Naquela mesma semana, na sexta-feira à noite, tia Paty apareceu lá em casa, de surpresa, com o rosto cansado e uma expressão que misturava esperança e ansiedade. Ela tentou conversar com minha mãe antes de partirmos, talvez tentar uma última vez desfazer o gelo que havia se formado entre as duas. Tia Paty havia passado todo esse tempo buscando conseguir o perdão dos meus pais para ela e o resto da família Alexander. Mas, por algum motivo que ninguém conseguia entender, as portas dessas conversas se fechavam sempre que nós, as filhas, tentávamos nos aproximar.
Nós havíamos sido proibidas de falar com a nossa própria tia. O que não era justo, afinal, ela era a pessoa que justamente não tinha feito nenhum mal naquela história.
O ressentimento continuava ali, quase dava para sentir no ar, mesmo que elas não trocassem palavras pesadas diante nós desde aquele dia no hospital. Aquilo parecia ter tomado conta dos corações dos meus pais, afastando-os da família, empurrando-os cada vez mais para longe.
Longe até demais.
Não podendo presenciar a conversa entre elas, naquela noite, depois de voltar da farmácia, resolvi tentar arrumar o resto das minhas coisas, já que partiríamos em breve. Meu peito doía particularmente forte naquela semana, depois de conversar com Luke.
Um sentimento estranho havia se apoderado de mim desde aquele dia. A cada segundo fazia um esforço enorme para não chorar e me culpar pelo que estava por vir.
As coisas, naquela altura, mesmo que estivessem mais calmas não deixaram de ser estranhas. Talvez seja por saber que seríamos para sempre julgados que meus pais resolveram sair dali definitivamente.
E ainda tinha o trabalho da minha mãe, o que complicava mais as coisas. Ela era corretora de imóveis e, nessa profissão, a imagem é tudo. Qualquer boato, escândalo ou situação mal resolvida, podia custar uma venda, e ela sabia disso melhor do que ninguém. Depois de anos se esforçando para chegar onde estava, não queria arriscar sua reputação. Era como se cada cliente em potencial estivesse de olho na nossa família e em tudo que acontecia ao nosso redor. Lá, na capital, pelo menos recomeçaríamos nossas vidas sem um carma como este em nossas costas, por mais que Pierre esteja vivo e Luke fosse o mais prejudicado por causa da violência que se meteu com ele.
— Oi, meu amor. – Para minha surpresa, tia Paty havia conseguido ir até o meu quarto. Quando me virei, ela me abraçou forte imediatamente. — Sua mãe deixou eu vir me despedir de vocês, mas eu não tenho muito tempo – explicou, com olhos lacrimejados.
— Então, a senhora não conseguiu fazer com que eles desistissem, não é?
Ela negou com um aceno.
— E eu tentei, meu amor, eu juro. Com todos os argumentos possíveis.
Eu sabia disso. Mesmo assim, era insuportável perceber que havia perdido a minha única esperança.
— Tudo bem. – Suspirei lentamente e me sentei na cama. — Eles dizem que será bom para Marlina, não é? Quer dizer, ela vai entrar em um novo tratamento para anemia.
Tia Paty bufou e se sentou ao meu lado.
— Sim, eu estou ciente. Porém, eles deveriam pensar no que é melhor para você e Jaqueline também. Estou cansada de lembrar a Pâmela sobre isso – ela sussurrou. — Aqui, pelo menos, eu poderia ficar de olho em vocês duas. Como vão se cuidar sozinhas?
A encarei sentindo o mesmo nó na garganta que se transformava em lágrimas. Tentei engolir, mas não foi tão efetivo quanto gostaria.
— Não se preocupe, tia Paty. Eu e a Jaqueline daremos um jeito. Nós sempre demos – disse quando consegui soar clara.
Ela me abraçou novamente.
— Você tem o meu número, não é? Não hesite em me ligar sempre que quiser, e não tenha vergonha de me pedir nada. Eu estarei aqui para você, mesmo que fisicamente não estejamos por perto. E, eu sei que em algum momento a Pâmela vai deixar vocês virem nos visitar. Ela não pode ficar de cara feia e coração fechado para sempre.
Assenti com um aceno, abraçando-a de volta.
— Tenho uma coisa para contar, tia – lembrei-me e a encarei. — Eu... acho que estou menstruando pela primeira vez.
Ela me olhou impressionada.
— Ainda não contei para ninguém – informei. — Eu não sei se quero contar para mamãe agora. Ela não tem me dito coisas boas atualmente. Só me olha como se fosse a culpada de tudo o tempo todo. Ia pedir ajuda para Jaqueline, já que a Marlina não sangra por causa da anemia, mas ela não está aí.
