| Garota do Blog |
Boa noite, excluídos e aberrações.
Achavam que o semestre em Nevermore seria apenas mais um desfile de garras afiadas, poções entediantes e escândalos reciclados? Pensem de novo.
Wednesday Addams acaba de pousar em nossos corredores góticos como um corvo em noite de tempestade - e já está deixando um rastro de calafrios por onde passa.
A nova garota parece ter saído diretamente de um conto de Edgar Allan Poe. Seus longos cabelos negros trançados caem sobre os ombros, criando uma moldura para um rosto pálido, mas sempre com um toque de mistério.
Uma beleza inimaginável, como uma escultura de Bernini. Mas não se enganem pela aparência macabra, pois W.A. é muito mais do que apenas uma fachada sombria.
A primogênita dos Addams foi expulsa de sua antiga escola por liberar piranhas na piscina durante o treino de polo aquático. E o resultado disso? Quatro atletas castrados e um novo recorde de trauma aquático. Wednesday não brinca em serviço - aliás, ela não brinca. Ponto.
E se vocês pensam que ela vai se encaixar em nossos círculos sombrios, pensem de novo. Ela não quer amigos. Ela quer enigmas. E, com seu olhar clínico e sorriso ausente, já está farejando todos os segredos sujos que vocês enterraram no bosque.
Apostem suas moedas amaldiçoadas, criaturas. Porque se tem uma coisa certa nesta escola, é que nada permanece enterrado para sempre - e Wednesday Addams está prestes a desenterrar tudo. Com estilo, sarcasmo e uma pá metafórica (ou talvez não tão metafórica assim).
|Vocês sabem que me amam.
XOXO - Garota do Blog! ♡ |
Pisquei lentamente após ler o celular de Martin. O desgosto veio mais rápido do que a morte do primeiro rato de Pubert. Eu ainda não havia chegado no manicômio, mas a energia dos adolescentes inseguros já estava dentro do carro.
In Dreams, de Roy Orbison, tocava no rádio. A frequência era tão ruim quanto a voz de meu pai, Gomez, cantando.
- À noite mágica. Digo suavemente. -
- Uma oração silenciosa. - Morticia, minha mãe juntou-se a ele, entrelaçando os dedos e quase engolindo meu pai com os olhos. - Com a qual sonhei. E durmo só para sonhar com você. -
Os corvos bateram no para-brisa, fazendo Pugsley dar um pulo em seu lugar.
- Eu me lembro que você disse adeus. - Os dois se encararam apaixonadamente e se beijaram com selvageria.
- Vocês me dão ânsia. Não de um jeito bom. - Martin destacou com seu sotaque francês característico, dando mais um longo gole em seu café.
- Não é tão ruim, Wednesday. - Minha mãe tentou me convencer.
- Nevermore é um lugar mágico, Wandinha. Você vai adorar! - Meu pai sorriu.
- Por que você gostou? Não me interessa seguir o seu caminho. -
- Querida, a culpa não é
minha se você foi expulsa de
oito escolas em cinco anos! -
E, logo, Nevermore seria a nona.
Nos afastávamos cada vez mais das grades enormes e pontiagudas para enfim nos aproximarmos dos muros de pedra e dos adolescentes mal humorados.
- O dia está lindo, não está? - Minha mãe suspirou, tentando esquecer o conflito.
A relva úmida que cobria o chão diante parecia mais um tapete verde-musgo estendido para um funeral. De fato. Se não fosse pela infelicidade de estar ali, a caminho do hospício, seria um dia muito bonito.
O som dos pneus rangendo contra a entrada de pedregulhos foi a única melodia adequada para a ocasião. Observei os alunos com o mesmo interesse que um corvo tem por um corpo ainda vivo.
Diferente do que esperava, muitos deles não pareciam exatamente ameaçadores.
Pareciam adolescentes normais tentando parecer ameaçadores.
Uma tentativa lamentável. Eu, ao menos, nunca precisei tentar.
- Pelo menos parece ter uma boa estrutura. - Murmurei, quase para mim mesma.
Martin sorriu, feliz com qualquer palavra que eu dissesse que não fosse um suspiro de tédio ou desprezo. - Isso é algo bom, não? A arquitetura gótica daqui pode inspirar sua novela! - Comentou, animado.
Revirei os olhos. Minha escrita não precisa de inspiração. Ela brota naturalmente da minha alma.
O Smith e eu nos conhecíamos há muito tempo. Ele, vampiro, teve de esperar dois mil oitocentos e vinte e nove anos para finalmente me conhecer. Tenho certeza de que foi o maior prazer da vida dele.
Foi transformado aos dezessete anos e, por isso, manteve a aparência. Antes, Martin estava sujeito a mudar de cidade com frequência, ou os vizinhos estranhariam. Agora, ele é livre. Passa as férias em uma cidade no interior e o restante do ano aqui, em Nevermore.
A ideia de estar rodeada de aberrações não era das piores, a não ser pelo fato de meus pais já terem feito o mesmo.
Eu estou cansada de ser a sombra de minha mãe. Tudo o que faço, ela já fez três vezes melhor - ou pelo menos gosta de dizer isso.
