainha e de seus antepassados.
As janelas eram altas e estreitas, com vitrais coloridos que filtravam a luz do sol e criavam um efeito de cores vibrantes no chão, esse que era coberto por um tapete vermelho, que levava caminho até ela.
Na ponta da sala, sobre um pedestal de mármore branco, estava o seu trono, que era completamente feito de ouro e um assento de veludo vermelho, onde ela estava acomodada.
Estava tão habituada a ver Karla corriqueiramente trajando roupas de seu dia a dia - que também exalavam pura elegância - que não deixei de me surpreender ao vê-la daquela maneira. Era centenas de vezes mais elegante. Ela usava a coroa, objeto qual só fazia uso em eventos de importância.
Karla naquele dia estava vestida com um traje majestoso e luxuoso, que refletia sua posição de poder e autoridade. Seu vestido era de seda branca e dourada, com um corpete justo e uma saia longa e ampla que caía até o chão. O vestido estava adornado com intrincados detalhes em ouro e prata, que brilhavam á luz das velas e dos candelabros. Um colar de pérolas e diamantes, pendia de seu pescoço harmonicamente.
Seu cabelo estava preso em um coque alto e elegante, e estava adornado com sua coroa de ouro branco cravejada de pedras precisosas. E diga-se de passagem, a coroa era uma obra-prima de ourivesaria, uma beleza que era quase hipnótica.
Ela também usava luvas de seda branca, que chegavam até seus cotovelos e eram enfeitadas com pequenos diamantes e pérolas. O seu traje completo em si era uma verdadeira obra de arte, o conjunto era uma declaração de sua riqueza e poder.
A mulher estava vestida para impressionar, tanto que a medida que me aproximava, meu coração se pôs em completo descompasso ao estar diante de sua figura tão imponente. Quando ela me fitou seus lábios demarcados pelo batom vermelho se apertaram um contra o outro, demonstrando uma faceta de interrogação ao me ver ali.
— O que significa isso? – ela prontamente indagou o motivo de minha intromissão de seus compromissos.
— Eu realmente preciso falar com a senhora. – após me curvar, expliquei rapidamente antes que ela pudesse declinar a escutar o que eu tinha para dizer.
— Não enxerga que estou em extrema ocupação?
— É que eu tenho algo a confessar.
Ela silenciou o olhar no meu e aparentou ponderar firmemente.
— Estou ouvindo. – Karla cedeu. Demonstrava-se curiosa.
— Acabei por quebrar o protocolo que me impôs sobre aquele determinado assunto. – não me fiz de rogada em ir diretamente ao que interessava ali. Ela precisava saber.
— Como? – questionou quase de sobressalto como se não acreditasse no que ouvia.
— É... eu precisei abrir o jogo para Ally, mas sem entrar em detalhes sobre aquilo... mas ela está ciente do crime de Khaleb. – daquela vez minha fala veio em sussurro. Não era de minha vontade que aquela conversa fosse ouvida pelos seus seguranças que mantinham-se afastados nos cantos daquela grande sala.
— Só um momento. – ela fez uma pausa refletindo por um segundo sobre o que havia lhe dito. – Você ousou a quebrar a lei do sigilo que sua soberana a designou, é isso? – seu tom foi ríspido, mas em total sussurro para apenas eu escutasse.
— Eu precisei. Ally é minha amiga, era esposa de Khaleb. Ela não podia ficar isenta da verdade. – minha explicação veio rápida.
— Por que simplesmente não foi a praça pública destilar suas verdades a toda Iffihen? – seu sarcasmo veio em tom de revide. – Francamente, senhorita Jauregui! Saiba pelo menos uma vez na vida manter a língua dentro da boca.
— Me perdoe. Mas eu não podia deixar Ally me odiar nem tampouco poderia esconder que o homem que estava casada era um crápula. Ela se iludiu com a faceta de bom moço daquele desgraçado. Eu não iria lhe privar disso. Então, me perdoe por não ter seguido sua lei.
— Minha palavra é lei, e minha lei é inquebrável. Não pode simplesmente passar por cima disso quando bem entender. – ela impôs duramente, fazendo-me ficar retraída mesmo à frente de seus sermões em meio de sussurros.
— Estou ciente. – concordei.
— Preste muita atenção, Senhorita Jauregui. – a seriedade de sua postura e rispidez em seu tom deixou-me em total alerta. – chega disso! Chega de confundir o meu lado pessoal com minha posição hierárquica. Eu não vou mais admitir que abuse de seus deslizes por cogitar ter vantagem em comparação aos outros súditos. Quando eu imponho uma lei, ela deve ser seguida com afinco. Deve ser respeitada porquê a minha coroa excede a tudo.
Permanecia estacada no mesmo lugar com os olhos fixos na figura a minha frente. A mulher estava imponente, com um olhar frio e ameaçador. Eu estava completamente imóvel, com o corpo tenso e os músculos rigidificados. Engoli em seco sem saber como agir. O temor que senti ali foi em comparação ao dia em que nos conhecemos, em que cometi o erro em não me curvar para ela.
— Eu sinto muito... – foi o que consegui dizer.
Senti meu coração bater mais forte e meu estômago começou a se revirar. Eu realmente estava aterrorizada, e não sabia o que fazer.
Ela queria e obviamente iria impor sua autoridade ali.
— Não me importa saber se você sente alguma coisa. O que importa é que deve seguir as imposições decretadas por minha coroa! – daquela vez ela alterou seu tom de voz em alto e bom som, tampouco se importando se pessoas podiam ouvir seus esbravejos, ela somente proferia tudo aquilo sem preocupações. – entenda de uma vez por todas, que assim como a todos os outros, a farei de minha criada e de mim tú farás sua rainha!
— Me perdoe. Eu agi errado. Peço que considere, senhora. – tentei amenizar toda aquela situação.
Eu realmente me sentia uma idiota por sempre me enfiar naquelas presepadas.
— Soberana. – corrigiu rispidamente.
— Soberana. – repeti.
Observei o olhar da rainha ir por cima de meu ombro, para além atrás, que não resisti em mover a cabeça para sanar minha curiosidade, foi quando avistei a figura de Padre Eliott em passos dificultosos mas apressados em nossa direção. O velho parecia irritado, trajando sua longa batina preta, tateando os dedos na cruz de prata que carregava em seu pescoço.
— Eu sabia que essa menina insolente havia vindo incomoda-la, soberana. Eu mesmo resolvo de uma vez por todas as audácias dessa jovem desmiolada! – o mais velho chegou sem receios, apontando o dedo para mim em completa irritação.
Aquele velho estava caducando, só pode! Simplesmente havia pegado uma marcação cerrada em minha pessoa.
Karla olhou para frente com uma expressão séria e rígida. Seu rosto estava pálido e sem expressão, seus olhos pareciam gelo. Ela havia detestado aquelas intromissões e ficou nítido ali.
— A sala de meu trono se tornou um prostíbulo e eu não fui informada? – questionou ela, com uma voz firme e autoritária.
Eu realmente me segurei para não rir. Insinuar que eu era uma puta tudo bem, agora ela o fazer com o padre ali diante a mim e seus seguranças realmente foi o auge de toda minha vida.
— Como, majestade? – o senhor indagou colocando a mão sobre seu peito totalmente ofendido por ter sido chamado de puta.
Novamente me segurei para não gargalhar ali mesmo.
— Como conseguem ousar em serem tão petulantes? Estou em meio a audiências! Não estão em suas casas para entrarem e fazerem o que bem querem. – seu rosto não mostrava nenhum sinal de emoção ou compaixão, apenas uma determinação rígida e inflexível.
— Minha alteza, é tudo culpa desta menina. Eu apenas tentei...
— Cale sua boca e não interrompa a voz de sua soberana, seu velho desaforado! – ela elevou ainda mais seu tom deixando aquele homem ali totalmente acuado. Era incrível vê-la daquela maneira, impondo sua autoridade, quando ninguém podia dizer nada do contrário. Eu gostava de presenciar ela daquela maneira, quando os sermões não eram comigo, claro. – eu não pedi que intercedesse por mim. Não é um de meus guardas, então apenas faça o seu dever de padre. E agora suma de minha frente antes de minha paciência se esvair totalmente ou eu ordeno que lhe arranque essa sua cabeça de vento.
— Sim, minha rainha. – disse o padre completamente desconcertado curvando-se diante a ela e logo se preparando para sair dali.
— E que fique claro para todos aqui. – ela falou ainda mais alto para que todos ali a escutasse. – todos estão sobre essas terras para ouvir minhas palavras e seguir minhas ordens. Quando eu falo que não quero ser interrompida, não é uma sugestão. Minha palavra é lei, e vocês devem obedecer. Aqui não há mais espaço para erros ou falhas, devem cumprir minhas ordens com precisão e eficiência.
A rainha falava com uma rigidez que era quase palpável. Sua fala terminou e ela fitou a todos com uma expressão de expectativa, como se estivesse esperando que concordassem com ela sem questionar, e assim todos ali o fizemos. Quem seria tão tolo, afinal?
— Agora suma de minha frente e aprenda de uma vez por todas a prostrar-se diante minhas palavras. Tudo o que eu digo é uma diretriz a ser seguida por meus súditos, porque meu poder não é um previlégio, é uma responsabilidade. – disse a possivelmente pequena apoiadora de Donald Trump da baixa idade média.
Balancei a cabeça positivamente pronta também para dar meia volta e partir. Mas tinha algo dentro de mim que me fazia agir de maneiras improprias sem o meu controle total. Era automático e não sabia explicar, por vezes me pegava na consciência somente após já ter feito determinada ação. E daquela vez foi ter revirado os olhos sem me conter enquanto girava o corpo para ir.
Me arrependi amargamente por não conter meus impulsos e estava torcendo com todas as forças para que ela não tivesse percebido.
Mas ela percebeu.
— Revirou os olhos para mim? – a mulher praticamente gritou raivosa.
Quanto afronte. Como eu era burra. Porra!
Mesmo de costas para ela meus olhos se arregalaram e minha respiração ficou rápida e superficial. Eu não via como me libertar daquela situação terrível em que me encontrava, a não ser a fingir.
— Eu? – me virei de frente para ela novamente demonstrando fingidamente uma reação super ofendida.
Daquela vez ela estava de pé e seus guardas haviam se aproximado como se naquele momento eu fosse uma ameaça, e ela não ordenou que se afastassem como se confirmasse aquilo para aqueles homens.
Porra, estou fodida.
— A senhorita irá ter a pachorra de negar esse afronte desmedido? – Karla se aproximou me fuzilando com seus olhos cheios de ira.
Senti aperto forte em meus braços e olhei aterrorizada para os guardas que o faziam. Realmente entrei em desespero pois ali eu via que a rainha seria capaz de tudo sem ver a quem.
Era inegável o quão irritada ela estava.
— Eu juro que não fiz isso. Eu juro. – falei rapidamente tentando me sair daquela situação.
— Francamente... – ela balançou a cabeça negativamente e passou longos segundos a fim de me encarar os olhos, mas os meus estavam desviados por estarem temerosos e envergonhados. Percebi ela acenar cautelosamente com cabeça, o que foi o suficiente para seus guardas compreenderem a ordem para me soltar. – Saia de minhas vistas.
Eu não contei muita conversa, apenas acenei repetidamente e apressei os passos para fora daquele lugar, conseguindo soltar o ar preso em meus pulmões somente quando estava longe o suficiente. Refleti sobre haver algo muito errado comigo, porque simplesmente eu não conseguia controlar meus impulsos diante a situação que requeria seriedade. Por vezes tais comportamentos indevidos me colocavam em saias justas nos tempos no qual eu atuava como cientista. Mas, daquela vez era diferente, eu não podia me dar ao luxo de cometer erros, como a soberana mesmo citou em alto e bom som.
Talvez minha condição de ter um supercrânio estivesse afetando minha mente como era previsto e eu não havia me dado conta ainda.
Refleti seriamente sobre a possibilidade.
[...]
No dia seguinte, o castelo estava novamente movimentado pela aquela manhã. Servos de um lado para o outro tentando cumprir prazos e atender expectativas. Minha relação com Ally ainda permanecia estranha, mas daquela vez em novos termos. Ela demonstrava-se estar envergonhada sempre que estava a minha presença. A observei de longe, seu rosto estava tenso, com olheiras profundas indicando que suas noites não estavam se resumindo em descanso. Não quis pressiona-la, deixaria com que as coisas fluíssem como deveriam. Ela entenderia que não precisava se sentir culpada por algo onde ela também era uma vítima.
Naquela tarde, estava caminhando pelos corredores do palácio, perdida em meus pensamentos, quando vi uma silhueta conhecida virar no corredor à direita, claramente indo em direção à biblioteca. Fiz o mesmo caminho que ela, adentrando o local pouco depois.
Nossos olhares instantaneamente se cruzaram entrelaçando numa sintonia claramente harmoniosa produzindo uma inexplicável impressão em todos os maravilhosos segundos que se esvaiam.
— Está me seguindo? – ela fez o questionamento enquanto afastou-se comigo ao seu encalço para se aproximar e sentar a uma das mesas ali e eu permanecer em pé sentindo que não deveria acompanhá-la no ato.
— A vi adentrar aqui, quis cumprimenta-la. – comentei não tanto como uma verdade. – não há mais julgamentos? – não soube esconder a curiosidade.
— Agora eu devo lhe tecer satisfações? – ela realmente não aparentava estar sendo irônica.
— Não. Claro que não. – respondi desconcertada.
— Então deve se retirar. Não solicitei seus serviços, e quando o fizer estará ciente. – disse ela puxando um dos livros que estavam sobre a mesa com a intenção em começar sua leitura.
— Tudo bem. – um pouco inconformada acenei positivamente e me preparei internamente para sair, mas permaneci estacada no mesmo lugar com ela me olhando com uma cara de interrogação. – antes de ir, eu realmente gostaria de saber o que está acontecendo.
— Como? – daquela vez ela realmente aparentava estar alheia sobre o que eu falava.
— Acho que mereço um esclarecimento sobre meu cargo. Não sou mais sua serva pessoal? – não contive minha indiscrição.
— Eu não me recordo em tê-la mudado de posto. Por que me faz tal questionamento?
— Porque... porque é Amice quem a senhora está solicitando a presença. Então eu não consigo entender qual está sendo minha serventia em ainda ser chamada de sua serva pessoal. – desabafei sinceramente.
— Ora, porque permanece sendo! Amice está auxiliando em minha higiene, apenas isso. Espero que suas dúvidas tenham sido sanadas. Não sou mulher para ser questionada. – ela alertou por fim.
— Eu fiz algo de errado para não querer mais que seja a mim? – fiz um novo questionamento ignorando totalmente seu sermão.
Karla remexeu-se desconfortável na cadeira e pôs o livro a frente de seu rosto como se indicasse que daria início em seu leitura. Achei que ela não me responderia, mas ela respondeu em baixo tom:
— Não será mais parte de seu trabalho estar presente durante minha higiene. – ponderei a seu declínio sobre minha presença naqueles momentos qual eu já estava habituada, mas antes de qualquer conclusão ela esclareceu: – é impróprio que me veja despida.
— Ah...