Tia Paty segurou a minha mão a apertou com força.
— Você quer ajuda para contar a ela? Nós podemos fazer isso agora.
Neguei sem dizer uma palavra. Meu coração dizia para não compartilhar aquilo com a minha própria mãe naquele momento, porque, se percebesse o seu olhar de desdém mais uma vez, talvez transformasse aquele momento tão significativo em um pesar.
— Quer que eu te diga como é? Que te ensine a usar os absorventes?
Assenti.
— Eu comprei um na farmácia, não sei se está certo – informei, mostrando-a logo após retirar uma embalagem da sacola.
— Ah, minha querida, esses são um pouco grandes para você. Está vendo este "noturno" aqui? Estes tipos são os maiores, quase se assemelham a uma fralda geriátrica. Não os use durante o dia, eles marcam muito suas roupas. Espere aqui, eu darei um jeito de ir até lá e voltar com algumas coisas sem que a sua mãe nos veja. Me encontre perto do portão daqui a dez minutos. Está sentindo alguma cólica? Algum lugar no seu corpo dói.
Neguei com um aceno. Acho que a dor no coração não conta.
— Tia, antes de você ir... como eu farei em dias que precisarei nadar? O que eu uso? Quer dizer, eu não acho que seja isso. Se são como fraldas, eles devem ficar encharcados.
Ela riu da minha confusão e passou a mão em minha cabeça.
— Não se preocupe. Eu voltarei com alguns pacotes e te conto tudo logo, logo – informou. Seu semblante pareceu-me mais iluminado naquele instante com a perspectiva de me ajudar naquele instante.
Era estranho como sempre disseram que aquele momento era especial para as mulheres, porque representava uma nova fase da vida. Eu estava me tornando oficialmente adolescente, e estava aliviada por ser como uma garota qualquer, com nada de anormal acontecendo. Porém, por dentro, um pouco triste por saber que eu deveria ter pedido ajuda para a minha mãe nessa primeira vez, mas que, no fundo, tinha apenas medo de incomodá-la e preferi passar por isso sozinha.
Sorte minha poder ver a tia Paty uma última vez antes de partir, e ela sempre me tratar como a filha que nunca teve.
Tia Paty voltou com muitos pacotes e me entregou no jardim. Dentre os diversos absorventes, uma cestinha de chocolates, um ursinho que segurava um coração vermelho e uma pulseira de aço inoxidável para bebês que ela comprou na farmácia mesmo, contendo a data gravada de hoje, que colocou no pescoço do urso como lembrança desse dia. Sentadas no jardim de entrada, ela cochichou tudo para mim enquanto me mostrava cada uma de suas escolhas, me entregando um livrinho no final sobre ciclo menstrual.
Foi a última vez que eu a vi antes de irmos embora. Passamos boa parte da noite juntas ali no jardim, e eu nem sei dizer se minha mãe ainda estava ciente da sua presença e se ficou indignada por estar passando da hora. No fim das contas, não importava; ao menos eu tinha alguém do meu lado naquele momento e não estava só.
03 de novembro de 2009 – dois anos depois
O meu aniversário de quinze anos será daqui a dois dias.
Há dois anos atrás, nós nos mudamos de Santo Antônio do Sudeste para a capital do estado, que fica a cerca de quatro horas e meia de distância. Não era muito tempo, mas, ainda assim, nunca mais colocamos os pés lá.
A nossa vida na capital é um pouco diferente do que era em Sto. Antônio. Eu e Marlina dormimos no mesmo quarto, e quase que eu fui parar no quarto da Jaqueline ao invés disso, porque minha mãe achava que nós deveríamos dar o espaço exclusivamente para Mar, que sempre teve o cômodo mais limpo e arrumado da casa.
Porém, minha irmã não aceitou. Ela queria dormir comigo e, enquanto não prometi que não entraria uma poeira vinda de fora por ali e que todas as nossas roupas no armário fossem esterilizadas, eu e ela não poderíamos dividir o mesmo quarto. Nesse tempo, foi como viver como uma pessoa hipocondríaca, já que nada meu poderia estar sujo ou minimamente suado.
A casa – ou melhor, apartamento – era ligeiramente menor. Eu odiava o fato de não ter um jardim, Mar odiava ter que subir de elevador todos os dias e Jaqueline odiava não poder fugir pela janela do quarto. Todos os cômodos pareciam muito juntos, privacidade não era uma coisa de se obter tão fácil quanto antes, e nossos pais estavam sempre de olho em nós três, nossas atividades, e os horários eram regulados.
