A sala da mansão Addams estava iluminada por velas, como de costume, e um cheiro metálico pairava no ar. Wednesday observava seu tio Fester entalhar um crânio com precisão mórbida. O som do metal riscando o osso não a incomodava; pelo contrário, tinha um efeito tranquilizante.
— Tio Fester — chamou ela, com a voz plana e direta.
Ele ergueu os olhos, sorrindo. — Minha pequena tormenta! O que precisa? Preciso de um parceiro para dissecar alguns sapos depois.
— Não agora. Preciso de conselhos — disse Wednesday, desviando o olhar para a lareira, onde labaredas crepitavam em tons de verde.
Fester arqueou a sobrancelha. — Que tipo de conselhos? Sobre venenos? Tortura? Como se livrar de um corpo? Porque eu tenho umas ideias novas.
Wednesday hesitou, as palavras não vinham com facilidade. Expressar seus sentimentos nunca fora seu forte. — Como... cortejar alguém?
Fester piscou algumas vezes, claramente surpreso. — Você está... interessada em alguém?
— Não. — A resposta foi automática, mas depois de uma pausa, ela corrigiu-se. — Talvez. É mais um experimento social.
Ele sorriu, compreensivo. — Quem é o infeliz? Ou infelizarda?
— Enid. Ela... é diferente. Não convencional, mas intrigante. — Os dedos de Wednesday tocaram a bainha de sua saia, um gesto mínimo que Fester não deixou de notar.
— Uma loba, hein? Bom gosto! — Ele coçou o queixo pensativamente. — Se quer impressioná-la, mostre suas habilidades predatórias. Lobos caçam. Gatos caçam. Por que não você?
— Caçar? — Wednesday inclinou a cabeça, intrigada.
— Exato! — Fester deu um pulo do sofá, empolgado. — Nada como um presente mortal para conquistar alguém! Um belo cervo. Um coração ainda pulsante. Garantido que ela vai adorar!
Wednesday ponderou a sugestão. Fazia sentido. Enid sempre comentava sobre sua energia física e seu amor pela natureza. Um presente brutal e visceral parecia adequado.
— Quando caçamos? — perguntou ela, os olhos brilhando com uma centelha rara de empolgação.
Fester gargalhou, satisfeito. — Amanhã ao amanhecer. Prepare seu arco. Vamos caçar o maior cervo que conseguirmos!
Wednesday assentiu, já mentalizando o plano. Se conquistar Enid exigia instintos predatórios, ela faria isso com maestria. Afinal, ninguém entendia mais de brutalidade romântica do que os Addams.
E enquanto Fester continuava a lapidar o crânio, Wednesday sentiu, pela primeira vez, que talvez seu lado antissocial não fosse um empecilho para cortejar uma loba.
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Na manhã seguinte, o céu estava cinzento e pesado, como se anunciasse uma tempestade. Para Wednesday, o clima perfeito. Ela vestiu seu tradicional vestido preto e pegou seu arco, conferindo as flechas com pontas afiadas.
Ao sair pela porta dos fundos da mansão, encontrou Fester já esperando, com um sorriso largo e um facão enferrujado na mão.
— Pronta para caçar, pequena predadora? — perguntou ele, com olhos brilhando de empolgação.
— Sempre. — Wednesday ajeitou o arco no ombro e seguiu seu tio em direção à floresta próxima.
O caminho estava coberto por folhas secas, que estalavam sob os pés. Fester se movia com passos pesados e animados, enquanto Wednesday deslizava como uma sombra silenciosa.
— O truque é ser paciente — sussurrou Fester, fazendo sinal para que ela parasse. — Os cervos são espertos, mas nós somos mais.
Eles se esconderam atrás de uma árvore retorcida, observando a clareira adiante. O vento soprou, carregando o cheiro úmido da terra. Alguns minutos depois, um cervo jovem apareceu, pastando calmamente.
— Mire no coração — murmurou Fester, apontando para o peito do animal.
Wednesday ergueu o arco, puxando a corda com precisão. Seus olhos estavam fixos na criatura, frios e determinados. Quando estava prestes a soltar a flecha, o cervo levantou a cabeça, farejando o ar.
— Agora! — exclamou Fester.
Wednesday disparou, e a flecha atravessou o ar, atingindo o cervo com um som surdo. O animal tropeçou, deu alguns passos cambaleantes e caiu. Fester soltou uma gargalhada de satisfação.
— Que tiro! Você tem o instinto, garota! — disse ele, dando um tapinha no ombro dela.
Wednesday se aproximou do cervo caído, observando o coração que ainda pulsava levemente. Parte dela se sentiu satisfeita com o sucesso da caçada. Outra parte, no entanto, refletiu se aquilo realmente impressionaria Enid.
— Isso vai conquistá-la — garantiu Fester, como se adivinhasse os pensamentos da sobrinha. — Um presente assim mostra determinação, ferocidade e respeito. Lobos valorizam a força.
Wednesday assentiu lentamente. Talvez seu conceito de romance fosse diferente do convencional, mas sabia que demonstrar esforço por alguém que lhe importava era um conceito universal.
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Naquela tarde, ao retornar à Nevermore, Wednesday levou o coração do cervo em uma caixa rústica de madeira. Ao encontrar Enid no corredor, ela se aproximou e, sem cerimônia, entregou o presente.
— Para você — disse, seu tom direto e impassível.
Enid arregalou os olhos ao abrir a caixa e ver o coração ensanguentado. Seu rosto passou por uma sucessão de emoções — surpresa, choque, e depois uma risada nervosa.
— Wednesday, isso é... um presente? — perguntou, tentando entender.
— Sim. Fester disse que lobos apreciam gestos predatórios.
Enid soltou um suspiro, contendo o riso. — Talvez não corações, mas eu... aprecio o esforço.
Wednesday franziu o cenho, intrigada. — Não é o presente certo?
— Não exatamente, mas... é a coisa mais Wednesday que você poderia fazer. — Enid sorriu, um pouco corada. — Vamos guardar isso antes que alguém desmaie, ok?
Wednesday concordou, ainda confusa, mas levemente satisfeita. Talvez ela não compreendesse totalmente os códigos sociais, mas sabia que, de alguma forma, havia causado um impacto.
E para ela, isso já era o suficiente.

VOC? EST? LENDO
Processiones ? OneShot's Wenclair.
FanfictionWednesday em suas férias escolares, estuda a fundo os rituais dos lobisomens para realizar um cortejo digno de Sinclair.