Mas de uma coisa eu tinha certeza:
Eu jamais iria me apaixonar ou
ser dona de casa como minha mãe.
O carro parou com um leve solavanco.
Tropeço abriu a porta. Desci do carro, pisando com firmeza. Martin veio logo atrás, puxando nossas malas e tentando convencer Mãozinha de que ele cuidaria bem de mim. Eu não precisava de nenhum dos dois. Eu não precisava de ninguém.
- Seja gentil, Wandinha. - Minha mãe sussurrou, com um toque de desespero. Ela se inclinou pela janela, sorrindo nervosa. - Lembre-se do que falamos -
- Não dissecar colegas de classe. Eu sei. -
Ela suspirou e Martin tentou consolá-la pela última vez antes de entrarmos pela grande porta de carvalho. - Vai ficar tudo bem, Morticia. Eu estou de olho nela! -
- É isso que me preocupa. - Ouvi minha mãe murmurar baixinho e tive de segurar o sorriso ao me lembrar do quão preocupada ela ficaria.
Olhei por cima do ombro para minha família. Meus pais sorriam como se estivessem me deixando em um acampamento de verão, e Pugsley acenava, com a expressão de quem teme que, sem mim, não sobreviverá até o fim da semana. Tinha razão.
Adentramos o manicômio e uma figura imponente e elegantemente vestida de branco se revelou. - Wednesday Addams - Disse com um sorriso educado e uma voz serena como seda. - Bem-vinda a Nevermore. -
- Você deve ser Larissa, a dona da prisão. - Sugeri.
Ela sorriu, tentando não se abalar. - Nevermore não é um castigo, querida. É uma oportunidade. Aqui, você será desafiada a crescer, a se encontrar e se entender. -
- Eu já me encontrei. Não gostei do que vi, mas aceitei com resignação. -
Martin tossiu, tentando disfarçar o riso. Weems ignorou.
- Se puder me acompanhar, vou lhe mostrar o colégio. -
O saguão principal da Nevermore era tão teatral quanto uma encenação de Macbeth feita por fantasmas ressentidos. Arcos de pedra se estendiam até o teto abobadado, onde lustres balançavam levemente como se fossem acalmados por uma brisa que não vinha de lugar algum. As paredes preenchidas por estantes de vidro que tentavam mostrar alguma conquista relevante.
- Esse troféu é do ano passado. - O vampiro analisou. - Foi quando os Knights venceram os Nets na final! - Disse, entusiasmado, esperando que eu compreendesse.
- A Copa de Basquete e União foi criada por mim e pelo prefeito de Jericho como uma tentativa de unir vocês, excluídos, com os padrões. -
- Nevermore Knights contra Jericho Nets é um clássico por aqui. Vencemos o último jogo com uma cesta de três pontos do Norman faltando dois segundos para acabar! -
- Impressionante. - Murmurei, quase contra minha vontade.
O Smith era o tipo de pessoa que encontrava beleza até em um cemitério, um dos poucos traços nele que eu respeitava. Seu ludíbrio e manipulação também eram admiráveis.
O chão de mármore brilhava com um zelo que beirava o obsessivo, e cada detalhe arquitetônico gritava estamos tentando parecer enigmáticos. Weems caminhava à frente com passos calmos e firmes, como uma condessa guiando alguém por seu castelo. Eu a segui sem protestos. Minha resistência, afinal, estava guardada para algo mais significativo do que um passeio forçado.
- Aqui é o salão principal, onde acontecem os anúncios matinais e, ocasionalmente, as assembleias. - A diretora explicou apontando para uma imensa sala com vitrais espetaculares e bancos longos. - À sua esquerda, a biblioteca. Um dos nossos espaços mais valorizados. -
Meu olhar se desviou automaticamente para a biblioteca. Grandes estantes de madeira escura, cheias até o teto, dominaram meu campo de visão como uma promessa silenciosa. Era o primeiro lugar que me interessava de fato. Talvez Nevermore tivesse, sim, alguma utilidade.
- Bem, mon cher, acho que é aqui que me despeço. Vou subir para o meu dormitório. Você devia passar lá mais tarde para que eu te empreste minhas anotações. - Ele disse, me olhando com falsa severidade. Se comporte, está bem? -
- Vou tentar não abrir nenhuma cova antes do jantar. - Respondi.
Ele sorriu, depositou um beijo na lateral da minha cabeça e se afastou, deixando para trás o cheiro sutil de café amargo e o eco dos próprios passos.
Larissa sorriu. - Ele parece gostar muito de você. - Comentou, sem me encarar diretamente.
- Martin tem um cérebro funcional. É raro, mas não impossível. -
Ela soltou uma pequena risada, como se ainda estivesse tentando decifrar onde exatamente minhas palavras se encaixavam na escala entre sarcasmo e sinceridade.
Seguimos pelos corredores de pedra, passando por quadros antigos com olhos que pareciam nos seguir e portas com inscrições em línguas mortas.
