Hamlet é um dos personagens mais emblemáticos que conhecemos. Seu famoso monólogo no qual se questiona sobre "ser ou não ser" veio do inglês "to be or not to be", que engloba mais dilemas individuais e universais do que a tradução popular para o português. Existir ou não existir, viver ou morrer, ser ou não ser, agir ou não agir são questionamentos sobre sua própria existência e seu poder de afetar a existência alheia. Morrer é certo e incerto, viver é sofrido. Será que tal existência deve sempre ser encarada em dicotomias, euforias e disforias? Esse tema é comum nos textos de William Shakespeare e traz um enigma: tudo ou nada, todos ou ninguém. Suas criações falam sobre termos que se misturam, mesmo sendo paradoxais, pois se aproximam quando parecem se excluir mutuamente. Para Hamlet, o "ser" é um abismo, o "vácuo que leva ao nada". De acordo com Harold Bloom, Shakespeare traz o oximoro da "boa morte" como questão essencial de suas personagens, que são plurais e multidimensionais, passando por mudanças no decorrer das peças. Antes dele, as personagens costumavam ser imutáveis: não se desenvolviam a partir de alterações interiores, e sim em decorrência de seus relacionamentos com os deuses, como diz o autor. As de Shakespeare se desenvolvem e se autorrecriam escutando suas vozes interiores. Hamlet seria um dos únicos personagens tão forte a ponto de bater de frente com Javé, Jesus e Alá, por exemplo, e tanto essas figuras religiosas e bíblicas quanto os escritos de Shakespeare têm em comum elementos universais, globais e multiculturais. A mimese shakespeariana traz realidade à mente, demonstrando a personalidade das personagens, que contém falhas de caráter, que pode ser corrupta, mas que segue sua vontade própria. Bloom diz que essa seria a invenção do humano, a instauração da personalidade como a conhecemos hoje, e tal mimese é universal, não apenas social. Shakespeare reflete a busca pela verdade, nossa vitalidade e entusiasmo, e segue sendo atemporal com o passar dos séculos. Nietzsche diz que a dor é a origem da primeira memória humana, que nos mostra uma ambivalência cognitiva e afetiva, o dilema shakespeariano, em que a personagem não mais segue seu destino virtuoso, mas é agente efetiva de suas próprias escolhas. Em sua análise, Harold Bloom diz que Shakespeare nos ensinou como e o que perceber, como e o que sentir em uma irrealidade naturalista. Shakespeare é universal porque conversa com o íntimo de todos até hoje, independentemente da cultura, desenha a distância entre sabedoria e transcendência, fala sobre o caráter individual de cada um de nós, reflete o mundo real e cria personagens como Hamlet, que deixam de representar a si mesmos e passam a ser algo além de indivíduos. Shakespeare é capaz de nos tornar teatrais.

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V?o Sentir Minha Falta #4
Short StoryColet?nea de minicontos, contos, textos e cr?nicas produzidos por mim para a faculdade no primeiro semestre de 2022.