Estaciono o carro em frente a garagem da minha casa desligando-o em seguida. Kyle me segue até a porta da frente enquanto eu a destranco lhe dando espaço para entrar assim que a abro.
- Bela casa. - a ouço elogiar quando me viro.
Minha casa não é muito grande já que só eu, minha mãe e meu irmão morávamos, e não tínhamos tanta grana para gastar com toda a nossa mudança para Greendale após a morte da minha avó. Mas tudo nela, desde a sala de estar até os quartos e cozinha, são bastante aconchegantes apesar de ainda não ter me acostumado com tudo aqui.
- Obrigado. - sorrio rapidamante.
Atravesso a sala de estar subindo as escadas a procura de minha mãe
- Ela deve estar na cozinha. - assim que volto a descer, minha mãe aparece na sala de estar com algumas caixas vazias - Oi, mãe. - digo nervosamente enquanto a mesma encarava Kyle com um leve sorriso nos lábios.
- Oi, vocês. - sorriu animadamente - Maia, prazer. - cumprimentou com um aperto de mão.
- Kyle. - sorriu simpaticamente. Olho para as duas surpreso, mas sei que se tivesse tido tempo de pensar em um possível encontro entre minha mãe e Kyle - se é que eu pensaria em algo assim se tivesse - com certeza, imaginaria que as duas se dariam bem.
- Kyle é uma amiga da escola. - explico rapidamente passando as mãos por meu cabelo. Aquilo estava chegando a ser constrangedor, ao menos para mim. Eu não sabia que precisava me preparar para isso até acontecer. Rezo para que minha mãe não seja atrevida como ela normalmente é.
- A mesma que fez você chegar às duas da madrugada em casa? - sorriu me fazendo fechar os olhos envergonhado.
É disso que estava me referindo.
- Provavelmente. - Kyle responde sorrindo timidamente - Ele me deixou em casa, eu não estava...muito bem. - reprimiu os lábios - Desculpe se causei algum incômodo.
- De modo algum. - rebateu animada - Miles precisa aprender a ser um adolescente, as vezes. - diz á Kyle como se já fossem grandes amigas - Parece que eu tenho 17 anos de vez enquando. Venham comigo. - se virou voltando para a cozinha - Eu sei que sou um pouco liberal com meu filho, mas sabemos que matar aula está fora de questão. - deixou as caixas em um canto da cozinha indo até o outro lado do balcão - Algo a dizer, Miles Blackburn. - me encarou seriamente.
- Sabe que eu não tomaria uma decisão tão idiota matando aula, e voltando para casa sabendo que você está aqui. - rebato a refutando como sempre gosta que eu faça.
- Então qual o motivo de ter matado aula?
- Um motivo importante o suficiente para matar aula e me arriscar em vir até aqui onde você está.
- Meu garoto. - sorriu convencida apoiando-se no balcão. - Viu o que ele fez? - indagou para Kyle animadamente - Amo quando ele deixa qualquer um sem palavras. Será um ótimo advogado um dia. É um dom! - limpa o balcão agitada.
Suspiro tentando controlar minha vergonha. Me apresso em mudar de assunto quando Kyle se senta no balcão parecendo gostar da conversa.
- Mãe, você ainda tem aquelas coisas que você usa pra limpar literalmente tudo? - pergunto a vendo inclinar a cabeça confusa.
- Acho que meus produtos não limpam a sujeita adolescente de vocês. - vejo Kyle tentando controlar o sorriso.
Minha mãe gosta de levar absolutamente tudo para outro sentindo, um sentindo vulgar e malicioso.
- Mãe...- quase a suplico para que parasse.
- Tudo bem! - aceitou rindo de nossos rostos corados - Me mostrem a sujeira. - largou o pano de limpeza sobre o balcão nos seguindo até o carro de James - Tinta néon. - tocou os desenhos - Não vou nem perguntar como isso aconteceu. - zombou - Sorte sua que é tinta spray néon...para cabelo. - eu e Kyle nos olhamos surpresos e aliviados.
- Isso sai com água? Facilmente? - Kyle se aproxima dela. Minha mãe concorda sorridente.
- É preciso apenas uma boa lavagem, por fora e por dentro. - comenta ao abrir a porta do passageiro. O fedor de Lana é lamentável - Bom, boa sorte. Os produtos estão na garagem para facilitar o trabalho de vocês, vai deixá-lo novinho em folha.
- Obrigada, sra. Blackburn. - Kyle agradece com um sorriso bonito em seus lábios vermelhos. Animada com a ajuda de minha mãe, ela acaba a abraçando rapidamente. Minha mãe sorriu surpresa.
Eu definitivamente, não reconheço a Kyle à minha frente, mas gosto tanto dela quanto da garota descontrolada do telhado.
- Me chame de Maia. - Kyle assentiu ao se afastarem sorridentes - Eu gostei dela. - murmurou quando passou por mim.
Eu não apresento uma garota à minha mãe faz um bom tempo. Só não espero que com Kyle, ela crie expectativas demais como aconteceu da última vez.
- Ao trabalho! - Kyle me tira de meus pensamentos me puxando para a garagem.
Passamos quase uma hora lavando todo o carro, tanto por dentro como por fora. Não controlei as risadas quando a garota a minha frente tirou os tênis amarelos, amarrou a blusa, prendeu o cabelo cacheado em um coque e ligou o toca-fitas do carro, começou a dançar enquanto enxaguava as janelas de vidro das portas.