Foi o que eu consegui expressar a aquilo. Realmente eu quis sorrir, mas me contive. Aquilo respondia a todas interrogações presentes em minha mente. Nós compartilhamos de momentos muito íntimos, e com toda certeza ela não mais via com os mesmos olhos a situação em estar desnuda diante a mim. À realidade agora era em roupagens distintas de outrora.
Sua fala me fez relembrar aquela noite em que estávamos no ápice da loucura de nossos corpos, e pela maneira que ela escondia o rosto atrás daquele livro me fez cogitar que ela compartilhava da mesma lembrança.
Meu atrevimento em puxar uma cadeira e sentar-me frente a ela diante aquela mesa a fez baixar o livro no intuito de me questionar. Percebi seu rosto um tanto ruborizado, e aquilo de alguma maneira me fez ficar sem jeito tanto quanto a ela.
— O que está fazendo? – ela voltou sua atenção a mim.
— Companhia. Posso?
Daquela vez ela nada respondeu, seu silêncio foi o consentimento para que eu permanecesse onde estava, o que me fez vibrar por dentro por ter um momento a sós consigo depois de tantos dias.
Ela novamente ergueu o livro, mas não cobrindo seu rosto de minha visão daquela vez e ficou imersa em sua própria concentração. Me senti inquieta pois almejava adentrar parcialmente no assunto qual outrora eu havia lhe falado que era meu desejo. Era de minha vontade livrar-me de minhas inverdades, que ela enxergasse quem eu era de fato, e por isso, criei coragem para dar início naquela virada de chave que certamente mudaria em aspectos a vida de ambas.
— Eu... – comecei balbuciando a fim de lhe tomar a atenção novamente, e assim que ela direcionou o olhar, eu prossegui. – eu gostaria de que me cedesse um momento para que pudéssemos conversar sobre mim, como antes lhe disse que estava disposta a fazer.
— Eu já disse, Jauregui. Não me importa saber de nada. Sinceramente, não quero ouvir. – ela foi firme em suas palavras.
Dias atrás quando novamente lhe joguei a sugestão, ela me deu a resposta de que eu deveria conversar com Zoey. Sabia de sua inverdade naquela sua fachada de sinceridade, num todo suas respostas e negações não se resumiram a aquilo.
— Eu realmente achei que tinha interesse... – eu não a entendia. Tempos atrás dedicou-se a investigar sobre minha vida, e agora eu estava ali disposta a dizer tudo o que ela queria saber de bom grado, mas ela declinou totalmente.
Não dava para compreender suas contradições.
— Já indiquei e torno a dizer. Converse com sua amiga.
Ah, era aquilo? Ela estava agindo daquela forma ainda devido ao incidente qual havia presenciado?
— O que foi, Karla? Está estranha desde aquele dia em que me flagrou em uma brincadeira inocente com Zoey. – fiz questão de voltar aos acontecimentos daquele dia. Algo precisava ser esclarecido ali.
Karla fitou-me desgostosa e praticamente largou o livro de qualquer forma em cima da mesa.
— Você "brinca" ficando por cima de suas amigas agora? – ela proferiu aquelas palavras como se seu desejo interior fosse voar no meu pescoço ali mesmo por eu estar me fazendo de desentendida sobre aquela parte.
— Não se trata de nada disso que está pensando. – tentei deixar aquilo claro.
— Oh, não. Sequer dar o respeito necessário ao ambiente em que tivemos intimidades. – ela disse sem restrição nenhuma como se não tivesse pensado bem antes de falar, e logo pareceu se arrepender de ter o feito no impulso.
— Zoey é apenas uma amiga. Não tenho interesses nela. – expliquei cuidadosamente. Ela precisava entender que eu queria somente a ela, ninguém além.
Eu realmente não falaria que já havia me envolvido com Zoey outrora, ela não precisava saber, num todo não lhe dizia respeito. E também, não era de meu desejo piorar aquela situação que parecia estar por um fio.
— Não me importa saber disso. – mencionou rispidamente.
— Se não importasse não estaria irritada agora. – não me pude me conter ao lhe jogar aquilo.
— Sinceramente, tanto faz. Se eu não cumpri com o que você queria, ela cumpre. – seu tom de voz era um misto de ferocidade e deboche.
Ela se referia sobre as particularidades quais naquele dia não concluímos.
— Agora pronto. – revirei os olhos sem me conter. Me recostei no encosto da cadeira respirando fundo.
Agora ela iria longe naquilo, assim como quase não esquece quando Jasmine a contou que a chamei de velha ranzinza.
— Você quem jogou a insignificância desse assunto aqui quando não quero saber de suas depravações. – seu tom áspero deixava explícito seu desagrado.
— Eu venho aqui a me dispor com toda vontade do mundo tentar ter um tempo e ficar bem com você, para no final você me chamar de depravada? – ri para mim mesmo em completo deboche. Era inacreditável. – sinto que meu nome está prestes a ser mudado para "Puta Jauregui".
Ela não ignorou minha audácia.
— Seu problema é sempre tentar me desafiar com essas ousadias. Eu sou uma mulher recatada e decente, mas tenho total certeza que iria preferir que eu fosse uma libertina e completamente despudorada, não é?
— Depende da situação. – lhe dei um sorriso completamente sugestivo. Na realidade eu não estava falando sério, visto que o seu jeito imaculado era o que mais me atraía a si.
Ela definitivamente não esperava por minha confirmação tão descabida, soube disso quando quase dei de cara no chão ao rapidamente desviar a tempo porque ela me tacou um livreto que estava disposto a mesa com toda força. Ela realmente queria me acertar com aquele objeto. Fiquei embasbacada.
— Espere, estou brincando com você. – me ajeitei novamente na cadeira sem conter o riso, logo levantando as mãos em rendição. – vamos esquecer esses assuntos sem importância, não irá nos levar a nada. O que eu quero é poder me livrar desses fardos de te esconder sobre minhas verdades e sinto que deva saber tudo o que tenho a dizer.
— Novamente, irei me negar. Respeite isso, de uma vez todas! – tornou a negar-se.
— A verdade aqui é que você tem medo do que eu tenho a falar... – comentei em certeza, ficando extremamente pensativa.
Tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas, mas eu tinha total convicção.
— Medo é um sentimento qual eu não tenho afinidade. Basta a você entender que não estou aberta a seus discursos. Já sei o suficiente sobre a senhorita, e se tem algo a mais a me dizer, eu declino totalmente. Não quero sequer imaginar os absurdos que poderiam sair de sua boca.
Sua fala dura me acertou em cheio, pois estava nítido que ela não cederia tão facilmente. Mas eu já havia tomado a decisão de não voltar atrás. Eu estava exposta e suscetível demais a ela. Eu não iria regredir por mais que seus ouvidos não suportassem minhas verdades.
Ela voltou sua atenção impaciente para as páginas do livro que voltou para suas mãos, daquela vez chamando-me atenção ao título, qual eu tanto me recordava com veemência. Aquele em especifico qual ela havia escolhido, ironicamente trazia-me uma grande nostalgia.
Ao vê-la dobrar mais uma página, eu já não estava tão amuada. Sua leitura era despretensiosa, mas ela sabia que eu estava observando a si e ao objeto constantemente.
— Pelo visto agradou-se da arte da capa desse livro, não é? – ela perguntou em uma nítida curiosidade.
— Sim. Do conteúdo num todo.
Ela silenciou o olhar a mim com uma faceta ainda mais curiosa e intrigada com minha fala. Meu coração disparou no mesmo segundo, pois tinha total certeza de que minha vida se transformaria a partir dali.
Eu não regressaria em minha decisão.
— Do conteúdo num todo? – ela repetiu como se não tivesse clareza o suficiente.
Fiquei em silêncio por breves segundos. Tive receios, não poderia negar, mas em contrapartida estava disposta a me mostrar sem me limitar como há tempos eu o fazia para todos à minha volta. Minha real vontade era poder colocar certos pensamentos e palavras para fora sem deter de olhares julgadores.
Ela aguardava por uma resposta assertiva, e com isso eu respirei fundo, preparando-me internamente para mudar tudo ali entre nós. Endireitei os ombros, alinhando a postura e projetando confiança. Eu não era uma mulher modesta em certos âmbitos, por isso meu queixo se levantou ligeiramente ao fita-la e começar minhas palavras.
— "Sobre o modo de aprender" é um retrato perfeito da educação. – comentei observando seu rosto mostrar-se extremamente surpreso por ela não ter sequer citado o título daquele livro. Mas mesmo diante a tanto espanto, prossegui sem querer voltar atrás. – Ele é a terceira parte de uma obra mais ampla, o "Rudimentum doctrinae", a primeira tentativa sólida de compor uma enciclopédia pedagógica que abarcasse, sistematicamente, toda a teoria da educação. O autor, Gilberto, descreveu técnicas de estudo e traçou um plano de trabalho inteiramente voltados para o seu elevado ideal de aperfeiçoamento espiritual e impregnados do anseio de alcançar, através do estudo, a meta final de união com o próprio Deus. Apesar de meu interesse vir somente de suas teorias didáticas e não de suas questões religiosas.
Sorri meio sem jeito pela forma qual ela me fitava ao ouvir um resumo tão detalhado do livro qual ela portava em mãos.
— Como... como sabe dessas informações? – ela quase gaguejou mostrando-se exasperada a minha frente.
— Estou tentando fazer-lhe o mais dócil dos convites a se dispor a um momento comigo para sanar suas dúvidas. – refresquei sua memória ignorando o fato dela estar ali embasbacada a minha frente.
— Eu exijo uma explicação plausível. – ela realmente ordenou. – É impossível um plebeu ter acesso a tais privilégios. Não é filha de grandes senhores e pelo o que pude abstrair da senhorita, não é adepta a igreja católica, sendo que essa é a principal responsável por disseminar o conhecimento.
— Eu falei outrora, Karla. Eu não quero mais mentir sobre minha vida para você. Nós precisamos dessa conversa onde o que está oculto virá à tona. Se você deseja ter consciência total sobre quem eu sou, se abrirá para esse diálogo.
— Tudo bem. Então comece, fale as verdades que precisam serem ditas. Sou toda ouvidos. – disse ela largando o livro qual antes detinha em suas mãos, ajeitando sua postura no assento, olhando-me com toda atenção.
— Agora? Não. – neguei prontamente. Aquele realmente não era o momento ideal. – Não pode ser hoje.
— E o que implica? – questionou em uma impaciência palpável.
— Porque não é algo tão simples como apenas saber ler e escrever, por exemplo. – minha naturalidade em ditar aquelas palavras a fazia ficar ainda mais espantada.
— Simples? O ensino é responsabilidade da igreja, que dissemina o conhecimento através das escolas anexas as catedrais e aos mosteiros. O ensino é ligado ao clero e ás igrejas. A senhorita até onde eu sei sobre, é apenas uma plebeia que veio dos interiores de meu reino, sem possibilidade alguma de deter de conhecimentos tão poderosos. Então eu exijo saber de uma vez por todas como fez isso. Como resumiu tão detalhadamente uma obra que nem mesmo aqueles que tem acesso a mesma conseguem o fazer em questão de segundos?
— Eu li?! – questionei retoricamente esboçando uma expressão do que era óbvio, mas ela se recusava a acreditar. Eu sabia que não era assim não fácil para ela. Eu era uma grande incógnita ali a sua frente.
— Como? Vamos me explique como faz. – era nítido o quão disposta ela estava em me testar. Obviamente se eu estivesse trapaceando de alguma maneira, seria pega naquele momento.
Mas num todo eu estava me divertindo com toda aquela sua aparente confusão, sem saber o que pensar sobre mim naquele instante. Uma coisa que alguém no mundo jamais poderia questionar, era minha capacidade naquele âmbito qual eu dominava eximiamente.
— Tudo bem. – levantei as mãos como uma rendição, sorrindo um tanto sarcástica em relação a seus testes que para mim eram infundados e a faria enxergar. – O processo começa quando os olhos capturam as palavras ou símbolos escritos. Após o reconhecimento visual, o cérebro decodifica as palavras, transformando-as em sons ou fonemas. O cérebro processa essas informações visuais para reconhecer as letras e as palavras. Essa etapa é crucial para a leitura, pois permite...
— Basta! – Karla elevou a mão me interrompendo bruscamente. Ela era uma mulher de extremo conhecimento, sabia que tudo o que eu estava falando era verídico, que não precisava ir mais além para tentar provar alguma coisa. – vamos, me diga o porquê não iniciar suas confissões nesse momento.
— Para que você acredite em mim, eu preciso mostra-la certas coisas que provam que minhas palavras são verdadeiras. – expliquei cuidadosamente.
— Que coisas? – ela demonstrava-se ansiosa.
— Só poderá saber e ver quando se disponibilizar. – informei não um tanto justa, pois sabia que sua curiosidade estava a mil, em vista das informações quais já estava ciente naquele momento.
— Vou considerar. – ela cedeu. – Amanhã a noite é um bom prazo para a senhorita?
— É perfeito! – sorri sentindo-me completamente ansiosa por aquele momento. – ficará ainda mais surpresa com tudo isso.
— Já estou estarrecida o suficiente com o fato da senhorita ter conhecimento didático. Não me entra na cabeça...
— Sejamos francas, apesar das aparências e eu tentar com veemência esconder, é um pouco nítido se observar bem que eu sou um pouco mais do que demonstro.
— Sinceramente minha cabeça está doendo. – disse ela passando a palma da mão pela testa indicando sua verdade. – em que momento de sua vida conseguiu a proeza de deter desses conhecimentos?
— Amanhã a noite você saberá sobre tudo. – eu não queria e nem iria antecipar as coisas. Deveria ter cautela a partir dali.
— Não me diga se atreveu a visitar minha biblioteca para esses fins quais eu não permiti.
— Não. De jeito nenhum. – contestei prontamente. – Eu já sabia bem antes de vir trabalhar aqui.
Ela negou com a cabeça e levantou-se bruscamente fechando o livro e colocando-o novamente sobre a mesa, indicando que iria para longe dali.
— Preciso descansar como nunca precisei antes. – disse ela caminhando, mas parou e prosseguiu em sua fala ao virar-se em minha direção. – amanhã eu aguardo por respostas plausíveis. Não cogite mentir além para sua rainha.
— Amanhã você estará ciente de tudo, não se preocupe. – confirmei.
— Não se demore aqui. Busque por seus afazeres e não ouse em ler os meus livros e ser pega nesse seu atrevimento desmedido. – ela falou aquilo mais como uma ameaça.
— Não tenha preocupação sobre. Não irei o fazer. Estou contentada. – falei firmemente a fim de garantir. – Seus olhos vem sendo os meus livros desde que a conheci.
Karla paralisou ao ouvir tais palavras e se deparar com meus olhos cheios de admiração para si. Foi nítido sua confusão e desconforto, não sabendo como reagir. Apesar de estar bem acostumada a receber elogios e atenção desse tipo, foi aparente o quão não soube lidar com isso.
Seu nervosismo e ansiedade foram palpáveis, como se tudo estivesse acontecendo em um mundo diferente, e eu realmente não sabia o que esperar em seguida.
— Até amanhã, Jauregui.