- Aqui, à sua direita, está a estufa. A professora Seraphina é nossa botânica residente. Tenho certeza de que vocês terão conversas interessantes, especialmente considerando sua familiaridade com plantas venenosas. - Ela disse aquilo com naturalidade, como se fosse comum uma adolescente ter reputação por envenenamentos experimentais. - Ali fica a sala de Astronomia. Luna é bastante excêntrica, mas ela é muito competente! - Adicionou. - E adiante, temos os dormitórios femininos. Seu quarto já foi preparado. Fica no terceiro andar, janela virada para o bosque. Prédio Ophelia. -
Assenti. Uma vista para o bosque poderia ser útil para observações noturnas. Ou para fugir.
Subimos as escadas e cada centímetro mais próximo do quarto trazia o mesmo tipo de arrepio que se tem ao pisar em solo profanado. E, considerando a aura de glitter que parecia emanar da porta à frente, eu já temia o pior.
Empurrei o restante da porta e tive a sensação súbita de que seus olhos começariam a sangrar.
Era uma transição entre dois mundos. As paredes, antes de pedra gótica, aos poucos assumiam tons mais vivos. Uma guirlanda de flores artificiais pendia da maçaneta da porta, e uma faixa holográfica com o nome "ENID 💖" piscava suavemente em luzes cor-de-rosa.
O quarto era um atentado estético - uma exposição não autorizada do que acontece quando a inocência consome ácido. O cheiro adocicado de loção corporal e flores nocauteou meus sentidos como uma maldição. A decoração era uma aberração psicodélica.
A cama cor-de-rosa ostentava centenas de pelúcias: pandas, ursos e gatinhos com olhos enormes e brilhantes. Cortinas verde-limão tremeluziam com o vento que vinha da janela entreaberta. Havia pufes azuis, colchas floridas, suéteres com lantejoulas jogados por toda parte, luminárias em forma de estrelas, patins com cadarços neon, esmaltes organizados em degradê por tom e, o pior, o óculo decorado com papel celofane.
Talvez minha colega de quarto fosse um unicórnio desgovernado.
- Oi! -
Olhos azuis, cílios longos.
Os traços perfeitos da loira contrastavam com os lábios chamativos.
Senti meu coração acelerar.
Não era só o excesso de cor - era ela.
Ela era linda.
Um tipo de beleza
diferente, direta, marcante.
Aquela que não precisava
de sorrisos para ser notada.
Apesar de ela sorrir bastante.
Uma beleza nova, algo que
eu nunca havia visto.
Talvez encantadora.
Um pouco elegante.
Mas só um pouco.
Era até que bem-feita.
Bonita.
Perfeita.
Droga, eu não conseguia me conter.
Não conseguia parar de
olhar para aqueles lábios.
O complemento perfeito
para as pontas tingidas do cabelo.
Cada traço dela parecia ter sido projetado por Bernini.
Espetacular, para dizer o mínimo.
- Wednesday. - Weems chamou com firmeza, como se não fosse a primeira vez. - Essa é Enid Sinclair. Ela será sua colega de quarto. -
- É um prazer! - Enid sorriu mais, se é que aquilo era possível.
- É líder de torcida? - Questionei.
Ela franziu o cenho. - Não. Por que acha isso? - Observei-a de cima a baixo e ela pareceu fazer o mesmo. Vestia uma saia branca e uma regata lilás que se ajustava bem ao corpo. - O que há de errado? -
Olhei ao redor, calculando discretamente a distância até a porta. Nunca tive experiência em hospícios, mas começava a pensar que um seria mais tolerável do que aquele dormitório com overdose de arco-íris.
O jeito solar da loira, que provavelmente encantava a maioria, só me deixava mais desconfortável.
- Talvez eu devesse te apresentar a escola. - Sugeriu, tentando manter a simpatia.
- Weems já me apresentou grande parte do recinto. Acho que posso me virar. -
- Nada disso, Wednesday. - Larissa repreendeu. - Você ainda não visitou o salão de festas, a sala de biologia, esgrima e nem o campo. Vocês deviam dar uma volta enquanto trazemos suas malas e seu uniforme. -
- Vai ser divertido. - A loira insistiu. - Olha, eu ouvi dizer que você não curte muita interação social. Pode ser só nós duas, o que acha? -
Franzi o cenho sem ao menos perceber. Eu odiava a internet. Como, em alguns minutos dentro do colégio, todos já sabiam sobre minha vida e personalidade?
- Você vai precisar encontrar
alguma atividade fora do
nosso quarto, Wednesday. -
Eu preferiria estar em qualquer outro lugar. Um necrotério, talvez. Quem sabe uma sessão de tortura medieval.
Poderia ser um enterro.
- Eu já estou muito ocupada com a minha novela. -
Enid grunhiu. - Por favor. Vai ser divertido. -
Eu odiava pessoas insistentes. Analisei a situação e deixei um sorriso vacilar. Eu sabia que ela continuaria implorando. Por que não ceder, então?
- Se vamos fazer isso, será do meu jeito, Sinclair. -
Percebi ela estremecer. Ela parecia ter medo de mim. Medo de contestar. O que era ótimo. Eu tinha o plano perfeito para ser expulsa.
- Tudo bem. - Ela disse com certo tremor na voz. - Vamos lá! - Puxou-me pelo braço até descermos as escadas.
- Onde fica a sala de biologia? - Pedi, afastando-me de seu toque. Ela pareceu se questionar mentalmente enquanto eu ainda tentava concentrar minha visão após aquela explosão de cores.
