抖阴社区

                                    

Arregalei os olhos.
Mais de cem anos.
Aquela era a segunda vez que ela fazia uma referência indireta a como era velha, mas continuava sendo tão chocante quanto naquela noite.
Mina não parecia ter mais de vinte e cinco. A dissonância cognitiva exigida para olhar para ela e acreditar que tinha mais de um século me deixava atordoada.
Eu me lembrei do momento logo antes que eu fosse embora do apartamento. Preciso da sua ajuda, ela havia falado.

Sentada ali com ela no Gossamer’s, notando seu olhar ao mesmo tempo confuso e fascinado, pensei ter compreendido afinal o tipo de ajuda de que ela precisava.
E, talvez, por que havia publicado um anúncio procurando alguém com quem dividir o apartamento.
Fiquei mexendo na alça da bolsa para disfarçar como estava abalada.

— Tá, vem comigo. Cafés são uma parte importante de Chicago. Se quer se adaptar…
— Sim. – me cortou ela, animada.

Engoli em seco e prossegui:

— Se quiser se adaptar, você precisa aprender a pedir café. Mesmo que não vá beber de fato.

Mina afastou a cadeira da mesa, as pernas de madeira raspando ruidosamente no chão de linóleo. Ela me seguiu tão de perto conforme abríamos caminho até o caixa que eu podia sentir sua presença gelada e sólida às minhas costas. Estremeci – em parte porque a proximidade dela era mais empolgante do que eu gostaria de admitir para mim mesma, mas também porque seu corpo irradiava frio de uma maneira que eu nunca havia observado em nenhuma outra pessoa.
Voltei a pensar em quando havíamos trombado na saída do banheiro.
Eu tinha ficado tão horrorizada que nem registrara quão frio e duro era seu peito quando meu nariz roçara nela.
Agora estava registrando. Quantas pistas eu havia deixado passar?

Katie levantou o rosto quando chegamos ao balcão. O avental amarelo e florido do Gossamer’s que ela usava era tão animado e vívido quanto sua personalidade. Katie era sem dúvida nenhuma a supervisora mais legal que eu já havia tido, uma das poucas que não usava a carta da autoridade na hora de limpar o espumador ou lidar com clientes chatos.

— Veio na sua noite de folga?. – perguntou ela, nitidamente surpresa em me ver, o que fazia sentido. Era difícil que eu aparecesse se não fosse a trabalho.
— Estava por aqui. – menti.

Katie não precisava saber que eu tinha marcado de encontrar Mina no lugar onde trabalhava porque assim me sentiria mais empoderada para ter a conversa que estávamos prestes a ter. E porque eu queria testemunhas, caso tivesse me enganado em relação a ela ser uma vampira amistosa e a coisa logo fosse ladeira abaixo.
Katie assentiu.

— Querem pedir alguma coisa?

Mina já estava olhando para a lousa com todo o cardápio acima da cabeça de Katie, com a intensidade que talvez usassem para traduzir hieróglifos. A lousa apresentava quase duas dúzias de opções de bebidas, escritas em giz pastel na letra floreada de Katie.

— “Somos Generosos”. – leu Mina, tão devagar e sem jeito que parecia que as palavras estavam escritas em uma língua que ela não falava. – “Somos… Profundos”. – ela se virou para mim, perplexa. – Achei que você tivesse dito que este estabelecimento servia café.
— Os nomes das coisas aqui são toda uma questão. – Katie revirou os olhos. – A dona foi em um seminário de bem-estar em Marin County alguns anos atrás. Quando voltou, todas as bebidas passaram a ter nomes “inspiradores”.
— Mas são as mesmas bebidas que a gente encontra nos outros lugares. – expliquei. – Não deixa os nomes te enganarem.
— As mesmas bebidas que a gente encontra nos outros lugares. – repetiu Mina.
— Isso. Me avisa se precisar de tradução.

Mina pareceu considerar a oferta, depois se virou para Katie.

— Eu gostaria de comprar um café.

Ela disse as palavras devagar, com todo o cuidado e alto. Como o estereótipo do americano sem noção tentando ser compreendido em um país em que as pessoas não falam inglês.

Morando com uma Vampira - MichaengOnde histórias criam vida. Descubra agora