Sua pressa em sair dali me fez sorrir genuinamente. Comecei a me sentir mais à vontade e confiante sobre os seus possíveis sentimentos. Torcia internamente que depois de colocarmos tudo a pratos limpos, ela se abria mais para a possibilidade de algo mais confortável entre nós.
Eu ansiava por aquele momento mais do que qualquer outra coisa.
[...]
As horas se passaram e um novo dia chegou, trazendo com ele uma ansiedade esquisita que parecia mais me corroer a carne. A todo momento eu olhava a ampulheta disponível numa das prateleiras da cozinha, aguardando que aquele tempo passasse sem muita paciência. Quanto mais as horas seguiam, mais sentia meu coração bater ainda mais rápido.
Havia encontrado com Karla pela tarde daquele dia, e ela discretamente havia me passado a informação de que após todos se recolherem, eu deveria seguir para seu quarto, dando-me a liberdade de adentrar sem bater.
Sentia uma mistura de emoções: ansiedade, excitação, nervosismo. Sabia das coisas que diria, mas em contrapartida não fazia ideia do que esperar.
Parei em frente à porta do quarto da toda poderosa e fitei a frente ponderando por algum certo tempo. Senti um arrepio na espinha e meu coração começou a bater ainda mais forte.
Respirei fundo e tentei me preparar para o que estava por vir. Abri aquela porta como se estivesse me direcionando para o desconhecido. Eu não sabia o que esperar, mas sabia que estava prestes a viver um momento que mudaria tudo.
Entrei em seu cômodo pessoal olhando em volta com curiosidade, como se fosse a primeira vez. Meus pensamentos desconexos foram interrompidos por uma Karla que chamou-me atenção.
— O que há dentro deste saco? – ela apressou-se em não ocultar sua curiosidade sobre o que eu detinha em mãos.
Sua beleza era inquestionável. O robe de seda vermelho era longo e amplo, com mangas largas que caiam suavemente em seus braços, envolvendo seu corpo, destacando suas curvas e contornos. A seda brilhava a luz suave do quarto, criando um efeito de luxo e sofisticação, que já era de suas características naturais.
— Deixe-me primeiro começar a tecer os fatos. – tentei esvair aquele torpor ao me deparar com sua figura deslumbrante ao fazê-la entender que cada coisa ali naquela noite teria seu tempo.
— Céus! Quanto suspense, Jauregui. – disse ela afastando-se e se acomodando na beirada de sua cama demonstrando-se pronta para dar-mos início naqueles assuntos.
— Não é suspense, é cautela. Cada coisa será dita no momento exato, assim como o que tenho para mostrá-la. Só irá entender conforme o decorrer da história. – comentei dando-me a liberdade de puxar a cadeira de sua escrivaninha para sentar-me frente a ela, largando com cuidado o saco de linho no chão sob seus olhares curiosos. – Bom, estamos de total acordo que não sou de Abbadie, tampouco de qualquer outro vilarejo de Azohá, não é?
Comecei lhe lançando a priori o que era de suas dúvidas e ela deu de ombros visto que já era de suspeitas.
— Isso é nítido. De qual reino a senhorita vem, então?
— De nenhum, majestade. Eu venho de lugar muito, mas muito distante, de qualquer coisa que a senhora possa imaginar. – ela me fitava atenta e eu me preparava para tentar fazê-la compreender gradativamente sem me achar uma louca ou algo parecido. – lhe contarei histórias, assim talvez irá entender quando os fatos lhe forem ditos, tudo bem? Por mais que por um segundo cogite ser algum devaneio de minha cabeça, apenas escute e tente abstrair as informações quais lhes serão dadas agora.
— Tudo bem. – ela concordou em prontidão.
— Previamente, precisa entender que há uma abreviação chamada de QI, que significa quociente de inteligência, que é uma pontuação obtida por meio de testes a fim de avaliar a inteligência humana. Ainda quando criança eu fui diagnosticada com QI elevado, estando entre 0,48% da população que atinge a pontuação elevada para o diagnóstico. O que eu quero dizer é que, não se assuste com o que irá ouvir a partir de agora pois a minha mente não funciona como as das pessoas comuns quais está corriqueiramente habituada, se assim eu posso dizer.
— O que quer dizer com isso? Que a senhorita se autodenomina como um gênio por ter conhecimento didático? – questionou em um sarcasmo.
Claro que eu me considerava um gênio.
Mas optei por ignorar aquele seu questionamento sarcástico. O foco era fazê-la entender cada ponto qual a mostraria a partir dali.
— Como a senhora bem já sabe eu tenho conhecimento didático, mas esses conhecimentos didáticos não são simples como de qualquer outra pessoa que os detém geralmente. Irei colocar como exemplo a senhora que é uma monarca, a senhora estudou durante a sua infância e adolescência, o básico de que um cidadão necessita aprender. Pois bem, eu passei por todo esse processo mas devido a alta demanda da minha mente por aprendizado o que me fez diferenciar-me de todos os outros a minha volta, eu dei início a minha formação acadêmica em física com intuito de tornar-me uma cientista. – joguei tudo aquilo de uma vez só. Não queria rodeios ali.
— Senhorita Jauregui, como ousa a me dizer isso? Não faz sentido, é
irrealizável. A produção de conhecimento tem seu centro no seio das hierarquias estabelecidas pela Igreja Católica, qual a senhorita é afastada. O acesso à cultura e à ciência se restringe aos clérigos, sendo esses dedicados a cultivar o estudo de fenômenos naturais sempre do ponto de vista da religião. Não se trata de uma pessoa de poder aquisitivo até onde eu sei e nem tampouco faz parte do clero. – ela tentou refutar minha fala.
Era de meu conhecimento que os cientistas eram perseguidos pela Igreja Católica e considerados bruxos ou feiticeiros. Por esse motivo, Arín e Normani sempre me policiavam quando eu queria facilitar nossas vidas usando de meu conhecimento. A última coisa que eles queriam era que eu mesmo que minimamente desse motivos para que comentassem sobre mim, e pior, que detessem de alguma desconfiança. A Igreja considerava que os cientistas eram heréticos e podiam ser punidos com prisão, tortura, perda de direitos ou morte na fogueira. O claro objetivo era que os cientistas desmentissem as suas ideias e abjurassem delas publicamente.
Tudo aquilo que as pessoas não conseguiam explicar ou entender através do conhecimento e da racionalidade, era atirado à crença de que o fato ou fenômeno decorria de forças etéreas ou divindades. A fé ou credulidade era sido utilizada para impor a vontade de uns poucos pela manipulação ou até mesmo via força.
Completamente deplorável, eu sei.
Mas eu não quis entrar em um debate consigo, aquele momento nem dava brechas para tal, afinal o que eu queria mesmo era tirar aquele peso de minhas costas, por isso afastei tais pensamentos em rebatê-la.
— A produção de conhecimento aqui é centralizada e conservadora, e está voltada para os interesses da Igreja. O que eu quero é por um momento se afaste desses pré-conceitos e siga a minha linha de raciocínio. Ficar me questionando ou me contradizendo antes do momento ideal não irá nos fazer chegar ao que viemos tratar aqui. – tentei fazê-la enxergar por outro ponto.
— Então prossiga. – disse ela demonstrando-se desgostosa com o fato de eu estar indo para longe do que ela julgava ser o correto.
— Há muito tempo, se assim posso dizer, existiu um homem chamado de Albert Einstein, que foi um físico teórico, foi quem desenvolveu a chamada teoria da relatividade geral, um dos pilares da física moderna ao lado da mecânica quântica. – dei entrada na parte primordial do assunto qual eu desejava tratar.
Ela arqueou as sobrancelhas ao ouvir e sabia que novamente ela viria com refutações.
— Como assim moderna? Estamos na modernidade, não?
— Não me pergunte sobre isso... ao menos não por enquanto.
— Certo. Tudo bem. O que é teoria da relatividade geral, então? Explique cada detalhe, cientista. Me surpreenda! – ela realmente debochou enquanto se acomodava melhor sobre o colchão cruzando suas pernas.
Tentava manter-me na postura ideal, mas era um pouco difícil quando ela duvidava sem amarras de cada coisa que eu citava. Era como se eu estivesse inventando ser algo que eu não era. Mas em contrapartida eu a entendia. Nada ali estava sendo comum para si, por isso, relevaria porque tinha um pressentimento de que ela falaria coisas bem piores no decorrer daquela conversa, mas iria correr o risco, não havia mais como voltar atrás e tampouco eu queria.
— Bom, a teoria da relatividade geral de Albert Einstein revolucionou completamente a compreensão das pessoas sobre o universo que nos rodeia. Ela permite explicar desde o nascimento do universo até a órbita dos planetas. Também teve consequências bem práticas, como a invenção do GPS, por exemplo.
— GPS? – indagou-me repetindo a sigla qual eu havia acabado de citar. Tinha noção de que ela ficaria curiosa sobre.
— Sim. O sistema de posicionamento global, mais conhecido por essa sigla GPS. Simplificando para seus ouvidos, o GPS tem a principal função de encontrar o caminho para um determinado local, saber a velocidade e a direção do seu deslocamento. É um sistema de mapas que facilita bastante o descobrimento de trajetos mais rápidos entre dois pontos, por exemplo. Assim, podendo determinar a localização de um objeto ou pessoa em qualquer lugar do mundo.
— Impossível... – ela negou prontamente.
— Não, não é. Bem, deixe-me prosseguir sobre a dita cuja teoria da relatividade, para que possamos chegar no ponto que realmente importa aqui. – ela fez um aceno positivo com a cabeça dando-me aval, mesmo mostrando-se confusa, absorta com as informações quais estava dando-lhe. Mesmo que ela não acreditasse firmemente no que seus ouvidos ouviam, eu sabia que era intrigante demais para si, visto a certeza em minha voz e a riqueza dos detalhes que eu tecia. – veja bem, Einstein durante seus longos anos de estudos, imaginou as três dimensões do espaço e a dimensão do tempo juntas formando uma espécie de tecido que nos rodeia e que é deformado pela presença dos corpos, e ele chamou isso de espaço-tempo.
— Que desatino, meu Deus... – ela desabafou e eu não pude esconder a risada por suas reações. Com toda certeza ela estava cogitando que eu estivesse tendo um surto ou algo parecido.
— Lhe darei uma explicação mais assertiva. – me propus a pensar rapidamente em uma maneira de simplificar aquelas informações. – Quando nós aplicamos esse pensamento aos planetas e estrelas é como se o sol fosse uma bola pesada colocado no meio de um tecido elástico. A bola faz com que o tecido se curve, certo? – Karla balançou a cabeça positivamente como se estivesse imaginando exatamente da maneira qual eu a dizia. – Essa curvatura que cria o que nós sentimos como força de gravidade, então a terra e os outros planetas permanecem em órbita porque o sol é uma estrela tão massiva que os outros corpos seguem a curvatura que ela gera no tecido do espaço-tempo, qual acabei de lhe explicar como funciona.
— Hum... – resmungou focando em um ponto qualquer de seu quarto, demonstrando-se estar com os pensamentos distantes, processando aquilo.
— Então, a gravidade qual depois me reservarei a explica-la com mais detalhes, é o efeito que a curvatura do espaço-tempo tem sobre os corpos. Pensando nisso, podemos nos questionar, o que aconteceria se um dia o sol desaparecesse? Segundo Einstein, a perturbação que isso causaria no espaço-tempo formaria uma onda gravitacional, que viajaria até os planetas e segundo os cálculos dele, essa onda viaja exatamente na mesma velocidade da luz. É por isso que nós deixaríamos de ver o sol brilhar ao mesmo tempo em que a terra mudasse de orbita.
Observei uma Karla que tinha seus olhos um tanto arregalados e sua boca ligeiramente aberta, como se ela estivesse prestes a dizer algo, mas não conseguisse encontrar as palavras. Mas, ela logo voltou a postura tentando se recompor a minha frente. Sabia de suas negações internas, mas também tinha consciência de que eu era tão detalhista em lhe citar e ceder explicações tão minuciosas que a colocava em total dúvida.
Eu lhe tecia cada ponto propositalmente para ela começar enxergar o que estava a sua frente. Chegaria um momento qual ela não poderia refutar nada ali, pois tudo o que ela me questionasse eu lhe cederia uma resposta difícil de contestar.
— Se em algum momento da sua vida se propôs a estudar sobre essa tal teoria da relatividade geral, onde isso de fato se encaixa no que há para me dizer? Não faz sentido algum! – ela desabafou em sinceridade.
Mas iria fazer minha alteza. Pensei.
— Veja bem, a teoria da relatividade diz o seguinte, quando você se imagina a viajar próximo a velocidade da luz, que é algo extremamente rápido, acontece um efeito no tempo, porque o tempo é uma das coisas mais complexas que existem. O tempo é abstrato demais, então esse homem, Einstein, ele dizia que o tempo não estava sozinho, ele está sempre junto com o espaço, como a expliquei outrora. Quando isso chega muito próximo a velocidade da luz, isso começa a se esticar, nós cientistas chamamos isso de dilatação do tempo.
— Está dando um nó em minha mente com tantas informações, mas prossiga... realmente quero ver até onde irá chegar com isso. – Karla aparentava estar levando tudo aquilo em desafio. Mas ela compreenderia.
— Agora preste atenção, como já lhe disse, o universo é como um tecido composto por espaço e tempo, ambos tão interligados que quanto mais rápido você se move pelo espaço mais devagar você se move pelo tempo. Então, o que quero entenda é que a teoria da relatividade de Einstein é um dos trabalhos científicos mais importantes que o mundo poderia ver, revolucionando nossa compreensão do universo. O que quero dizer é que por conta deste homem, a ciência e nossa imaginação puderam voar cada vez mais alto, e com isso, tendo base nesses estudos esplêndidos, eu fiz minhas próprias teorias. Foram longos anos de minha vida desenvolvendo um projeto usando dessa teoria da relatividade... criando com sucesso a invenção mais importante da história da humanidade.
— Que projeto? – me questionou rapidamente.
Por uns segundos fechei meus olhos e inspirei profundamente, sentindo o ar entrar meu meus pulmões e encher meu corpo de oxigênio, tentando manter minha mente calma para o que viria a seguir.
— Karla... eu projetei uma ferramenta que permite um deslocamento através do tempo de maneira não-natural, possibilitando que o operador se mova para o passado, presente ou futuro.
— O que está me dizendo? – ela falou levantando-se apressada.
Contrário dela, permaneci sentada, olhando para o chão, com as mãos cruzadas sobre o colo. Meu rosto estava tão tenso quanto o seu. Tentei a todo custo formular as palavras e criar coragem para falar minhas verdades, por mais que fosse muito para sua mente.
— O que quero dizer, é que eu projetei a ferramenta que me possibilitou a viajar na velocidade da luz centenas de anos à frente do que estamos. – minhas palavras foram claras e firmes, e minha voz não tremeu. Karla demonstrou-se embasbacada e nervosa ao ir para longe de mim, e eu prontamente me ergui para me aproximar de si. – Por isso vê uma diferença em minha pessoa, por isso eu detenho de um linguajar diferente assim como minha maneira de me portar. Eu não sou de Azohá e de nem um outro reino fora daqui, eu venho do futuro.