- É por aqui. - Disse, andando pelos corredores com menos confiança. - Você já conhece parte da escola, mas conhece os estudantes? -
- Não, e nem -
- Bem, gosto de separar em grupos. - Iniciou. - Vamps, Peludos, Chapados e Escamas. -
- Escute, Sinclair - Interrompi. - Serei direta com você. Não me interesso por socializações adolescentes forçadas. Não insista. Não ficarei por muito tempo. -
Enid parou, agora mais séria. - E posso saber a razão? -
- Foi ideia dos meus pais. Me moldar numa versão domesticada deles. -
- E por que isso seria ruim? Eles parecem legais. -
- Seria como pular de um penhasco. E sobreviver. -
Ela revirou os olhos. - Olha, esse seu tom de gótica sarcástica pode ter funcionado na sua escola anterior, mas aqui, as coisas são diferentes. -
Eu odiava aquela ousadia. - Pode-se ir a qualquer canto do mundo, Sinclair. Adolescentes são figuras entediadas que usam redes sociais como muletas emocionais. Um vício para disfarçar a solidão. Incapazes de verbalizar, se comunicam com imagens medíocres. -
Enid riu. - Emojis? É assim que a maioria expressa o que sente. Algo que você claramente não faz ideia de como funciona. - Ergueu as sobrancelhas.
Quem ela pensava que era? - Quando olho pra você, os seguintes emojis me vêm à mente: corda, pá, buraco. -
Ela pigarreou. - Bem, como eu dizia -
- Não me interessa -
- Bianca Barclay é a rainha de Nevermore. - Continuou, ignorando a interrupção. - Escamas. Linda, letal, insuportável. -
- Quer dizer sereias? -
- Você não é burra. Xavier Thorpe é o pintor drogado que terminou com ela no início do semestre. Motivos desconhecidos. - Disse, gesticulando como se apresentasse um episódio de reality show.
- Fascinante. -
Ela sorriu, aparentemente satisfeita por ter arrancado algo que não fosse um insulto.
- Dewey Miller é o monitor do Prédio Ophelia, apesar de ainda estar no segundo ano. Ele é tão inteligente e educado que a Weems confia nele de olhos fechados. -
- Acabou? -
- Nem comecei, meu bem. Norman Walker, o valentão bonitão do time de basquete, joga esse fim de semana em Jericho. Devia ir. Ele já ficou com meio mundo. Dizem que quase socou a Sam Springs outro dia. Ajax Petropolus é meu melhor amigo. Górgona. Solteiro. -
Analisei a situação. Por que ela destacava a beleza e o estado civil dos garotos? -
- É uma das garotas que o Norman ficou? - Questionei quase irracionalmente.
Enid deu de ombros. - Não. Mas ele me serve. - Riu e tentei entendê-la.
- O que quer dizer? -
- Quis dizer que, se ele quisesse, eu ficaria com ele. -
Jesus, ela era tão inocente assim?
- Segundo você, Norman é agressivo, infiel e promíscuo. O que te motivaria a ficar com ele? -
Ela tossiu, aparentemente surpresa com o julgamento. - Por que se importa tanto com isso? -
- Se me permite dizer, parece-me simplória. -
A loba franziu o cenho. - O que quer dizer? -
- Quis dizer que só uma garota ingênua como você se interessaria por alguém como ele. Espero que tome isso como um conselho. Afinal, dividiremos o mesmo quarto, e seria desagradável assistir você se apaixonar por um garoto tão desprezível quanto Walker. -
- Você está preocupada comigo? - Ela sorriu. Ela gostava de me provocar.
Eu estava perdendo a paciência. E isso era raro. Poucos ousavam me enfrentar daquele jeito. Era interessante. A maioria mal conseguia me encarar sem desabar emocionalmente. Enid era forte. Talvez Nevermore fosse mesmo diferente.
- É fascinante ver como consegue retrucar com tanta postura e convicção. -
- E o que há de errado nisso? - Enid perguntou, cruzando os braços.
- O fato de que está retrucando a mim. -
- Acho que você precisa de um chá, gótica dramática. - Zombou, já sem paciência.
Wednesday ergueu uma sobrancelha. - E você de um espelho. Esse aroma de chiclete de tutti-frutti está brigando com sua ousadia. - Afirmei e, pela primeira vez, ela parecia estar sem resposta.
O cheiro de formol e morte que pairava no ar aumentava a cada passo nosso e pude perceber o desespero de minha colega de quarto. Talvez ela desistiria logo na primeira aula.
Abri a porta e a loba quis parecer chorar. Em cada bancada de pedra fria, alunos se revezavam em pares, luvas postas, bisturis na mão e um sapo estendido sobre bandejas de aço inoxidável.
Sentei-me em uma bancada qualquer e Enid, aparentemente sem reação, apenas me seguiu. Ela estava em choque e o professor parecia perceber isso.
- Oi! Você deve ser Wednesday. Sou Dante, professor de biologia. - Ele sorriu. - Você já dissecou sapos antes? -
Eu pareço com alguém que nunca dissecou sapos antes? - Aprendi a dissecar sapos antes mesmo de montar caixões. - Murmurei, esperando que ele compreendesse minha qualificação.