- Do que está rindo? - questionou do outro lado do carro. Podia ver seus rosto e um pouco do seu ombro por cima do teto do automóvel.
- Pensei que você só fosse agitada sob efeito do álcool. - respondo enquanto via mais um de meus desenhos desaparecer com a lavagem.
- Pra onde nós fomos quando saímos da festa? - sorri, seu batom quase já não era nítido em seus lábios.
- Não sabíamos muito bem para onde íamos. - começo ao lembrar detalhadamente em minha mente, como uma série de cenas turvas e agitadas. - Fomos para o centro da cidade. Estava tendo um festival de cores por lá.
- O 10⁰ festival de cores de Greendale. - lembra. - Eles acontecem quase todo começo de semestre.
- Esse mesmo. - concordo - Acabamos ficando por lá. Nos misturamos com as pessoas, compramos algumas tintas néon...- aceno para o carro a fazendo entender o que queria dizer - Dançamos feito loucos entre as danças, pintamos um ao outro. Você me fez beber um pouco, mas ainda me restara juízo e alguém precisava te levar de volta pra casa em segurança.
- Eu acordei com meu rosto coberto de tinta. - fez uma careta engraçada.
- Passei quase uma hora lavando meu rosto também. - comento a fazendo concordar - Não lembro muito bem o que aconteceu depois, mas nos infiltramos em um velório.
- Está falando sério? - me encara assustada.
- Você fez um pequeno discurso caloroso para um cadáver desconhecido. - digo receoso a fazendo paralisar.
Dou a volta no carro quando Kyle se vira colando suas costas no carro e deslizando pela porta até se encolher no chão atônita. Me abaixo a sua frente.
- Eu nunca mais vou beber, Miles. Nunca. Mais. - afirma com os olhos arregalados apoiando seus braços em seus joelhos dobrados - Nunca vou me perdoar por isso.
- Kyle, você estava bêbada, não sabia o que fazia. E alguns se emocionaram com seu discurso. - consigo fazê-la rir - É sério, não sei se foi o efeito do álcool, mas eu vi alguns chorarem. - sua risada aumenta sentindo seu corpo se apoiar no meu ao seu lado.
- Ok, você me convenceu. - me observou por um momento - Mas enquanto não lembrar totalmente de tudo, vai ser difícil dizer que foi uma noite boa.
- Foi a melhor noite da minha vida. - encosto minha cabeça no carro com o olhar longe - Nunca me senti tão vivo.
- Bom pra você. - rebate não muito convencida.
Não sei se é o fato de não se lembrar de nada ou de ter contado 90% de toda a sua vida para um completo desconhecido que eu era enquanto estava bêbada, mas ela se arrepende de tudo o que aconteceu. Enquanto aquela foi uma noite inesquecível para mim. Para Kyle não passou de um erro desvirtuoso.
Aquilo me frustrava de certa forma. Mas não a culpo. Em seu lugar, eu ficaria perdido.
Mas não posso deixar de confessar que é difícil ouvir de seus lábios que se arrepende de uma das melhores noites da minha adolescência, e não teria sido nada disso se não fosse, especialmente e unicamente, por ela.
"There is freedom within, there is freedom without, try to catch the deluge in a paper cup..."
Lembro-me da sua voz enquanto cantava "Don't dream i'ts over" do Crowded House no carro de James quando observávamos o céu estrelado no capô. Era como ouvir a Maya Hawke ao vivo em uma versão entendida e alucinógena.
Sorrio ouvindo o refrão da mesma música que tocava em meus headphones.
- Mais um cliente, fofinho. - me sobressalto com a voz de minha mãe ao tirar um fone de meu ouvido.
- Tô indo. - amarro meu avental na cintura pegando o cardápio da cafeteria. Atendo a moça de idade voltando para o balcão onde minha mãe organizava mais alguns pedidos - Mais um café expresso.
- Que carinha é essa? - minha mãe me encarava semicerrando os olhos como sempre faz quando quer ler meus pensamentos. Na maioria das vezes, ela consegue. Dou de ombros fingindo não entender - Você gosta dela. - declara parando o que está fazendo para me analisar melhor.
- Não sei do que está falando. - digo organizando as xícaras empilhadas. a cafeteria não tinha muito movimento aquele horário.
- Ah, você sabe. - me cutuca brincalhona - Já faz dois anos, filho. Já está mais do que na hora de você superar a Eleanor. - e sai me deixando ainda mais perdido em pensamentos. Suspiro me afastando do balcão.
Já faz dois anos desde a Eleanor, mas não significa que terei que superar meu último relacionamento com a Kyle. Ela mal deixa que as pessoas de sua família se aproximem, imagine eu que a conheci a pouco mais de um dia, e quando estava totalmente bêbada.
Eu quero que ela se lembre de tudo, principalmente de algo em especial. Talvez a medida em que se recorde da aventura que foi a noite passada sua opinião mude, e tudo o que eu senti ao seu lado seja mútuo. Mas não quero arriscar tudo o que Eleanor não fez questão de massacrar. Por isso, continuarei quieto até que algo aconteça, e se não acontecer, ao menos terei algo divertido para contar ao meu irmão antes de dormir.
Tirando as partes inapropriadas e totalmente desnecessárias para uma criança de seis anos, é claro.
***
Me contem o que estão achando da história. Espero que estejam gostando e não esqueçam de votar e me seguir no Instagram @Clarice.f.p
Até segunda!