— A senhorita está se ouvindo? Fez toda essa falação, dando-me informações quais eu duvido muito da veracidade, para expressar aos meus ouvidos de que é uma viajante do tempo? Que veio do futuro para um passado remoto? Isso só pode ser uma brincadeira de muito mal gosto senhorita, Jauregui. – sua postura estava alterada, em total destempero.
— Diga-me a senhora, rainha. Onde ver em mim a normalidade qual está habituada a ver em seus súditos? – a questionei sabendo que ela refletiria sobre, visto que sempre foram suas dúvidas escancaradas.
— Nunca escondi que sempre fui intrigada com a distinção da senhorita para com os outros, mas pensar em viagens no tempo chega a ser um delírio desmedido! – sua exasperação era nítida.
— Eu sei que prossegue intrigada, ainda mais após ouvir tudo isso. Mas, eu sei que julga minha maneira de me portar, de falar completamente diferente, sem que eu possa controlar pois é algo de minha cultura. Pense, foram essas coisas que me colocaram em perigo por diversas vezes, pelo fato de eu não estar habituada com os modos desse lugar qual há tempos eu nunca cogitei estar.
Sua faceta antes exasperada deu espaço para uma expressão de confusão e desorientação. Seus olhos demonstravam-se perdidos, como se estivessem procurando algo nos meus quais não conseguia encontrar. Eu não estava mentindo.
Seu rosto estava tenso, e suas sobrancelhas estavam franzidas em uma expressão de concentração. Ela aparentava estar tentando pensar claramente, mas era nítido que sua mente estava uma mistura de pensamentos e emoções que não faziam sentido para si.
— Eu não sei mais o que pensar, mas tenho certeza de que tudo o que a senhorita precisa é de uma boa noite de sono, para quando acordar, seus pensamentos estejam em ordem, e julgo até que se envergonhe por fantasiar histórias que nem mesmo em livros é capaz de encontrá-las. – foi o que ela conseguiu dizer.
— Tudo bem. Mas responda-me, como eu detenho de conhecimento didático, com formação acadêmica sendo que nesse lugar eu sou apenas uma plebeia sem recursos e completamente sem assiduidade a igreja? Você mesmo afirmou que é um poder do clérigo qual eu não faço parte. – tentei inverter o jogo mas usando de cautela.
— Eu quero esquecer desse maldito assunto. Quero fingir nunca ter ouvido essas palavras que estão acabando com a minha mente. – Karla desabafou em um tom de desespero.
Não estava sendo fácil para ela, desde o início eu sabia que não seria.
— Eu sei o quão confuso está pra sua cabeça, mas no fundo você tem uma ponta de dúvida sobre ser verdade tudo o que estou lhe dizendo, afinal a troco do quê eu lhe diria essas histórias? Isso, esse conhecimento não me beneficia em nada pelo fato de eu não poder expor, pelo contrário coloco a minha vida em risco se isso vier a público. – falei lhe mostrando o óbvio e ela me fitou atenta. Ela estava inquieta e eu não a julgava. –Você mais do que ninguém sabe disso, então somente pense, eu só estou te contando essa verdade porque eu confio em você, porque eu quero poder ser quem eu sou e que você me conheça de verdade. A única coisa que eu ganharia com isso seria a sua confiança como pessoa e não como rainha, visto que nesse posto seria sua função me punir por deter destas informações que plebeu nenhum aqui seria capaz de ter.
— Se detém desse vasto conhecimento a qual tanto está me jogando agora, se desafiou a natureza construindo um projeto que a capacitou de intervir na cronologia de sua própria vida, como conseguiu esconder das pessoas quais chama de família? É impossível. A história realmente não bate. – Karla buscava a todo custo recursos para me objetar. Mas não havia como fugir, eu estava disposta a lhe contar tudo.
— Eu não escolhi para onde iria quando entrei naquela máquina que construí. Eu não posso e nem vou tirar o meu mérito de tal conquista, mas mesmo trabalhando incansavelmente, não achei que realmente pudesse vir para o passado, eu tenho que admitir, mas um acidente aconteceu, erros em meus cálculos, o que me permitiu a viajar na velocidade da luz. Quando me deparei eu estava aqui na floresta de Abbadie, que até então eu não sabia, não fazia ideia de onde estava. Fui encontrada por Arín e Normani. Eu usava um traje esse qual eles nunca viram antes, devido tal espanto eles me perseguiram pela floresta e foi assim que eu adquiri essa cicatriz em minha sobrancelha, porque Arín desferiu um machado contra minha cabeça, o que me livrou da morte naquele momento foi o que eu usava para proteger a minha cabeça, mas assim que viram que realmente se tratava de uma pessoa eles pararam e me questionaram se eu era uma enviada de Lamút. Eu sequer fazia ideia de nada do que acontecia ou onde eu realmente estava. Não foi preciso de muito para que eles acreditassem no que eu dizia, pois como os mesmos dizem até hoje, nunca encontraram uma pessoa como eu e nem tampouco viram diante de seus olhos os objetos quais eu trouxe do futuro, que de fato foi de onde eu vim.
— Eles realmente sabem? Meu Deus! – a mulher colocou as mãos dentre os cabelos demonstrando-se desestabilizada a frente dos fatos.
— Eles sempre souberam desde o dia em que me conheceram. Por isso estamos juntos até hoje, porque eu não sabia onde estava, não sabia como me comportar e nem tampouco sobreviver em um lugar tão remoto. Foi dessa forma que nos tornamos uma família e o elo em que carregamos conosco foi traçado naquele dia.
— Céus, minha cabeça vai explodir! – ela exclamou num desespero.
— Eles são somente mais uma de muitas provas que eu tenho a lhe dar para que acredite em mim, para que confie em minhas palavras. Eles sabem exatamente tudo, tudo sobre a minha vida. – confessei sem amarras.
— Até mesmo de seu pecado? – seu questionamento veio em uma certeza de uma negativa. – Duvido muito! Meus súditos nunca seriam tão contingentes com um absurdo desses.
— Claro que sabem. – confirmei em orgulho. Eles eram o bem mais precioso que eu tinha na vida. –Quando eu digo tudo, não duvide. Eles se tornaram a minha família assim como eu a deles. Nós nos protegemos e daríamos a vida um pelo outro sem pensar duas vezes. Nossa ligação não seria quebrada nem pelo pior pecado do mundo, nada nos separa.
Karla aparentou ponderar, mas eu sabia que ela não cederia assim tão fácil.
— Eles são traidores. Como podem ter ido contra a rainha? – ela apontou como se aquilo fosse um escape naquele momento tão tenso.
— Pelo contrário, são fies de maneira qual eu nunca vi na vida. São fies a mim e a senhora, pode acreditar nisso. Eles sabem separar as coisas. – ela ainda me olhava intrigada. – Eu sei que não quer falar sobre abertamente, mas eu não posso deixar de trazer isso à tona, mas você viu a minha tatuagem com os próprios olhos. Eu tenho consciência de que você nunca viu nada parecido. Quando eu comecei a trabalhar no castelo, eu vi um homem em praça pública para ser executado por ter deter um desenho em sua pele, o desenho daquele de homem sequer dava para entender, a tinta parecia mais manchar o seu corpo do que desenhá-lo, e Normani mesmo já me afirmou que todos os outros que detinham desses desenhos eram dessa forma, sendo a minha completamente diferente. De onde eu venho há uma tecnologia inigualável, o desenho que tenho realmente nunca sairá de minha pele, mas nem mesmo tempo irá mudar como ela está agora.
Ela negou diversas vezes movendo a cabeça e logo apontou para a porta indicando que queria que eu saísse.
— Quero que saia. Não quero mais conversar. Preciso ficar sozinha, minha cabeça não está bem depois de tudo isso.
— Tudo bem. Como desejar. – concordei de prontidão. – mas tem certeza de que não quer saber o que tem aqui? – questionei apontando para o saco ao chão. Eu sabia de sua curiosidade. – o que tem aqui a senhora jamais viu, e se vier a se dispor a ver não terá como negar a veracidade de minhas palavras.
Karla ponderou por muitos segundos encarando meus olhos como se criasse coragem para preparar-se para ter a confirmação de suas muitas dúvidas. Seu silêncio eu tomei como consentimento, por isso busquei por aquele saco e com cuidado e com muita cautela retirei dali a câmera fotográfica qual há muitos anos trouxe junto comigo de onde eu vim. A priori ela não soube esconder o seus espanto ao se deparar com objeto que jamais havia visto diante de seus olhos.
— O que é isso? – questionou rapidamente.
— Isso se chama câmera fotográfica. – falei.
— E o que significa essa engenhoca?
— Esse objeto eu trouxe comigo do futuro, como a senhora tanto duvida. É um dispositivo que permite o registro de imagens por meio da luz refletida por um objeto. A imagem pode ser gravada na memória existente nessa câmera, levando apenas segundos para que a imagem seja capturada. – a expliquei cuidadosamente.
— Me mostre essa funcionalidade. – disse ela de forma rápida sem se conter.
— Agora mesmo eu não posso. Não está funcionando.
— Então como provar o que diz?
— Eu posso fazer funcionar novamente. – não soube esconder o sorriso que insistiu em se formar em meu rosto, um tanto inquieta ao cogitar a possibilidade.
— Como?
— Só preciso que me arrume alguns objetos.
Ela hesitou, mas concordou visto a curiosidade que ela detinha mesmo relutando para não demonstrar.
A expliquei cuidadosamente do que precisaria para dar vida novamente a aquele objeto. A própria caminhou junto comigo pelos corredores do castelo em busca do que eu precisaria para montar uma bateria improvisada. Tudo que eu consegui pensar foi: recipientes que recolhi pela cozinha - que eram como copos para entornar doses de tequila - água, sal, pregos e o mais importante, alguns cumprimentos de cobre em fio que se pôde ser achado na forja, nos fundos do castelo.
Após reunir os materiais quais precisaria para construir uma bateria, retornamos para seus aposentos sem trocar muitas palavras. Ela demonstrava-se inquieta, detendo de algum tipo de ansiedade. Sentei-me frente a sua escrivaninha e dispus os objetos ali, começando meu trabalho com a rainha observando tudo atentamente em completo silêncio. A princípio, enrolei o fio de cobre ao redor de 14 dos 15 pregos, passando um pedaço do fio duas vezes ao redor da parte de cima de cada prego, logo abaixo da cabeça dele. Após envolver cada prego, usei meus dedos habilmente para dobrar o fio, fazendo um gancho que usaria para prender cada prego nos recipientes que seriam usados.
Prendi um prego a cada compartimento que usaria, colocando apenas um em cada espaço. Cada espaço daquele serviria como uma célula da minha bateria. Em uma ponta de um dos recipientes, prendi um pedaço de cobre a borda externa de uma das células. Na mesma ponta, coloquei um prego na célula perto daquela em que havia acabado de colocar o fio de cobre. O prego deve ficar a cima da borda do recipiente, pois precisaria prender o fio condutor a ele.
Enchi cada célula com água misturada com sal, pois a solução aumentaria a voltagem. Elas devem ficar cheias o suficiente para que os ganchos de cobre e os pregos toquem o líquido. Ao final, prendi os fios condutores aos terminais positivos e negativos, conectando-os na bateria da câmera.
— Pronto. – falei por fim.
— E então? – questionou ela voltando a se aproximar talvez por ver que nada de muito novo aconteceu diante a seus olhos, como bem esperava.
— Temos que aguardar por um tempo. – expliquei.
— Quanto tempo? – sua ansiedade era nítida ali.
— O tempo necessário. Não tenha tanta pressa. – dei de ombros.
— Está me enrolando. – ela afirmou enquanto afastava-se e capturava um livro qualquer em suas mãos acomodando-se em sua cama, em contrapartida eu nada disse.
De nada adiantaria ficar debatendo sobre tópicos que não nos levaria ao que realmente importava. Me manteria em silêncio, aguardando pacientemente até aquela bateria pegar o mínimo de carga, o que poderia levar um certo tempo devido a pouca voltagem daquele carregador improvisado.
Fiquei por uns longos minutos compenetrada ali em meu protótipo de carregador, como se minha vida dependesse daquilo. De repente, a voz de Karla chamou-me a atenção.
— Não estou confiando nisso. – ela comentou.
— Eu sei. – dei de ombros.
— Talvez esteja fazendo um trabalho de magia negra dentro de meu quarto sem que eu tenha noção. Eu não compactuo com essas atrocidades, senhorita! – ela não perdia a oportunidade de me alfinetar. Era proposital.
— O único trabalho de magia negra qual fiz em minha vida foi a senhora quem me ensinou, não lembra? – falei concentrada em observar minha invenção a minha frente, mas fazendo questão de recordá-la o dia que ela me incitou a preparar um ritual qual eu mesmo nem sabia estar elaborando um a seu mandado.
Percebi por minha visão periférica que ela me fitou embasbacada com minha tamanha audácia.
— Muito cuidado com o que sai de sua boca, Jauregui. – era possível sentir o tom de ameaça em sua voz ao erguer-se novamente de sua cama em uma explícita impaciência.
— Apenas não sabia que sua religião dava abertura para certos rituais. – tampouco me importava. Pensei.
— O catolicismo não discrimina o ato. Saiba que não se trata de algum tipo de magia. O banho de ervas é apenas uma prática milenar que pode ser utilizada por qualquer pessoa, independentemente de sua religião. Então respeite minha espiritualidade, de uma vez por todas!
— Tudo bem. Me desculpe, não foi de minha intenção desacata-la. – tentei contornar sua irritação frente aos meus desacatos.
Sua postura ofendida ainda parecia se sustentar.
Ela balançou a cabeça negativamente e se afastou por um tempo para se servir sem pressa de uma dose de um de seus whiskys, mas antes mesmo de entorna-lo em sua boca ergueu o copo mesmo a distância me fitando, como se me questionasse se era de minha vontade degustar consigo. Felizmente ela não estava tão chateada assim com minha fala. Pensei.
— Não, obrigada. – declinei sua gentileza. – quero me manter sã e também que você se mantenha sã. Amanhã não quero desculpas ou algo parecido após essa noite que estou lhe cedendo essas informações. – ousei em impor, pois era o que eu realmente pensava. Queria algo justo ali.
Seus lábios se apertaram um no outro, a mulher respirou fundo ao me ouvir, me fazendo presumir que estava tentando se manter em calmaria, mas me preparei para o que estava por vir.
— Ela não quer isso, ela não quer aquilo... – ela falou como se pensasse alto demais, rindo em puro escárnio a minha ousadia, logo após lentamente dando um gole do líquido qual preenchia o copo em suas mãos. – ela tem querer agora, soberana, entenda. Ponha isso na mente e se retraia diante a ela porquê simplesmente ela quer.
Frisou a última palavra e debochou sem amarras, completamente.
Nós duas sabíamos que ela era a rainha, por isso também fez questão de frisar a palavra soberana em sua fala, definitivamente não tinha como ser algo de igual para igual. Ela estava acima e por isso ironizada ao dizer "ela não quer isso, ela não quer aquilo", sendo que na verdade meu querer de nada valia.
Mas eu ignorei sua crítica velada a meu atrevimento.
— Sim, porque meu querer é o que importa no final. Você sabe que eu que mando na nossa relação. – não resisti em entreter nosso tempo em piadas que sabia que a tiraria do sério. No fundo eu me agradava em afronta-la.