- Certo. - Ele levantou as sobrancelhas, surpreso. - E você, Enid? Nunca te vi por aqui. - Perguntou, oferecendo-nos a bandeja com o pequeno cadáver.
Minha colega de quarto estava dura como pedra. Ou como o animal a nossa frente. Não havia dito uma palavra sequer desde que adentramos a sala. Objetivo cumprido.
Ela engasgou. - Estou bem. Wednesday só curte atividades um pouco excêntricas. -
Excêntricas?
Talvez ela não tenha aprendido o básico para sobreviver na era medieval.
Com certeza Enid não conseguia sequer cavar uma cova. Pra que ela serveria, então?
- Posso fazer as honras? - Pedi, sabendo que a menina dos olhos azuis imploraria para não tocar o cadáver.
Ela franziu o cenho. - Você fala como se fosse um ritual satânico. -
- E quem disse que não é? -
Enid riu, nervosamente. - Ok, manda ver. Só não fura nada
que não deveria, tá? -
Aproximei-me da bancada e arregacei as mangas. - Incisão vertical, do queixo até a cloaca. Lâmina firme, mão leve. - Murmurei para mim mesma, deslizando o bisturi.
- Você parece profissional. - Ela pareceu ironizar, mas decidi responder à altura.
- Já dissequei sapos, corvos e até um tio distante em uma das ceias de fim de ano. Ele já estava morto, infelizmente. Foi um presente póstumo da minha avó. - Utilizei a pinça para afastar a pele do sapo e expor os órgãos. - Coração, fígado, pulmões. Belíssima arquitetura. Pena que a maioria das pessoas só valoriza o que está por fora. -
- Eu prefiro não pensar que tem isso tudo dentro de mim. Me dá nervoso. - Ela arregalou os olhos, tentando desviar o olhar.
- A fragilidade da vida humana é o que a torna bela, Sinclair. -
Enid tentava ajudar. Pediu para segurar um dos instrumentos, mas acabou deixando-o cair sobre a mesa.
- Você está atrapalhando a autópsia. -
- É só um sapo, não é um assassinato! - Revirou os olhos.
Algo nela não me agradava.
A loira, apesar de encantadora, parecia não levar nada do que eu dizia a sério.
- Ainda não. - Respondi e ela bufou, desistindo da discussão.
A aula seguiu com a mesma tensão esquisita: metade científica, metade ameaças.
Já era o suficiente para a Sinclair desistir de me ajudar com qualquer coisa.
O céu estava nublado, uma névoa leve cobria os jardins de Nevermore, tornando tudo ainda mais sombrio do que o habitual. Aquilo era apenas mais uma evidência de que o mundo era tão deprimente quanto eu previa.
Saímos da sala de biologia e Enid, por algum motivo, continuou me seguindo.
- O que você está fazendo? -
Ela franziu o cenho, parecendo analisar a situação. - Te seguindo. Estamos indo em busca da sua próxima atividade, não? -
- Não. Eu já disse. Estou muito bem com a minha escrita. -
- Isso vai te fazer bem, Wednesday. Manter sua mente ocupada com algo produtivo. -
- Já dissecamos três sapos hoje pela manhã. Eu achei extremamente produtivo. -
- Algo menos nojento, por favor. -
Atravessamos um campo até uma área cercada onde estacas de palha com alvos desenhados estavam enfileiradas. Algumas tinham flechas espetadas de forma desajeitada; outras estavam intactas. Um grupo de alunos treinava arco e flecha sob o olhar severo da professora.
- Arco e flecha? Uma arma silenciosa, precisa e letal. Interessante. -
Enid sorriu, satisfeita. - Isso! É disso que eu tô falando. Vem, vou te mostrar. -
Pegou um dos arcos mais leves disponíveis e tentou mostrar como posicionar a flecha, puxar a corda e mirar.
- Parece simples. Uma mistura de física básica com senso de direção. - Murmurei.
- Tenta. - Disse entregando-me o arco.
Segurei-o com naturalidade, sentindo-me em casa. Posicionei-me em frente ao alvo, ergui o arco, puxei a flecha e soltei.
Ela cortou o ar com agilidade e cravou-se no centro exato do alvo, tremendo por um segundo antes de parar completamente.
Enid piscou, boquiaberta. - Como você -
Por favor, Sinclair. Eu pratico arco e flecha desde os oito. -
- Oito anos? Não faz tanto tempo assim, então. -
Franzi o cenho. Não era óbvio? - Meses. -
- Você vem de uma família tradicional, não é? - Ela riu.
- Sabe, Sinclair, confesso que acertar o centro do alvo e ver sua cara de surpresa me proporcionou um certo prazer. Talvez eu repita a dose. -
Enid sorriu, genuinamente. - Viu? Tô te ajudando a encontrar o seu novo eu. -
- Não, está apenas me lembrando do quanto sou melhor que os outros. -
Ela piscou devagar, parecendo tentar manter a paciência. Eu estava amando.
- Soube que gosta de esgrima. -
- Como -
- Eu já te disse. Estar em Nevermore significa se acostumar e aceitar que a Garota do Blog estará sempre um passo à frente de todos. - Interrompeu, caminhando para dentro do colégio novamente. - Você pode não me contar nada, Addams, mas eu sempre saberei. - Ergueu as sobrancelhas.