Na verdade, meu pai era o maior protetor. Ele dava broncas constantes em mim e Jaqueline sempre que via alguma coisa fora do padrão. Minha irmã, que já estava com seus dezessete anos e se formando no ensino médio, nesta altura já não aguentava mais viver ali. Tinha planos de se mudar para outro estado, caso conseguisse uma bolsa de estudos em uma faculdade bem longe daqui, ou, se o seu maior sonho se concretizasse, se tornar uma modelo de sucesso e se mudar do país, de preferência.
E ela poderia conseguir isso. Jaqueline era, sem dúvida nenhuma, a mais bonita entre nós três. Com seus um metro e setenta e cinco de altura, tinha um corpo padrão daVictória Secrets. Seus cabelos, antes loiros mais claros, estavam quase cor de mel, que ela passou a manter bem tratado para as campanhas de moda que conseguia fazer pela cidade. Conseguiu um contrato com uma agência média, ganhava um bom dinheiro quando tinha desfiles, mas usou boa parte dele para injetar em seus books e se inscrever em testes de agencias mais famosas.
Marlina, por outro lado, parecia ainda mais branca do que nunca. Os cabelos loiros dela se assemelhava muito com os do papai, que, na verdade, já estava completamente branco naquela altura. Marlina obviamente estava mais alta, mas continuava muito magra. O seu tratamento experimental para anemia, por outro lado, havia dado resultados positivos; desde que começara, ela não passou mais do que dois dias internada em um hospital uma única vez por causa de problemas de saúde. Porém, mesmo que o medicamento fosse incrível e aumentasse a sua imunidade, ela ainda inspirava cuidados constantes, e quase nunca tomava sol ou praticava alguma atividade física.
Mudar para cá tornou-a completamente deprimida. A vida, que antes parecia ser melhor por causa dos diversos amigos, parentes e situações cômicas do dia-a-dia, havia se tornado cinza como aquele prédio onde vivíamos, e ela sentia cada vez mais tristeza dentro daquele cubículo, onde só conseguia ouvir sempre os ataques de nervosismos de nossa mãe, que parecia cada vez mais protetora com relação a ela.
A escola não havia nos cativado. Mesmo que eu continuasse com a natação, não era como antes.
Nada era, porque faltava alguma coisa ali.
E eu sabia exatamente o que faltava.
Cada vez que me pagava pensando nisso, mergulhava num mundo de lembranças que me atormentavam. Nunca pensei que eu fosse sentir falta dele.
Maldito Luke. Como eu iria imaginar que ser perturbada incessantemente me faria sentir falta de alguém?
Principalmente quando eu competia.
No primeiro ano, decidi que não tentaria passar para as municipais, mas me dediquei a treinar ao máximo para tentar conseguir no próximo. Neste ano, em maio, passei sem dificuldades no teste da escola.
Mas, ele não estava lá. Só havia restado o colar, duas fotos juntos, um convite para formatura e uma promessa.
Em julho, conquistei a medalha de ouro nas municipais e consegui concretizar o meu desejo de seguir para as estaduais, mas foi um pouco mais complicado justamente por competir com as meninas da capital. Lá, haviam muitas escolas que participavam, e a minha altura ainda não estava tão a meu favor. Eu tinha esperanças de crescer como Jaqueline um dia, mas, aos quinze, ainda estava com um metro e sessenta dois, apenas. Isso não é ruim, mas não o ideal para a natação, mesmo que a menor ganhadora dos jogos olímpicos da história tenha exatamente esta altura.
E eu era boa em fazer Medley, justamente porque combinar os quatro estilos de uma vez poderia ser um problema para os demais nadadores que se contentavam com um só. Me concentrei em ser boa nos quatro durante esses dois anos - peito, costas, livre e borboleta, o que me deu mais chances de ganhar qualquer uma das competições que poderia entrar, e que foi o caso dessa, já que, pela idade, deveríamos competir em uma das categorias ou nas quatro. Venci no Medley porque fui a melhor entre todas as meninas da minha idade, conquistei a vaga para a competição estadual e finalmente ganhei a medalha de ouro.
E foi apenas isso o que fiz nesse tempo, nada além. Eu nadava todos os dias, mesmo que minha mãe dissesse que meu cabelo iria ficar ressecado – eu juro que não está –, e que minhas costas iriam ficar largas, desproporcionais ao resto do corpo – que, até agora, não parece ser o caso. E, se for, eu não me importo! Eu precisava de algo para me concentrar e me tirar daquele ambiente de solidão e culpa, e encontrei na natação a força que precisava para continuar.