E funcionou.
— Não aponte besteiras! – ela reagiu desgostosa, mostrando-se não estar apta para aquele tipo de assunto, ou talvez aquilo a deixava envergonhada o suficiente para querer manter-se longe de qualquer ponte que a levasse para aquele assunto tão explicitamente.
— Tudo bem. Eu deixo você pensar que manda. – levantei as mãos em rendição prosseguindo naquilo mesmo diante de sua faceta de poucos amigos.
— Não existe relação nenhuma, não dite loucuras mais do que citou durante essa noite.
Realmente não esperava que ela dissesse aquilo, tampouco com tanta repreensão como se detestasse pensar na ideia.
— Não existe relação nenhuma? – repeti sua fala a fim de saber se ela prosseguiria negando.
— Não. – ela afirmou prontamente sem sequer cogitar a pensar duas vezes.
De repente, o quarto ficou silencioso, apenas com o sucinto barulho do vento batendo na cortina da porta da sacada. Nos mantínhamos afastadas, em lados opostos, com os olhos fixos um no outro.
O ar estava carregado de tensão, e era possível sentir a eletricidade no ar. Eu estava com as mãos cruzadas sobre a mesa, com os dedos ainda mais brancos de tanto apertar. Karla, por outro lado, estava com os braços cruzados sobre o peito, mantendo-se de pé, com um olhar desafiador.
Eu sabia que aquela tensão estava crescendo durante aqueles dias, desde que ela havia presenciado aquela cena entre eu e Zoey. Eu realmente estava ficando farta daquelas suas constantes negações, como se eu não sentisse nada à frente de suas palavras cheias de frieza.
Estava cansada daquele jogo.
O silêncio entre nós estava se tornando cada vez mais desconfortável, até que eu não suportei mais aquilo, sem nenhuma paciência, finalmente quebrei o silêncio, daquela vez decidida em ser eu a dar as cartas ali.
— Se não há relação alguma, eu realmente não sei o que me deu a fazer tudo isso para tentar convencê-la de onde eu vim, quem realmente sou, para conquistar de uma vez por todas a sua confiança, a fim de quebrar essas barreiras que por vezes nos afastam. – levantei-me daquele assento sem sequer me importar com as coisas espalhadas ali por aquela mesa. Sinceramente, nem me daria ao trabalho.
Karla permaneceu na mesma postura, apenas levantando as sobrancelhas, com um olhar de desafio. Como se duvidasse de minhas insinuações das ações que tomaria dali em diante.
Balancei a cabeça negativamente no mesmo momento em que me direcionei a porta de saída do quarto, sem olhar para trás, mas antes mesmo de alcançá-la, senti o toque de Karla em meu braço, me impedindo de ir.
Virei-me em sua direção e pude perceber o quão pesado ela respirava. Como se tivesse agido no impulso.
Seu silêncio me corroía por dentro.
— Apenas gostaria que fosse ciente o quão péssima eu sou com essas coisas... – ela começou daquela vez sem fitar meus olhos diretamente. Aparentava estar desconcertada. Aquilo era novidade em questão de comportamento vindo dela. – eu não sei me sentir suscetível a alguém. Quando sinto que o controle está saindo de minhas mãos, sinto-me fora de mim. Eu não estou habituada e realmente gostaria que soubesse.
Dei um passo para trás quando ela afastou seu toque, recostando as costas na porta de madeira escura. Meu corpo não estava tão relaxado. Sentia-me perder em pensamentos enquanto a olhava, com a mente consumida por uma mistura de emoções. Meu olhar estava no seu, como se estivesse vendo algo além dela. A luz suave da lamparina ao lado da porta iluminava o rosto de Karla, destacando as linhas de preocupação e um tanto de tristeza que se desenhavam em sua testa. Seu cabelo castanho estava solto, caindo em ondas suaves sobre seus ombros.
O silêncio após sua fala era palpável, como se o mundo tivesse parado de girar por um momento. De repente, Karla suspirou profundamente, e seu corpo se moveu ligeiramente ao meu lado, espelhando minha postura ao se encostar na superfície atrás de si, ficando lado a lado, me deixando em surpresa por seu ato espontâneo.
— Por que me fala aquelas coisas em tons de desdém quando sabe que tenho sentimentos por você? Isso me fere, não consegue enxergar? – fiz questionamentos sem me importar em demonstrar tanto. Era cansativo demais lidar com seus destemperos.
— Você... você diz coisas que eu não sei como reagir. Essa é a verdade aqui. – ela falou daquela vez direcionando seu olhar para o chão. Talvez sem deter de coragem o suficiente para me encarar naquele momento.
— Me sinto uma tola por tentar fazer você ir além do que seus costumes permitem. Eu sei que se eu não tivesse induzido, provocado em todas as minhas ações, nunca teria acontecido nada. – desabafei totalmente desgostosa. Era ruim pensar naquilo.
— É horrível a sensação que estou sentindo. Me deu informações que são tão intrigantes tanto ao ouvir quanto parar para refletir. São tantas coisas quais preciso enfrentar sozinha sem poder dar demonstrações a ninguém, que eu preferia simplesmente ignorar, fingir que nada disso aqui existiu às vezes. – seu longo suspiro evidenciou sua sinceridade.
Mergulhei em meus pensamentos ao ouvir suas palavras, revivendo momentos do passado que eu gostaria de ter feito de forma diferente. Sentia um peso pesado em meu peito, um sentimento de arrependimento repentino me consumia por dentro. Eu me arrependia de ter tomado certas decisões, de ter dito certas coisas, de ter feito certas ações.
Não foi uma escolha ter me apaixonado por ela, mas aconteceu tão naturalmente que quando fui me dar conta eu já estava envolvida demais. Mas era fácil pra mim comparado ao que era para ela. Eu fui egoista em não refletir sobre suas limitações, do quão ela vivia enfiada dentro de uma igreja apenas por simples demonstrações de ambas, em uma busca incessante de ser perdoada por tais pecados. Pela primeira vez, imaginei que mesmo no fundo ela gostando, por fora vivia um martírio que talvez nunca se curaria. Estava fora de sua realidade, fora do que queria para si. Aquilo não era para Karla e de uma vez por todas eu tinha que enfiar em minha cabeça. Apesar de ser tão doloroso. Era decepcionante.
— Acho que venho me excedendo a certas atitudes. Você tem valores e princípios que é raro encontrar em alguém. Talvez eu esteja errada em tentar tirá-la de sua zona de conforto. Eu sei que no fundo sente algo por mim, eu sei que sente. Mas me sinto ruim por deixar sua cabeça numa confusão. Nunca foi de meu intuito lhe tirar a paz. Isso aqui era pra ser algo bom e talvez num todo não esteja sendo pra você. Então, eu não vou mais insistir e peço perdão por ter o feito, eu vou tentar esquecer isso tudo, no final deve ser o melhor.
Independentemente de querer viver o que pudesse com ela, apenas o meu querer não bastava. Tinha que ser algo proveniente e não a base de persistência. E, com essa consciência, comecei a me sentir um pouco mais leve, um pouco mais esperançosa de que ela ficaria bem. Era a mais dócil decisão que já tomei, apesar de internamente não ser de minha real vontade. Sabia que tinha um longo caminho a percorrer para digerir tudo aquilo, que havia acabado aquele pouco que tinha dela por uma decisão minha, mas por o bem mental dela eu estava disposta a enfrentar o desafio.
— Mas eu não vou esquecer. Esse é o problema. – foi difícil esboçar uma reação em palavras diante as suas próprias, a surpresa foi absurda. Não esperava. – acho que você... é a pessoa mais intrigante e mais bela que meus olhos já viram.
Foi inevitável não arregalar os olhos, tentando processar o que havia acabado de ouvir. Não estava preparada. Minha mente ficou em uma completa confusão, tanto que me remexi inquieta.
— Se você fosse uma mulher comum, poderia jurar que está me cortejando agora. – sem sequer pensar duas vezes fiz alusão a uma fala sua em outra situação em que nos envolvia, lhe devolvendo aquela dúvida de outrora, que daquela vez era minha.
Não podia negar que torcia que fosse positiva aquelas dúvidas. Era incrível como minhas ações contradiziam meus pensamentos.
— Acho que estou.
Karla realmente afirmou, sorrindo de canto sem graça, envergonhada por sua confissão. Eu não sabia esconder a surpresa, ainda mais quando ela se virou de frente para mim ainda recostada a parede e levantou a mão deixando seu toque gentil em meu rosto, como se estivesse tentando se conectar. Seu olhar antes distante, agora eu via que havia uma ponta de determinação nele. Ela se aproximou completamente torpe, e eu realmente a deixei em total controle, porque pela primeira vez eu não sabia como reagir.
Senti meu coração bater mais forte ao notar o quão nítido os olhos dela brilhavam em desejo, tanto quanto os meus. Sentia o calor de sua mão na pele de meu rosto, e sabia também que não podia resistir a ela. Sem dizer uma palavra, Karla tomou a atitude de inclinar lentamente sua cabeça e aproximou seus lábios dos meus. O beijo casto foi suave e gentil, mas cheio de paixão e desejo, e então ela afastou seu rosto do meu apenas se pondo a me fitar timidamente.
Senti meu coração bater ainda mais forte quando senti a contradição de minhas decisões antes tomadas. E que droga, eu não conseguia agir como ela, demonstrando certa ternura, não sabia ser tímida nesses momentos e por isso não suportei a vontade de puxa-la firmemente pela cintura, e novamente nossos lábios se encontraram em um momento de paixão intensa, intensificando ainda mais o toque de nossos lábios, nossas línguas roçando uma na outra.
O beijo foi como uma chama que ardia entre nós, consumindo todos os pensamentos e sentimentos, deixando apenas o desejo e a necessidade.
A boca dela era quente e sedosa, e eu senti um arrepio na espinha quando o ato se tornou ainda mais profundo e intenso, com uma linguagem silenciosa que apenas nós duas entendíamos. Senti o calor do beijo se espalhar por todo o meu corpo, como uma onda de prazer que me envolvia por completo. Seus lábios se abriram como uma súplica, permitindo que eu a explorasse ainda mais com minha língua.
A beijei como se fosse a última vez, como se o mundo fosse acabar a qualquer momento e que eu precisasse aproveitar cada segundo, segurando firmemente em seus cabelos enquanto minha outra mão a puxava cada vez mais pela cintura, não resistindo em literalmente roçar minha intimidade na dela tendo como barreira os tecidos de nossas roupas, foi quando senti um gemido de prazer escapar de sua garganta.
Aquilo foi como um vórtice que me puxava para dentro, um redemoinho de paixão e desejo que não tinha fim. Foi ali que eu não soube mais controlar meu instintos.
O ar ao redor de nós parecia vibrar com a intensidade, como se o próprio universo estivesse se manifestando em sua paixão. Aquele beijo quente foi como uma explosão de paixão que nos consumiu por completo, deixando-nos sem fôlego e me fazendo ansiar por mais. Quando afastamos nossas bocas ofegantes, me inclinei logo pressionando os lábios contra a pele suave de seu pescoço, distribuindo beijos ardentes por ali. Meus lábios se moviam lentamente, explorando cada curva e contorno de seu pescoço. Sentia o corpo de Karla tenso, mas relaxado ao mesmo tempo, se entregando ao momento. Sua respiração era profunda e irregular, como se estivesse prestes a sair de seu controle.
Explorei cada centímetro de sua pele, a beijando numa mistura de suavidade e intensidade, tentando transmitir todos os sentimentos e desejos.
Eu a queria tanto, eu queria tudo.
Karla em contrapartida, era muito mais controlada naquelas questões carnais do que eu, tanto que quebrou minhas insinuações silenciosas de indecências quando afastou meus lábios de si.
— Pare... – ela sussurrou.
Ignorei sua fala movida pelo desejo e entrelacei novamente meus dedos em seus cabelos sedosos deixando um aperto que a fez fechar os olhos.
— Eu tenho sede de você. – falei fitando seus lábios com gana em uma promessa implícita de prazer e satisfação.
— Não posso cometer despudores, sabe disso.
Era ciente de seus desejos, seu corpo não mentia. Mas ela não estava preparada.
— Tudo bem... – me sentia como se estivesse em um estado de caos, sem saber como encontrar a ordem e a clareza novamente. Voltei a me encostar na porta ali atrás tentando me manter em sanidade. – Não quero passar de seus limites...
— Eu acredito em você. – daquela vez ela suspirou pesadamente, como se tivesse pensamentos difíceis de serem digeridos tão facilmente, também voltando a sua posição anterior, encostada na parede ao meu lado.
Seu silêncio veio a tona novamente, me causando curiosidade sobre o que se passava por sua mente naquele instante.
— No que está pensando? – perguntei.
Karla mostrou-se disposta a me revelar o que eu gostaria de saber.
— Eu gostaria muito de uma vez na vida poder me esquivar desse papel de salvadora e redentora do mundo, de ser aquela que une e cumpre as expectativas alheias. Sinto vontade de ser consciente de que estou cumprindo o meu projeto de vida livre de lealdades familiares invisíveis e visíveis. Livre de laços e crenças que possam perturbar a minha saúde, paz e minha felicidade. Não entenda mal, num todo, não é você que causa todo esse estrago para mim. É difícil de compreender, mas entenda que você não me faz mal.
Suspirei profundamente novamente voltando a me aproximar dela, mas daquela vez sem insinuações indevidas para o momento.
— Então, por favor, não fale que não temos nada... sendo que você sabe que é uma inverdade. – fiz aquele pedido mais como uma súplica, pois já não suportava mais estar diante aqueles embates.
— Eu gostaria que deixássemos assuntos desse cunho para outro momento. Quero poder colocar os pensamentos em ordem para que pudéssemos dialogar com clareza. Me entende? – sua voz soou em uma cautela confortante.
— Eu entendo.
— Prometo não me esquivar. Nós conversaremos... sobre nós.
— Promete? – indaguei esperançosa.
— Uhum... – ela murmurou afastando-se sem aviso prévio, arrumando seu cabelos um pouco desgrenhados devido aquele momento... – É... me mostre o que trouxe. – disse ela a fim de se desvencilhar daquele assunto.
— Tudo bem. Acho que já é o suficiente. – optei por deixar tudo aquilo de lado por hora, afinal o momento certo de cada tópico chegaria.
Precisava me concentrar nos assuntos que realmente havia ido tratar.
Andei em direção a onde estava meu protótipo de carregador, pronta para desconectar a bateria quando ouvi a voz de Karla enquanto ela também se aproximava e observava o que eu estava fazendo.
— Sabe, em meus estudos eu tive conhecimento sobre coisas quais agora julgo por serem completamente errôneas. – comentou ela de forma despretensiosa.
— Do que exatamente? – questionei curiosamente.
— Acredita que seres humanos também são animais?
— Claro. Pois pertencem à classe dos mamíferos e à ordem dos primatas. – dei de ombros sem entender seu intuito em adentrar numa temática tão aleatória.
Peguei a câmera novamente nas mãos encaixando a bateria ali atentamente e ela observava cada movimento não querendo perder de vista um detalhe sequer.
— Pois bem, os leões são os amantes que aparentam ter o maior apetite sexual do reino animal, estudo qual julgo por ser contestável agora.