- Quem é a Garota do Blog? - Questionei. Eu precisava dar um fim nisso. Rápido.
- Não sabemos. Acha mesmo que uma pessoa que conta tudo sobre todo mundo revelaria sua identidade? As fontes não confiariam mais nela. Se quiser reportar algo para ela, basta mandar um e-mail. -
- Por que eu faria isso? -
Ela riu, ignorando completamente minha pergunta. - É aqui. - Apontou para a porta de vidro à nossa frente.
As maçanetas douradas não chamavam mais atenção que a robusta placa mal pregada ali. "Esgrima".
- Finalmente poderei canalizar minha frustração para "algo produtivo". - Murmurei, adentrando o local vazio.
- E eu fico longe das pontas afiadas. -
O espaço era amplo, os carpetes de boa qualidade e as armaduras eram modernas. As espadas usadas por Mangiarotti em cada uma de suas lutas no colégio estavam expostas como um grande prêmio. - Parece adequado. -
Observei o suporte com diferentes tipos de sabres. Algumas tradicionais, outras com fio elétrico, mas a que mais chamou minha atenção, foi aquela: uma espada comprida e sem proteção, com uma ponta realmente afiada e a base em dourado.
Agarrei-a, tentando conter a animação. Aquela era diferente das amadoras encontradas anteriormente. Pesei-a com as mãos, analisei-a cautelosamente.
- Essa é a espada do treinador. Não sei se deveríamos - A Sinclair iniciou, mas a porta se abriu de maneira estrondosa.
A risada irritante e o sorriso debochado fizeram Enid revirar os olhos quando o cabelo ruivo armado entrou em nosso campo de visão.
A garota mais baixa parou em nossa frente com deboche. - Você deve ser a tal Wednesday que andam falando. - Murmurou com uma clara tentativa de superioridade. - Sou Callie Blaze. As pessoas costumam me respeitar por aqui, consegue entender? -
Aquilo seria divertido.
Não baixei a cabeça, percorrendo meus dedos pela lâmina afiada com uma precisão quase cirúrgica, e minha colega parecia estar surtando internamente.
- Respeito é algo que se conquista, não algo que se impõe. Até o momento, você só me deu motivos para
desprezo, Callie. -
- Veremos quanto tempo esse seu teatrinho gótico vai durar. Aqui, ninguém me desafia impunemente. - Disse com os olhos semicerrados, a clara tentativa de parecer confiante.
- Então é bom que você comece a se acostumar com a mudança. - Retruquei e ela parecia ter dor de estômago apenas por ouvir minha voz.
Callie parecia ficar nervosa, e isso não era apenas pelo rubor em suas bochechas.
- Quer saber, Addams? - Chamou com uma raiva repentina. - Vamos acabar logo com isso. Você e eu, agora. - Convocou, virando-se e buscando a espada que deixara de lado por um momento. - Sem pontas, sem máscaras. - Concluiu.
- Tem certeza que está à altura? -
Callie riu. - Pronta para
sua humilhação? -
- Sempre. -
- Olha, não acho que - Enid começou, mas sua opinião foi irrelevante mais uma vez.
- Não seja tão preocupada,
Sinclair. - Sugeri.
- Pode dar rugas. - Callie sorriu.
- Esse seu sorriso torto também. - Enid cochichou. Afastou-se quando escolhi o sabre do treinador para a luta. A loira com certeza já estava exausta e, se eu tivesse sorte, pediria a transferência de dormitório.
Digo, a loira é realmente magnífica, mas o jeito que ela me desrespeita e não compreende nada do que digo é frustrante.
Callie e eu estávamos frente a frente, cara a cara. O duelo começou violento, as lâminas encontravam-se no ar. A ruiva atacava com agressividade, mas seus movimentos eram previsíveis. Me movi com golpes precisos e calculados, o exato oposto da garota.
Enid observava tudo de longe, aparentemente intrigada.
As lâminas colidiam com um som agudo e metálico. A ruiva avançava com uma série de golpes precisos, mas não o suficiente para que eu não conseguisse me esquivar e bloqueá-los com facilidade.
- Pare de se esquivar e lute! - Callie exigiu como a verdadeira garotinha que era.
Era isso que ela queria, então.
Contra-ataquei com uma série de golpes rápidos, forçando a Blaze a recuar.
A luta continuava, as duas espadas se chocavam em um ritmo frenético, até que ela tentou um golpe alto. Abaixei-me ligeiramente, girando e atacando com uma velocidade que surpreenderia até mesmo meu tio Fester. A mais nova bloqueou por pouco, seus braços tremendo com o esforço.
Finalmente, com um movimento rápido e preciso, a desarmei-a. Sua espada voou pelo ar e caiu com um estrondo no chão e, antes que a ela pudesse reagir, cortei a maçã de seu rosto superficialmente, o suficiente para deixar um risco vermelho.
- Você me cortou! - Ela concluiu ao passar o dedo pelo relevo em sua pele. O vermelho destacado em seu indicador era o sinal necessário para que ela pudesse começar seu show.
- Respeito se ganha com habilidade e caráter, e até agora, você me mostrou que carece de ambos. -
Callie recuou. Seu rosto estava vermelho de raiva, sangue e humilhação. Ela tentava recuperar a postura. - Isso foi um grande erro, Addams. O que será que a Weems e o treinador Pierre vão pensar quando descobrirem que você usou a espada dele? - Ameaçou.
Uma expulsão era tudo o que eu precisava. A Garota do Blog amaria a notícia.
"Wednesday Addams expulsa em duas horas".
Não seria o meu recorde, mas entraria no top três.
- Sabe, Callie, na verdade -
- Não seja tão infantil. - Enid pediu. - A ideia foi sua, afinal. -
- Acho melhor vocês começarem a me tratar com o respeito que eu mereço. Caso contrário, a diretora vai saber de tudo! - Exigiu.
- Um reinado baseado em chantagem não dura para sempre, Blaze. Acho que é melhor ouvir meu conselho, dessa vez. - Limpei a lâmina do sabre e guardei-o em seu lugar.
- É! - A Sinclair concordou. - Além do mais, eu não tenho nada haver com isso. -
É claro que ela daria um jeito de sair dessa.
Eu não julgo ela. A única que queria ser expulsa, afinal, era eu.
- Segundo a Garota do Blog, tem sim. - A ruiva comentou. - Você estava responsável por Wednesday e permitiu que ela usasse a espada do treinador. Você é no mínimo cúmplice. -
Enid grunhiu. - Callie, vamos resolver isso entre nós. É algo simples, não precisa envolver a diretora. - A loba implorou.
- Aqui está: vocês me obedecem, ou a diretora vai saber de tudo. E confie em mim, tenho provas suficientes para complicar a vida de vocês duas. - A ruiva ordenou, referindo-se ao pequeno corte em seu rosto.
Analisei a situação. Minha colega de quarto parecia querer concordar com a ideia. - Não está pensando em se submeter a ela, está? - Questionei.
- Conheço Callie há muito tempo. Confie em mim, ela faz de tudo para ser considerada a rainha desse lugar. - A Sinclair afirmou. - Por favor, Wednesday. Ela tem outras coisas contra mim, se qualquer uma delas vazar ou chegar aos meus pais, eu -
Droga.
Parece que meu plano de ser "convidada a me retirar" pela nona vez em cinco anos seria adiado.
- Muito bem, Blaze. Vamos jogar o seu jogo. Mas lembre-se: Os Addams não perdem. - Alertei.
A ruiva sorriu satisfeita, como se tivesse vencido. - É o que veremos. - Cantarolou, recolhendo suas coisas. Ficamos em silêncio por um tempo e a feição da mais nova era diabólica. - Aqui está a primeira tarefa de vocês: vocês irão à festa de Monica Winterson hoje à noite e vocês vão fazer exatamente o que eu mandar. -
- Uma festa? - A morena questionou e Enid viu os olhos de sua colega de quarto quase saltarem.
A Blaze sorriu. - Não esqueçam: estou de olho em vocês. - E com isso, saiu, triunfante, ou pelo menos fingindo estar.
- Nos livraremos dela o quanto antes. Não aceitarei me submeter para uma garotinha do sexto ano. - Comentei.
- Ela é do oitavo. - Enid corrigiu.
- Essa foi a primeira e a última vez que fiz algo por você, Sinclair. Não me meta em seus problemas novamente. Caso contrário, serei um deles. - Avisei enquanto saíamos da sala de esgrima. O medo em seu olhar era claro.
O que tinha de tão sujo sobre ela?
Por que a Blaze sabia disso?
Ela mesma disse que "a Garota do Blog sabe de tudo". Por que não sabe sobre o segredo dela, então?
Eu estava ocupada demais para descobrir o segredinho da Sinclair.
Eu iria à uma festa naquela noite.
Uma festa?
Como entrei nessa?
A submissão não duraria muito mas, para isso, eu precisaria da colaboração de Martin.
A loira pigarreou. - Olha, se você não quiser ir, eu posso me resolver com a Callie e -
- Sei que está torcendo para que eu não vá, mas você sabe que ela vai continuar nos usando se não terminarmos com isso logo. - Afirmei, abrindo a porta de nosso dormitório.
Por um segundo, eu havia esquecido sobre a decoração do quarto.
A escrivaninha já estava ali, com a máquina de escrever e a maleta com todos os capítulos da minha novela. A cama já contava com os lençóis cinzas e a coberta preta, mas, de alguma forma, as cores ainda invadiam o meu lado.
Caminhei até minha mala e retirei uma fita adesiva dali. Enid arregalou os olhos. - O que você vai fazer? -
Comecei a dividir o quarto ao meio e ela pareceu um pouco mais aliviada, mesmo que ainda indignada. - Estabelecendo limites. Parece que um arco-íris vomitou do seu lado. - Respondi, voltando para minha máquina de escrever.
Suspirei, sentando-me na cadeira e me preparando para descontar o estresse nas teclas, até que um estrondo invadiu meus ouvidos. Voltei meu olhar para a Sinclair, que dançava de forma estranha, cheia de movimentos dessincronizados e ridículos.