Desviei a atenção do objeto em minhas mãos e a olhei tentando processar o que ela havia dito. Ao perceber minha surpresa, Karla sorriu timidamente por eu ter entendido perfeitamente a sua dinâmica ali, que diga-se de passagem, nunca imaginei que ela pudesse dizer algo assim.
— Quando eu falei que não precisava de seus banhos espirituais para me despertar tanto tesão você não acreditou. – falei em sagacidade sem a olhar porque tinha certeza que ela ficaria envergonhada, o que acarretaria em algum surto seu por usar uma palavra explicitamente impudica.
— Oh, meu Deus! Começou. – ela exclamou.
Eu falei que ela reagiria daquela forma. Ri internamente.
— Você quem começou. Comparou minha disposição sexual com a de um leão. – demonstrei uma fingida ofensão.
— E pelo visto já me arrependi!
Era nítido que ela não queria prosseguir dali. Não era uma mulher que era acostumada ser tão desinibida como eu. Não era uma competição, nunca foi, porque de fato ela jamais conseguiria competir com aquilo. Ela era recatada demais, e eu em contra partida, era expansiva, detendo de nenhuma timidez quando os assuntos eram de cunho sexual.
Livrei-a daquela tensão quando mudei o rumo ali, apertando o botão da câmera a fim de ligá-la e felizmente funcionou, deixando uma Karla estarrecida que logo veio para o meu lado para observar o objeto melhor. Eu tinha vontade de sorrir de suas reações, no fundo eu me agravada em mostra-la coisas novas, que nunca viu em sua vida. Gostava de poder lhe proporcionar aquilo.
— Meu Deus... isso é... incrível. – ela expressou embasbacada.
— Eu te falei. Mas vá, me aponte um local do quarto para você ver a mágica acontecer. – Ela hesitou, mas apontou em direção de sua cama como se fosse o ponto qual veio primeiro em sua mente. Assim, apontei a lente da câmera pra aquela direção, fazendo a luz do flash iluminar ligeiramente, o que a assustou por não esperar por aquilo. – olhe.
Mostrei a ela a tela da câmera, qual havia capturado uma foto do que ela tinha citado, deixando-a boquiaberta ao se deparar com aquilo, e ela negou várias vezes com a cabeça.
— Tem certeza de que não se trata de um truque? É inacreditável. – suas mãos ligeiramente foram a sua boca, sem conter suas reações diante sua descoberta.
— Está vendo diante de seus olhos...
— Sim, mas é algo difícil de se acreditar. – ela ainda se encontrava em negação para com aquilo.
— Tudo bem, deixe-me ver. Na memória desta câmera há registros que fiz quando a bateria ainda funcionava. Nunca mais pude fazer novos registros porque Normani e Arín me impediam de executar trabalhos envolvendo a ciência, por motivos de segurança. Mas eu posso mostrá-la até quando esses registros vão, cabe a você decidir se gostaria de vê-los ou não.
— Me mostre. – daquela vez ela não hesitou nem por um segundo, tendo pressa em descobrir mais sobre a funcionalidade daquele aparelho a sua frente.
Acomodei-me numa cadeira ali e ela fez o mesmo ao meu lado como se estivesse agindo no automático. Felizmente sobre seu aval, procurei dentre a memória daquela câmera por registros quais eu fiz, e me bateu uma nostalgia enorme quando me deparei com uma foto quando ainda estava em Abbadie. No arquivo era possível ver eu, Normani e Arín na área interna da casa que vivíamos. Eu vestia as roupas quais corriqueiramente usava desde que vim parar nesse reino, estava sentada a uma cadeira ao lado do casal que demonstravam-se retraídos para efetuar aquela ação que para eles não era normal. Aquele dia havia sido engraçado, lembrava-me com muita emoção do quanto tive que insistir para eles pousarem junto comigo para eternizar aquele momento.
Era cômico pensar no quão as coisas haviam mudado pois aqueles que naquela foto pareciam engessados, em muitas outras quais não selecionei para Karla ver, recordava-me que eles que passaram a pegar a câmera para fazerem registros de si mesmos, porque como os mesmos diziam, achavam divertido fazer com que o tempo congelasse naquele dispositivo. Aqueles dois foram o motivo para a câmera descarregar com mais facilidade, apesar de ter durado muitos dias devido à eficiência de sua vida útil.
Karla se mostrava espantada mas era difícil esconder o seu fascínio em ver tudo aquilo. Não havia como negar, ela conhecia pessoalmente Normani e Arín, e julgar novamente como um truque já não era mais uma possibilidade.
— Já sei! Devo ter aqui alguns registros de onde eu vim mas essa câmera eu usava geralmente em ambiente de trabalho, então vou mostra-la eu atuando como cientista. – falei em animação. Ela ficaria ainda mais surpresa.
Procurando por meio de tantos arquivos consegui encontrar um em específico, era novamente uma foto, daquela vez eu naquele enorme e nostálgico laboratório, qual eu tanto tinha saudades. Na foto era possível me visualizar, lembrava daquele dia, eu vestia em uma roupa social que não era possível ser vista pois o jaleco branco que eu trajava não dava espaço para ver além. Connor estava ao meu lado, posando comigo, atrás de nós era possível ver a máquina qual naquele dia trabalhamos até tarde.
— Esse é um grande amigo e também cientista, Connor. – expliquei para a mulher que fitava a pequena tela daquela câmera com atenção, tentando lidar ao se deparar com trajes tão distintos e com o tipo de ambiente qual nunca viu antes. – nossa, eu ficava maravilhosa nessas roupas.
— Quanta modéstia!
Rindo de sua reação a minhas palavras, cliquei no botão para saber o que antecedia aquela foto, e se tratava de um vídeo. Eu costumava fazer vlogs com aquela câmera, pontuando cada detalhe de meus avanços com aquele projeto. Decidi clicar no play para ela ver como aquilo funcionava e no conteúdo do vídeo. Novamente Karla se viu espantada pois assistir um vídeo era ainda mais intrigante do que a tecnologia fascinante de uma foto.
Naqueles vlogs nunca postados, eu me encontrava sentada frente a uma mesa, tendo como cenário os vários computadores atrás assim como outros equipamentos servindo de cenário para a gravação. Como sempre, fazia como introdução a minha apresentação profissional, ditando um pouco de meu currículo esboçando uma seriedade e formalidade necessária.
"Eu me chamo Lauren Jauregui. Detenho de um diploma de bacharel em física, seguido de um mestrado e um doutorado em curso, especializada na teoria de Einstein. Por 3 anos fui professora de física na Universidade de Cambridge, mas declinei da profissão para seguir e focar minha carreira investigando sobre buracos negros e a relatividade geral, que são as teorias de espaço, tempo e gravidade exploradas por Albert Einstein.
Estou no dia 1467 buscando pelo sucesso do projeto que mudará a história da humanidade. Apesar de muitos testes falhos, estamos aos poucos avançando para o êxito. A máquina do tempo é um dispositivo que pretende revolucionar tudo e qualquer coisa que qualquer humano possa ter visto durante sua vida. Todo o projeto é baseado na teoria da relatividade geral, que segundo ela objetos massivos dobram o espaço-tempo. Se você pode dobrar o espaço, existe a possibilidade de você torcer o espaço. Na teoria de Einstein, o que chamamos de espaço também envolve tempo, é por isso que se chama espaço-tempo, óbvio. O que você faz com o espaço, pode ser feito com o tempo também.
Admito que por mais otimista que eu esteja, alguns de meus colegas estão céticos quanto ao sucesso de minha teoria. Ainda existem falhas profundas em minha matemática e em minha teoria, e, portanto, eles julgam que o triunfo parece inatingível.
Mas eu acredito que é teoricamente possível transformar o tempo em um loop que permitiria viajar no tempo para o passado. Eu construi um protótipo mostrando como os lasers podem ajudar a alcançar esse objetivo. Ao estudar o tipo de campo gravitacional produzido por um laser em anel, pode-se levar a uma nova maneira de olhar para a possibilidade de uma máquina do tempo baseada em um feixe de luz circulante.
Eu realmente não sei se seja necessariamente uma ideia frutífera, mas continuarei nessa busca complexa e muitas vezes controversa para construir uma máquina que mudará o curso e as percepções da vida humana.
Atenciosamente,
Doutora Jauregui."
— "Atenciosamente, Doutora Jauregui." – estava tão concentrada em assistir aquele arquivo enquanto tecia informações sobre o transcorrer de meu projeto, que me surpreendi com voz da mulher ao meu lado dotada de sarcasmo, imitando a forma qual finalizei o vídeo. – quanta prepotência!
— Não sou prepotente, sou assertiva, é diferente, e não há uma linha tênue sobre isso. – me defendi de sua alegação como se aquilo me ofendesse profundamente. Ela revirou os olhos e demonstrou uma faceta fingidamente tediosa. Ela estava cedendo... me preparei para buscar por outra coisa para vermos, pois realmente estava me agradando de ela ter conseguido baixar a guarda e se propor a ver um pouco de meu mundo. Cliquei no botão de regressar para conseguir ver o arquivo anterior, afim de mostrá-la mais de meus vídeos informativos. – esse não importa. – falei ao ver a imagem congelada de meu rosto muito próximo da câmera, logo retrocedendo para ver o que mais tinha na memória daquele dispositivo.
— Então vale a pena ser visto. – ela ditou interessada.
— Com certeza é alguma besteira, majestade. – dei de ombros clicando para voltar para aquele exato vídeo sem receios, pois como aquela câmera eu destinava para usar em ambiente de trabalho, não teria nada impróprio. Até porque apesar de minhas desinibições, eu não era o tipo de pessoa que eternizava certos momentos em vídeos.
Cliquei no play para dar início aquela reprodução. A princípio era mostrado na tela eu buscando por ajustar a câmera para que a lente ficasse devidamente focada em mim, o que havia conseguido rapidamente. Ao me afastar, era possível ver meu corpo das coxas para cima. Não pude deixar de observar discretamente a expressão ocultamente escandalizada de Karla ao fitar aquela tela e me ver usando apenas uma calça social e um sutiã em tons escuros. Seu rosto ficou ruborizado no mesmo instante mas ela nada disse, por talvez cogitar que havia passado despercebido por mim.
"Como nunca mostrarei meus momentos de loucura falando sozinha para alguém, eu me cumprimento com um boa noite. Hoje o dia realmente foi cansativo."
Comecei em desabafo olhando para o espelho que encontrava-se atrás da câmera, não sendo possível ve-lo por aquela perspectiva que o vídeo exibia, enquanto abria um pequeno frasco de creme, logo pegando um pouco com as pontas dos dedos, preparando-me para passá-lo no rosto.
"A noite será recheada de muito trabalho, e apesar de ter a companhia de meu querido amigo Connor que agora deve estar se preparando em outro cômodo ou arrumando aquele seu topete terrível, me sinto sozinha hoje, por isso estou conversando com uma câmera afinal"
Sorri daquela vez olhando para a lente mas logo voltando o foco para o espelho, enquanto espalhava o creme que estava quase sem seus vestígios visíveis em minha pele.
"Mas serei franca, se há algo no mundo que me intriga mais do que as teorias de espaço-tempo, é a minha beleza."
— Isso só pode ser brincadeira. – Karla murmurou inconformada ao meu lado e minha vontade de gargalhar chegava a ser cruel.
Na reprodução do vídeo, daquela vez estava segurando uma blusa social azul clara, logo trajando-a com destreza, justamente com o jaleco que detinha de meu nome bordado em letras pequenas.
"Que caralho de mulher bonita, meus senhores"
Karla suspirou forte como se buscasse paciência e eu só sabia conter o riso.
Eu realmente me exibia fitando minha imagem no espelho conjuntamente no mesmo instante em que ajustava o jaleco em meu corpo, mesmo o tecido já estando totalmente alinhado.
"Amanhã teremos um jantar de ação de graças com toda a família, para o desagrado de meus primos, que certamente devem me odiar. Imagina que chato me ter como prima? As comparações devem ser horrendas, para eles é claro. Eu sou o rosto que estampará páginas de diversos livros futuramente, todos sabem. E espero realmente que abaixo de minha foto tenha a discrição 'A cientista sexy que revolucionou a história da humanidade'. Essa seria a discrição que melhor definiria."
Minha audácia ao finalizar aquele vídeo falando aquelas besteiras foi tanta, que antes de clicar no botão para parar a gravação, sorri de um jeito sedutor fitando a câmera dando uma piscadela no final, assim finalizando aquele vídeo.
Poderia sim me envergonhar das tolices que eu proferia, mas sabia que era de todo uma brincadeira. Me divertia em fazer aqueles vídeos enquanto me arrumava para rolar madrugadas dentro daquele laboratório, era como um escape. De fato nunca mostraria a alguém.
Mas alguém viu e estava bem do lado demonstrando-se incrédula.
— Meu pai amado... como pode? Deveria comercializar essa sua autoestima, com toda certeza seria um bom negócio já que não te falta. – não resisti em dar risada. Ela parecia estar inconformada.
— Estou pensando seriamente em seguir seus conselhos, majestade.
— Cogitei me reservar para digerir o fato da senhorita ser tudo o que diz ser, sobre ter criado um mecanismo que só poderia mais ser loucura de sua cabeça, mas agora vejo que não é isso.
— Não? – indaguei confusa.
— Não. Eu preciso realmente me reservar a um descanso para colocar os pensamentos em ordem, mas por esse seu egocentrismo absoluto. Como uma pessoa pode se auto enaltecer por tantas vezes seguidas como se estivesse cortejando a si própria?
— O que eu posso fazer se sou bonita? É inquestionável. – falei tentando conter a risada devido suas reações. Eu adorava tirá-la do sério. Cliquei no botão da câmera a desligando, logo após colocando-a de volta dentro do saco de linho. – está tarde, vou deixá-la descansar.
Ela concordou em um acento, e logo apontou para os objetos em cima de uma escrivaninha.
— Guarde-os, pode ser em uma de minhas gavetas. Essa sua engenhoca não pode ficar à vista. – ela citou e eu logo atendi, internamente satisfeita por ela ter me pedido para guarda-los e não para me livrar.
Após cumprir o que me foi pedido, me encaminhei em direção a porta e ela me seguiu meio que automaticamente.
Abri a porta pronta para ir, mas antes, me aproximei sorrateiramente enquanto ela estava distraída me olhando com a cabeça possivelmente aturdida em vista a tudo o que viu naquela noite. Me inclinei para a frente e depositei um beijo casto e rápido em seus lábios antes que ela pudesse contestar. Ela me fitou surpresa e meus olhos encontraram os seus por um momento. Apenas lhe dei um sorriso inocente e me afastei rapidamente, como se nada tivesse acontecido.
Cheguei ao quarto de serva pessoal, e quando fechei a porta atrás de mim, não soube conter o sorriso em meu rosto, sentindo-me triunfante por aquela noite não ter sido um fracasso como por vezes me peguei imaginando. Houve sim muitas coisas fora de meu roteiro mental, mas no final as coisas haviam ficado esclarecidas.
Que ela acreditasse em mim... não havia como me questionar. Pedia vagarosamente e de maneira incessante internamente. Ela precisava acreditar em mim.