- Desliga isso. - Ordenei, levantando-me e andando até o meio do quarto.
- Não mexe comigo. - Enid retrucou, mostrando as garras, não querendo que eu atravessasse o limite. Eu jamais atravessaria, de qualquer forma. - Essa gatinha tem garras e sabe usá-las. -
Conti meu sorriso. - Eu te respeitaria mais se isso não fosse tudo o que você tem. -
- Você só tem trancinhas e um ego que, inicialmente, pensei ser inabalável. Mas o simples fato de eu retrucar algumas frases suas fez com que você quisesse se esconder dentro de algumas páginas. Estou errada? - Rebateu.
Considerei abrir minha gaveta e jogar a faca que estava ali. Eu sabia que, fazendo aquilo, a expulsão seria imediata. O objetivo seria cumprido. Além disso, eu sairia dali com uma tornozeleira eletrônica e com a reputação pior do que quando entrei. Apenas vantagens.
- Wandinha? - Uma voz chamou antes que eu pudesse fazer algo.
Com exceção dos próprios Addams, apenas uma pessoa ousava me chamar assim.
- Martin. - Murmurei ao abrir a porta.
- Eu te disse para ir ao meu dormitório. Onde você estava? -
- Dissecando sapos e humilhando garotinhas. -
Ele era a própria imagem da elegância sombria. Com os cabelos negros bem alinhados num corte social impecável, ele exalava uma disciplina fria que se estendia até suas escolhas de vestuário - sempre de gravata, ternos sob medida, sapatos lustrados como espelhos.
Sua pele pálida, quase translúcida, dava-lhe um aspecto sombrio, como se a luz o evitasse por instinto. Aquela palidez doentia, contrastando com os olhos negros e fundos, criava um efeito perturbador: olhar para o vampiro era como encarar a presença iminente de algo fatal.
Seus olhos não apenas observavam.
Eles julgavam.
Ameaçavam.
Sempre com uma xícara de café nas mãos, o líquido quente parecia ser o único elo entre ele e o mundo dos vivos.
Martin nunca sorria, nunca hesitava. Havia nele algo de funéreo, como se vestisse a máscara da morte. Sua presença bastava. Martin entrava numa sala como um presságio e, quando saía, algo sempre mudava. Ninguém ousava falar com ele.
Segundo ele, em quatro anos vivendo em Nevermore, teve sete colegas de quarto. Dois imploraram por transferência antes do primeiro semestre terminar. Quatro abandonaram a escola sem olhar para trás, como quem foge de um pesadelo mal digerido. E um deles - o último - simplesmente desapareceu, engolido pelo silêncio espesso dos corredores, como se a própria presença de Martin tivesse apagado sua existência.
- Precisamos espalhar um pouco de negatividade por aqui. Se lembra de quando colocamos veneno na pasta de dente do Pugsley? - Ele riu.
- Eu devia imaginar que ele nem os escovaria. - Respondi.
Martin olhou em volta, entediado. - E não tem ninguém por aqui de quem possamos nos aproveitar? Nenhuma alma ingênua para atormentar? -
Suspirei, fazendo menção para que ele entrasse. - Martin, essa é Enid Sinclair, minha colega de quarto. -
A loira parou de fingir folhear a revista. Ela provavelmente nem sabia ler. - Nós já nos conhecemos. - Ela afirmou, levantando-se da cama e aproximando-se de nós, bem no meio do quarto. - É um prazer te rever, Martin. -
- O prazer é todo meu. - Ele cumprimentou gentilmente e beijou as costas da mão de Enid. Ela retribuiu com um sorriso.
A Sinclair, com certeza, estava louca para encontrar um par romântico.
Norman, Ajax e até Martin?
Talvez qualquer um fosse uma opção.
Desde que fosse do sexo masculino.
- Precisamos dar um jeito em Callie Blaze. - Afirmei, interrompendo a troca de olhares dos dois.
- O que ela fez? -
- Ela está nos ameaçando por que a sua amiga fez o favor de cortar o rosto da Callie com a espada do treinador. - Enid revirou os olhos e Martin pareceu ainda mais orgulhoso de mim. - E agora precisamos ir até a festa da Monica e fazer o que ela está pedindo. - Concluiu como se eu não estivesse fazendo aquilo por ela.
Eu estava ajudando ela a fugir de seus problemas e era assim que ela me retribuía?
Afinal, quando foi que comecei a ajudar as pessoas?
Seus olhos de cachorro pidão eram convincentes demais. Droga.
- O que ela fez não importa. O que importa é que vamos dar um jeito nela hoje a noite. - Ergui as sobrancelhas como um sinal, ele sabia exatamente o que fazer.
O Smith assentiu. Ele não precisava de um motivo para ser perverso, afinal. Aquela era a diversão dele. - Certo. Arrumem-se para a festa, e encontrem Callie lá. - Ordenou, já saindo do dormitório e eu sabia que aquela noite não seria tão ruim.
Callie Blaze seria humilhada.
|
Fim do capítulo um!
Gostaram?
Acredito que seja mais fácil expressar os sentimentos da Wednesday dessa forma. Comentem aqui o que acharam!
Não esqueçam de votar e comentar.
Beijinhos, tia Wiu!