Precisava.
[...]
Um novo dia chegou e com ele experienciava a sensação de um peso ter saído de minhas costas. Era uma sensação estranhamente boa de uma liberdade particular qual tanto almejei sentir. Karla finalmente sabia sobre mim, eu não precisaria mais me esconder, fingir diante a situações e aquilo me reconfortava de um jeito indescritível.
Durante o dia eu me reservei a minha família, visto que como havia passado a noite no palácio, teria um tempo de descanso ao decorrer do dia para logo após voltar ao trabalho. Digamos que não era num todo um descanso de me reservar a molezas, visto que em casa não faltavam afazeres, tanto quanto as horas quais passava dando aulas a minha filha.
Na tarde quase já chegando a noite, mesmo sem deter de atividades a cumprir, Asalam me acompanhou ao palácio. Ele se negava a deixar-me ir sozinha. Ele não admitia, mas era nítido o seu receio de que algo me acontecesse novamente. Asalam era um bom amigo, era o meu melhor amigo, para ser sincera. Era um homem honesto comigo ao me tecer sermões quais não me agravam e ele tampouco se importava, queria meu bem no final das contas. Seu desejo de proteção a mim era nítido. Eu tinha sentimentos por si quais não sabia medir.
Pela noite cumpri o meu trabalho durante a ceia da rainha, ela que não me procurou nem mesmo com o olhar por aquele dia. Eu não sabia o que pensar. Ela me confundia de um jeito qual ninguém nunca o fez.
Felizmente as horas se passaram e eu pude me recolher. Sentia-me cansada de tantos pensamentos de uma única vez em minha cabeça. Era como eu fosse me sobrecarregar a qualquer momento. Tentei afastar as negatividades da mente, e me direcionei ao banheiro em busca de um bom banho para logo em seguida conseguir ressonar. Necessitava daquilo.
Comecei a me sentir mais relaxada, como se todos os meus músculos estivessem se soltando e se liberando da tensão. A água morna penetrou em minha pele, aliviando todas as dores e tensões. Capturei a toalha e me pus a enxugar meu corpo. Quando estava devidamente seca, caminhei para fora do banheiro daquela vez passando a toalha pelas mechas de meus cabelos a fim de retirar um pouco da umidade dos mesmos. Após aquele banho eu me sentia como se estivesse flutuando em um mar de tranquilidade, longe de todas as preocupações e estresses do mundo.
Suspirei dando passos lentos, foi quando dei um grito em expressão como "ah" esganiçado ao notar que alguém havia entrado ali.
— Meu Deus do céu! – a mulher praticamente gritou aquilo, sua voz elevada se misturou com meu grito de susto pois não esperava.
Ela virou rapidamente de costas para mim no mesmo instante em que me viu sem roupas.
— Caramba, por que você não bateu na porta? – questionei enquanto rapidamente envolvia meu corpo com a toalha de maneira desajeitada pela pressa.
— Eu não preciso receber aval nenhum, senhorita. – disse ela de costas cobrindo os olhos com as palmas das mãos. – pela virgem Maria...
Quis rir de sua reação escandalizada mas me contive.
— Pronto. Estou coberta. – avisei e ela se virou lentamente em minha direção mesmo estando receosa. Ela estava completamente desconcertada, tanto que sequer me olhou nos olhos.
— Por que fez isso? Costuma andar desnuda por aqui? – indagou desgostosa.
— Eu estava no banho, majestade. Sequer fazia ideia de que entraria aqui assim. – lhe citei o óbvio em tamanha sinceridade. – houve algo? Precisa de mim agora?
— Não. Nada. Esqueça isso. – disse ela voltando atrás em suas pretenções ali.
— Não, me fale. Não precisa ficar tão constrangida. Vamos esquecer isso. – insisti visto a curiosidade de sua visita inesperada.
Ela pareceu ponderar suas decisões.
— Vá aos meus aposentos. – ditou somente e virou para ir, mas antes concluiu. – mas vá vestida, pelo menos.
Ela saiu daquele cômodo com pressa eu sem resistir dei risada de sua fala. Eu sabia que ela não duvidaria que eu pudesse ir ao seu quarto sem vestes. Como ela mesmo afirmava, eu era uma mulher de despudores.
Ela não estava errada, afinal.
Me apressei em vestir uma roupa e arrumar os cabelos molhados, deixando que se secassem naturalmente.
Que falta eu tenho de um secador. Pensei.
Não demorei tantos minutos ao estar a frente da porta de seu quarto, dando leves batidas a fim de informar a minha chegada.
Karla deu aval para que eu adentrasse e assim eu o fiz, indo de encontro a ela que nada falou.
— E então? – questionei deixando o restante no ar, dando-lhe a entender que eu a perguntava sobre o que precisava de minha pessoa naquele momento.
— Não preciso de nada. – ela alegou e franzi o cenho curiosa. – eu disse que iríamos conversar... estou cumprindo minha promessa.
Aquilo me pegou de surpresa em vista a rapidez qual os fatos aconteceram. Ela geralmente não era uma mulher que agia em tanta pressa.
— Nunca duvidei disso.
Falei um tanto numa mentira, visto que realmente cheguei a duvidar. Dela eu esperava tudo.
— Vamos para a varanda. É mais fresco que aqui dentro, e algo nos espera... – disse ela começando a dar passos em direção aquele local e eu acompanhei.
Antes mesmo de pensar em questiona-la sobre, fui surpreendida por uma cena acolhedora e convidativa. No chão, havia uma tábua de madeira rústica, coberta por uma variedade de queijos, uvas e outros petiscos. Ao lado, havia uma garrafa de whisky, com dois copos preenchidos e prontos para serem saboreados.
O chão estava repleto de almofadas em tons escuros e confortáveis, que pareciam convidar a pessoa a se sentar e relaxar. A luz suave e aconchegante das velas espalhadas ali criava um ambiente íntimo e acolhedor, perfeito para uma noite de relaxamento.
— Uau... – foi o que consegui expressar ao me deparar com tudo ali a minha frente.
Karla sorriu ao me ver tão abstraída ao observar cada detalhe ali.
— Gostou? – ela perguntou em expectativa a minha confirmação.
— Gostar é eufemismo para tudo isso. – expressei ainda absorta.
Me senti totalmente atraída por toda cena ali, e espelhei seus movimentos em me acomodar confortavelmente sobre as almofadas, nos sentando em lados opostos, sentindo o aroma dos queijos e do whisky.
Karla capturou os copos em suas mãos e fez questão de me estender um, logo levando-o aos lábios e eu fiz o mesmo, sentindo o sabor suave e complexo do whisky.
Fiz o que ela havia me ensinado um tempo atrás, folheando minha biblioteca aromática e palatável a fim de descobrir os ingredientes quais foram necessários para compor aquele destilado. Ao provar, o whisky era suave e sedoso, com um corpo médio que se desenrola lentamente no paladar. As notas de baunilha eram intensas e deliciosas, lembrando um creme de baunilha fresco e doce. Ao mesmo tempo, o whisky também apresentava notas de madeira, como carvalho e noz, que adicionavam profundidade e complexidade ao sabor.
— Esse é distinto daquele qual tomamos outrora. – observei sentindo um sabor diferente em relação ao outro. – tem um sabor doce de baunilha...
— Exatamente! – ela confirmou desmontando-se orgulhosa de meus palpites corretos. – Não há destilado no mundo mais fascinante que este. Esse whisky contém notas de baunilha doce e cremosa que se misturaram com o sabor de madeira e especiarias. É um whisky perfeito para ser saboreado sozinho, ou para ser acompanhado de queijos ou outros petiscos que complementem seu sabor rico e complexo.
— É delicioso! Mas pelo visto, sua pretensão não é que venhamos a degusta-lo sozinho. – comentei em vista da tábua recheada a nossa frente.
— Exato. Além do whisky, gostaria que também pudéssemos harmoniza-lo com algumas opções de queijos. Eu trouxe esses que mais combinam com esse whisky, esses quais tem um sabor suave, cremoso e ligeiramente doce. Esses são: Brie, Camembert e Emmental. – disse ela apontando para cada um a fim de apresentá-los. – gostaria que provasse-os.
— Eu realmente não quero ser indelicada... – falei um tanto sem jeito.
— Pode dizer.
— Eu já experimentei todos. – sorri sem graça. – me desculpe, não queria estragar o momento...
Eu não queria mentir para ela. Não me sentiria bem em fingir sensações como se fosse a primeira vez, porque de fato não seria.
— Ah... – foi nítida a decepção em seu tom de voz.
— Mas vamos, deixe-me prova-lós. – incentivei. – faz anos que não degusto desses tipos de queijos, por motivos óbvios. O único queijo qual comi aqui com mais frequência, se assim posso dizer, foi o queijo do fazendeiro. Então, não seria tão mal eu provar dos queijos feitos para a rainha de Azohá. Devo confessar que queijo brie é o meu favorito, então talvez o daqui não tenha tanto um gosto amargo e terroso na casca, que era a única coisa que eu não tinha tanto apreço.
Falei no intuito de mudar a curva desconfortável que ficou ali, mas ela balançou a cabeça negativamente.
— Então não deve ter mudado muita coisa, pois esse detém dessas características que acabou de citar. – sua desanimação ali ficou explícita.
— Desculpe, não queria ter estragado isso aqui... – falei com pesar. Talvez tivesse sido melhor ter fingido no final das contas.
— Não se preocupe. Prefiro sua sinceridade.
Me reservei a buscar por uma fatia pequena daquele queijo, que apesar de já ter provado centenas de vezes em minha vida, estava curiosa por o fazer novamente. Me surpreendi totalmente por aquele em específico ter uma textura única, era um pouco crocante e quebradiça, ao mesmo tempo em detinha de uma textura macia e sedosa, com um aroma mais intenso e convidativo daqueles quais eu era habituada a consumir.
— Caramba... – ela se dispôs a me olhar atentamente. – esse é muito melhor daqueles quais já experimentei. – contei ainda sentindo aquele gosto característico em meu paladar. Aquele queijo era uma obra-prima!
— Está dizendo a verdade? – indagou receosa.
— Definitivamente! – confirmei prontamente. – Você é uma mulher de muitos privilégios. É invejável, devo admitir! – confessei capturando mais um pedaço daquele queijo.
— Não tantos privilégios quanto os que gostaria. – suas palavras me chamaram a atenção. Ela aparentava era sem jeito, e eu julgava saber o porquê. Nós estávamos ali para tratar de certos assuntos, quais ainda não haviam tido início. Ela aguardava por mim, era claro.
Pigarreei tentando me preparar para nos livrar daquela tensão qual havia pairado ali, para ser verdadeira em minhas palavras e intenções. Precisávamos deixar tudo ali na mais perfeita clareza, e aquele assunto não poderia mais ser adiado.
— Karla... eu realmente preciso lhe dizer o quão lisonjeada estou a frente de tudo isso que está me proporcionando, principalmente a honra de sua companhia, assim, dessa forma tão livre ao estar à minha presença sem represálias. – comecei ditando tudo aquilo que se passava a minha mente e ela me observou atentamente mesmo sem conseguir esconder a timidez sabendo bem o caminho que aquilo ali iria seguir. – Quero tanto que possamos ter algo saudável, sem esses embates que constantemente nos vemos tendo.
— O que quer dizer com isso?
— Eu não posso mais esconder e nem tampouco quero. Somos mulheres adultas, não precisamos ficar de rodeios em algo que está explícito aqui. Eu quero que seja minha... de verdade.
Karla por sua vez estava com as mãos entrelaçadas no colo, e os olhos fixos no chão. Seus corpo demonstrava-se tenso à frente de minha sinceridade, e ela se remexia inquieta, como se estivesse sentindo uma desconfortável sensação de ansiedade.
— Vou te ser sincera. – ela disse.
Aquilo não era um bom sinal. Quando alguém falava aquilo nunca era. Fiquei em um nervosismo incomparável.
— Anseio por isso. – lhe respondi tentando não ser tão covarde em ouvir suas verdades.
— É tudo muito novo, eu sequer sei como agir. Como você já bem disse, detém de experiências, viveu coisas com outras pessoas quais eu nem consigo imaginar. – ela suspirou mas logo prosseguiu. – Acho que não consigo lidar com isso, com tudo isso... quero que saiba que eu realmente gostaria, mas não consigo.
Meu olhar vagou pelo ambiente, procurando por algo que me ajudasse a encontrar as palavras certas. Mas tudo o que eu via era o silêncio e a expectativa dela aguardando um resposta, o que fazia-me ficar ainda mais ansiosa, visto sua espera por uma concordância.
— Eu entendo, de todo coração, eu entendo. Mas você não precisa tentar ditar com antecedência todo passo que dará, precisa apenas colocar na mente que certas coisas não dá para controlar, apenas viver, deixar acontecer. – meu nervosismo estava além, tanto que tentei convencê-la.
— Mas eu não consigo deixar acontecer. – disse ela em uma certeza que me incomodava.
Respirei fundo ao ouvir suas palavras e tentei me acalmar, mas minha mente estava em branco. Não sabia o que dizer. Sabia que poderia me deparar com sua negativa, mas não me preparei devidamente para aquilo.
— Então tudo bem. – concordei por fim.
Eu gostaria, mas não consegui não revelar minha insatisfação. Eu não deveria ficar feliz e não soube negar em expressões e ações, quando sacudi a cabeça tentando afastar os pensamentos ainda mais indesejados, o que acarretou nela se remexer inquieta sobre as almofadas.
— Não consegue lidar com minha sinceridade, esse é o seu problema. – ela citou detendo de uma expressão de descontentamento no rosto.
— Não, meu problema é não conseguir lidar tão bem com uma rejeição escancarada. Mas essa questão é comigo e não com você, não se engane. – fui sincera. Se ela não conseguia, eu não poderia dedicar minha vida inteira tentando mudá-la, estava em seu direito, afinal.
— Não se trata de uma rejeição, entenda. Eu desejo... – disse ela aquelas palavras como num sussurro, como se fosse proibido o suficiente para ser expressado em alto e bom som. Movi a cabeça em negação e ação a tirou de seu sério. – eu simplesmente não posso e tampouco quero largar minha doutrina religiosa devido a sensações quais sequer sei enfrentar. Não me faça escolher entre você e o meu Deus, pois a resposta você já sabe.
O problema ali era que Karla estava habituada a tudo ser da maneira que ela queria, então naquele momento ela julgava que eu sequer poderia demonstrar uma decepção. Mas ela tinha que entender que nem tudo estaria no seu controle, tampouco eu. Por isso, não mais me importei em estragar aquela noite qual havia começado tão bem com meu revide a si.
— Oh, sim. Um Deus que a priva de viver os sentimentos que sente. Uma boa escolha. – não consegui segurar o sarcasmo em minhas palavras. Era inacreditável o que a igreja transformou a mente dela.
— Não fale besteiras. Eu tenho discernimento o suficiente de ter entendimento do que me convém. Deus não me priva, pelo contrário, me ama. Deus ama de forma incondicional porque ama a todos. Devemos ser um espelho Dele.
A ideia de uma noite tranquila havia ido por água abaixo, visto que novamente estamos à frente de embate.
— Karla, responda-me com toda a sinceridade que existe em si. Se o seu Deus é amor, como repudiar qualquer forma de amar? – Karla ficou em silêncio, como se realmente não soubesse responder-me tal pergunta. – Quem ama, simplesmente ama. Quem não ama, não conhece o que é amor. E como tal, aptos a amar, auxiliar, perdoar, como agir e como reagir. Se o seu Deus é o amor incondicional, então ele também será o meu Deus.
De repente a tensão ali aparentou se amenizar em vista de uma Karla que demonstrou-se pensativa ao ouvir minhas palavras.
— Eu não sei... acha que de alguma maneira isso daria certo? – sua indagação veio cheia de interrogações, mas antes que eu pudesse responder ela emendou uma outra pergunta. – conseguiria lidar com minha confusão e minhas repetitivas inconstâncias?
— Eu já venho lidando com isso há bastante tempo... ainda é capaz de duvidar de minhas virtudes em ter paciência? Devo ser a pessoa mais paciente que conhece. – tentei parecer óbvia sabendo que não era. Mas não resisti em sorrir em lhe dizer aquilo em vista de todos meus surtos de impaciência.
— Não é não. Mas vou deixa-lá pensar que sim.
Karla me deu um sorriso tímido, e mesmo parecendo hesitante, aproximou-se lentamente, sentando-se ao meu lado. Quando chegou perto, novamente pareceu hesitar sem saber se deveria se aproximar mais. Mas então, eu quem fiz questão da proximidade, com um movimento suave e delicado, encostando-me a ela lado a lado, permitindo que meu ombro tocasse o dela. Senti um arrepio de excitação ao sentir o contato físico. Karla pareceu sentir o mesmo, visto que olhou para baixo tentando esconder o seu rosto, mas não pôde evitar um sorriso acanhado.
Aos poucos uma sensação de segurança e conforto pareceu pairar sobre ela, e seu medo e timidez começaram a se dissipar quando como outrora, encostou sua cabeça em meu ombro.
Era tão confortável...
Ela era uma mulher surpreendentemente multifacetada. Ninguém jamais citaria que se tratava de mulher um tímida, quando em seus dias sua postura era tão imponente e autoritária.
— Estou surpresa... você é tímida. – não resisti em pontuar.
— Não percebeu isso antes? – ela quem parecia surpresa ali.
— Não. Você é uma pessoa de autoridade implacável. É temida demais. – me recordei do dia em que ela fez todos estremecerem com suas palavras firmes na sala do trono, definitivamente não parecia a mesma pessoa que estava ali ao meu lado.
— Nunca permiti que minha timidez me impedisse de tomar decisões difíceis ou de enfrentar desafios. Nem posso me dar a esse luxo, afinal. – de fato ela tinha razão.
— Faz sentido.
Mas, não podia deixar de sorrir a tantas perguntas sem respostas que haviam em mente naquele momento sendo esclarecidas.
Karla se aconchegou ainda mais em meu ombro e respirou fundo como se reunisse forças e coragem para suas próximas palavras a serem ditas ali.
— Eu sei que você sabe, mas gostaria de ressaltar que não detenho de uma liberdade para me dispor a intimidades, como as que sei que gostaria de ter.
Eu tinha conhecimento sobre. A maioria das mulheres ali não cultivavam relações sexuais não estando em matrimônio. Ela, principalmente, não seria diferente.
— O que quer dizer? – mesmo sabendo, queria ouvi-la.
— Não pode criar expectativas sobre deitar-se comigo. Relações íntimas sem estar em matrimônio é prostituição. Definitivamente não quero ser a primeira rainha prostituta da história.
Não resisti em dar risada de suas últimas palavras. Ela era exagerada demais.
— Você leva certas coisas literalmente ao pé da letra. – comentei.
— É apenas a verdade nua e crua. – ela falou dando de ombros. – eu sigo o celibato voluntário por questões religiosas, coisa essa que não é para todo mundo, tampouco para você que tem uma disposição intensa...
— Alguns problemas existem mais na nossa mente do que na realidade. – discursei decidida.
— Do que está falando? – indagou confusa.
— Eu me disponho a seguir seu celibato. – falei em certeza.
— O quê? Não faça brincadeiras comigo. – naquele momento Karla quebrou nossa proximidade para me olhar nos olhos demonstrando-se embasbacada.
— Eu não estou brincando. – alertei.
— Faria isso? Abdicaria de uma vida de luxúria apenas para estar ao meu lado? – sua reação estupefata demonstrava o quão perplexa ela estava por minhas palavras.
Estava me esforçando firmemente para entender as razões por trás de suas escolhas, para respeitar sua capacidade de tomar decisões próprias.
Apesar de me sentir estupidamente atraída fisicamente por ela, eu valorizava sua autonomia. Gostaria que ela soubesse de meu profundo respeito a sua pessoa. Eu sabia que cada pessoa tem seu próprio caminho a seguir, e que essas suas escolhas a fazia ser única. Por isso, não tentaria de maneira alguma refutar nem tampouco impor minhas próprias opniões sobre o que ela se esforçava para manter uma mente aberta e receptiva.
Enxerguei ali que meu papel era de ouvi-la e apoiá-la.
Então se a condição de compartilhar a vida junto a ela fosse aquela, eu aceitava sem pensar duas vezes.
— Entendo seus receios e quão disposta está para tudo isso, eu sei que não consigo parar de demonstrar o quanto te quero de forma íntima, mas quero que saiba que vai muito além disso. Eu gosto da maneira como nossos diálogos se desenrolam e se encontram, eu gosto da nossa conexão. Eu aprecio os momentos que passamos juntas, é como se o tempo parasse e tudo o que importa seja estar ao seu lado. Essa parte carnal faz parte visto todo o desejo de estar próxima a você, mas Karla... eu não quero e tampouco consigo mais esconder o quão apaixonada estou por você. Então eu quero e vou estar ao seu lado com ou sem sexo.
— Promete que está me falando a verdade? – podia jurar que seus olhos brilharam naquela hora.
— Sim, eu prometo. – falei dotada de segurança.
— Você é tão bonita... – notei seu sorriso após sua fala, e não resisti a retribuir de forma cúmplice.
— Eu sei. – falei em tom de humor, para logo após receber um tapa leve no braço, o que resultou em nossas risadas.
Seu rosto ficava ainda mais lindo quando sorria.
— Muito convencida, Doutora Jauregui.
Era fora de minhas intenções deixá-la desconfortável, não queria e nem iria pressioná-la, apesar de muitas vezes me pegar agindo somente pelo desejo. Karla não era qualquer pessoa, era uma mulher diferente que detinha de medos e crenças que somente ela entendia, e pelo menos se permitir a estar comigo mesmo não sendo de uma forma íntima, era algo muito significativo e de valor incalculável.
Peguei a sua mão delicadamente, como se estivesse segurando uma flor frágil. Me inclinei um pouco para frente, meu rosto se aproximando da mão dela. Então, com um movimento suave e gentil, meus lábios tocaram a pele dela. Aquele beijo era um selo de respeito.
— Então agora eu posso chamá-la de minha? – tentei questiona-la da forma mais galante possível, foi irresistível me conter naquela pergunta.
Sentia-me como uma criança ansiosa por uma resposta.
— Pode. – ela cobriu o rosto com as mãos em completa timidez. Seus dedos entrelaçaram sobre suas bochechas, como se estivessem tentando esconder sua face ruborizada.
Eu estava encantada em conhecer aquele lado dela. Era tão terna a maneira que ela agia sem ao menos perceber, com vergonha de me encarar, sendo suas mãos a única coisa que podia protegê-la da exposição.
Eu estava radiante de felicidade, com um sorriso largo no rosto, não soube disfarçar. Sentia meus olhos brilharem como uma luz interna, como se estivesse esses refletindo a alegria que experimentava por dentro.
Daquela vez, seu rosto estava relaxado e sereno, sem qualquer traço de preocupação ou estresse. Em vez disso, estava iluminado por uma expressão de satisfação. O silêncio ali se instalou... mas não era desconfortável.
Nosso silêncio não durou muito, pois Karla o quebrou ao apontar para o céu.
— Olhe, uma estrela cadente. Devemos fazer um pedido! –expressou-se em uma animação.
— Pedido? Não. Não acredito nessas coisas. – mesmo frente à sua euforia, neguei em prontidão. Não podia engana-la fingindo ter crenças que não eram minhas.
— Por que não? – ela questionou confusa.
— Realmente quer saber o que é o que você chama de "estrela cadente"? – não era de minha vontade cortar sua felicidade ao se deparar com aquilo, mas no fundo gostaria que ela soubesse o que eram aquelas coisas que ela tinha como algo extraordinário.
Na realidade não era.
— Diga.
— Isso o que acabamos de ver despontar do céu na verdade não é uma estrela. São apenas rochas espaciais, chamadas de meteoroides, que vagam pelo espaço, em torno do Sol e próximo à Terra. Quando eles entram em alta velocidade na atmosfera terrestre, ocorre o fenômeno que chamamos de meteoro. Ao entrar na atmosfera terrestre eles se incendeiam devido ao atrito com o ar, formando esse rastro luminoso no céu. É apenas isso, não é, necessariamente, um evento raro. – dei de ombros mesmo sabendo que poderia a ter desiludido sobre tal episódio.
Ela se mostrou pensativa após minha fala, tentando refletir. No fundo ela sabia que o que eu falava havia um embasamento de fato.
— Você é uma estraga prazeres! Agora irá envolver sempre fatos científicos em tudo o que a entorna? – comentou um tanto desgostosa.
É, eu me excedi. Não deveria ter lhe contado a verdade. Me praguejei internamente.
— Tudo bem. – levantei as mãos em rendição. – me fale o que é uma estrela cadente para você.
Decidi abrir caminho por outras direções ali. Realmente gostaria de ouvi-la sobre suas cresças sobre o que na verdade seria para ela aquilo que ela chamava carinhosamente de "estrela".
— A estrela cadente é um símbolo de renascimento, mudanças e iluminação. Sinal de boa sorte. Meus antepassados diziam que estrelas cadentes apareciam quando Deus abria o céu para espiar a terra. Se você fizer seu desejo antes que a estrela desapareça, Deus pode ouvir e conceder desejos. – ela explicou cuidadosamente, como se desejasse que eu acreditasse em sua versão.
— Sua parte é mais interessante de se ouvir do que a minha. – admiti.
— Com toda certeza.
— Vamos, então. Faça o seu pedido. – a incentivei mesmo não acreditando firmemente. Apenas gostaria de agradá-la.
— Não, a estrela já passou. Não irá mais valer. – ela declinou dando de ombros demonstrando-se não mais estar interessada naquela pauta.
— Não importa. – rechaçei seu declínio. – O que importa é que a vimos, não? Deve estar no prazo de funcionamento, vamos tentar! – me reservei a insistir.
— Tudo bem. Você começa! – novamente Karla mostrou-se animada sobre aquele tópico. Era indiscritível vê-la daquela maneira tão solta.
Tudo em sua presença parecia estar impregnado de uma sensação de alegria e contentamento, irradiando uma energia positiva que me contagiava.
Pensei por uns instantes no que dizer, em qual seria o meu pedido se eu tivesse a oportunidade de ver o mesmo sendo realizado.
— Bom, meu desejo é mais sobre libertação para eu mesma. – comecei.
— O que quer dizer? – indagou ela curiosamente.
— Acho que seja comum querermos que os filhos compreendam e até mesmo compartilhem nossos afetos. Ainda que seja uma quimera. Por isso eu desejo firmemente ter discernimento para que eu liberte minha filha da necessidade de ampliar meu ego, de querer satisfazer os desejos ou objetivos que eu não cumpri para mim, ou de que ela se sinta obrigada a me orgulhar, desejo que ela escreva sua própria história de acordo com sua vontade de experimentar aquilo com que alegre seu coração. – falei aquelas palavras com toda sinceridade que havia em mim. Eu realmente queria que aquele meu desejo fosse realizado, por isso fiz questão de demonstrar toda emoção que havia em mim em meio aquelas frases.
— Você tem uma maneira de pensar muito bonita, é digna. Tenho certeza de que irá conseguir cumprir com seu desejo, pois a verdade é que o amor é uma decisão e não apenas um sentimento. Ele não busca os seus próprios interesses, é sofredor e transformador. E quando o amor é demonstrado verdadeiramente, como foi planejado para ser, tudo é possível. – o tom suave em sua fala era reconfortante.
— Por isso eu também quero que saiba que desejo libertar a você da obrigação de me completar, eu já estou completa, nada me falta, tudo está dentro de mim. Minha felicidade depende de mim assim como a sua depende de você. Quero aprender e evoluir junto a você, mas com a asserção de que se falharmos também serei responsável por atrair a situação. Quero poder honrá-la com a minha vida, fazendo o melhor que posso para fazê-la feliz, digna e prospera.
Fitei o rosto de Karla que demonstrou-se radiante, como se estivesse iluminada por dentro. Ela sorriu, com os olhos brilhando o que me levou a sorrir também. Sua emoção foi tão intensa que parecia quase palpável, como se ar ao redor dela estivesse carregado de felicidade. Seus dedos se entrelaçaram nos meus, e fiz questão de acaricia-los, satisfeita por poder proporciona-la aquele momento de leveza.
— Muito pedidos em um só. – ela comentou sorridente.
— Eu sou uma pessoa de muita demanda. Mas e o seu pedido, qual é? – questionei, realmente estava ansiosa para ouvir suas palavras daquela vez.
— O meu já se realizou. – ela comentou convicta.
— Como sabe?
— Porque meu pedido está diante aos meus olhos.
Não soube esconder meu sorriso ao ouvir aquelas palavras. Estava tão feliz como há muito tempo não me sentia. A puxei para mais perto, com um gesto gentil e carinhoso. Nossos lábios se encontraram em movimento suave e natural, e nós perdemos no momento, esquecendo tudo ao redor.
Me sentia realizada, como se estivesse vivendo o momento mais feliz de minha vida. O beijo era como uma confirmação de nossos sentimentos. Quando nos afastamos, ela sorria. Eu sabia que havia encontrado algo especial com ela, algo esse que nunca mais queria perder.
Ela deitou um pouco desajeitada com a cabeça apoiada em meu ombro novamente, e envolvi o braço ao redor dela, segurando-a com carinho. Ficamos em silêncio, perdidas na contemplação do céu. Estávamos tão próximas que podia sentir o calor de seu corpo, o ritmo de nossa respiração sincronizada.
Era notório o quão sentíamos tão relaxas e confortáveis que parecíamos fazer parte do próprio céu, perdidas na beleza e na magia do universo. Tão conectadas que parecíamos únicas, uma única alma que estava explorando os segredos do cosmos.
Suspirei diante aquela noite silenciosa e tranquila com ela envolvida em meus braços, imersa na paz e serenidade do momento. Eu sabia que nunca esqueceria aquela noite mágica sob as estrelas.
•
O que acharam do capítulo?
Enfim, veio aí as namoradinhas mais aguardadas do reino!
Meu intuito nessa estória é que vocês acompanhem a evolução de uma relação mais próxima da realidade. Entre elas não é tudo perfeito, obviamente. Mas é genuíno.
Aguardarei ansiosamente vocês no próximo!
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