Naquela noite, depois de chegar do treino porque quase fui expulsa pelo treinador da escola por já se passar das seis horas da noite, encontrei Mar na sacada do prédio olhando para o céu sem piscar.
Antes de tudo, precisei colocar minhas roupas – uniforme escolar e maiô de natação – para lavar, senão minha mãe reclamaria da "sujeira". Tomei um banho digno e me hidratei da maneira que necessitava antes de me sentar na sacada com ela.
— Você demorou – ela disse sem desviar os seus olhos do céu.
— O campeonato estadual acontece no fim do mês, eu preciso me preparar – lembrei. — Agora vai ser contra todas as meninas que também venceram o Medley no estado e eu preciso garantir a minha vaga para a última etapa.
— Você vai ganhar, eu sei disso – ela sussurrou com um suspiro. — Você e a Jaqueline são tão boas no que fazem. Ficarão famosas no futuro.
A encarei um pouco incomodada com a sua apatia. Eu sabia que ela não estava nos seus melhores dias, e que o fato de que eu e Jaqueline conseguimos nos dedicar a coisas de que gostamos sem dificuldades a deixava triste. Afinal, Mar não conseguia fazer nada que a exigisse grande esforço. E, mesmo que conseguisse, nossa mãe a limitava sempre dizendo que ela iria se machucar ou ficar ainda mais doente.
— Mar, acho que você deveria procurar alguma coisa para fazer também. A escola oferece muitas aulas avulsas pela tarde – aconselhei. – Eu sei que morar aqui está consumindo a nossa alegria, mas não acho que deva se abater...
— Mamãe está consumindo a minha alegria, Sam. Não é o lugar – ela esclareceu com outro suspiro. — Ela não me deixa em paz. Parece que sou de vidro. Quer dizer, pior, porque até os vidros temperados são fortes e provam suas resistências.
Eu entendia perfeitamente.
— Você e Jaqueline tem sorte de não serem vigiadas vinte e quatro horas por dia – ela continuou. — Desde que resolvi acompanhá-la na busca por Pierre naquela festa, ela tem me tratado como se fosse eu a sofrer tudo o que ele sofreu. Eu não aguento mais. Já tem mais de dois anos que não consigo respirar fora de casa e fazer alguma coisa divertida. Eu queria tanto voltar para Santo Antônio, Sam. Ver todo mundo, sabe? Tenho saudades das nossas amigas, da nossa vida perto dos familiares, da tia Paty, dos meninos...
— Eu não sei como posso ajudá-la. Não há nada que a faça mudar de ideia, você já percebeu isso. Além do mais, mal podemos sair desse apartamento e explorar a cidade porque ela diz ter medo da violência.
Ela assentiu sem dar uma palavra.
— Como eu posso me livrar disso? Sinto que estou perdendo a vontade de continuar viva. Para quê continuaria? Você sabe que até mesmo as tintas que comprei para tentar pintar foram tiradas de mim, porque respingou em meu rosto e me deu alergia. Mamãe me comprou um tablet e disse para eu tentar desenhar nele. Isso faz sentido para você? Se ela dissesse para você nadar numa banheira ao invés da piscina, você aceitaria? Eu não queria pintar em um tablet!
Eu apenas concordei com a sua indignação e continuei a ouvi-la desabafar.
— Queria tanto fazer ballet com as outras meninas da minha sala, mas ela não permitiu depois que me acompanhou na primeira aula e viu que eu fiquei tonta. A professora disse que era normal, e prometeu que eu poderia fazer em meu ritmo..., porém, ela se desesperou, imaginando que eu poderia cair e bater a cabeça, ter um sangramento e morrer.
Eu estava começando a achar que mamãe precisava procurar uma terapia.
— Quando eu quis fazer aula de teatro, ela foi contra, e sabe por quê?
Neguei com um aceno. Na verdade, eu nem sabia que a Mar quis fazer teatro em algum momento.
— Nem eu sei! Ela só disse não e pronto. No dia seguinte, pensei que eu poderia burlar a sua negação e ficar na escola junto com você para ir a uma aula, mas ela foi me buscar. Me levou para tomar sorvete, conversou comigo e fingiu interesse em meus assuntos, mas foi dando alternativas diferentes para eu mudar o meu foco. Invés de aulas de teatro, perguntou se eu não queria fazer curso de inglês online. Perguntei se eu podia fazer alguma aula de música, mas ela disse que papai não iria me deixar treinar em casa por causa do barulho. O pior? Eu sei que isso é mentira!
— Você deveria discutir com ela – Jaqueline apareceu de surpresa ao nosso lado lambendo uma colher de doce que eu sabia ser diet. — Parece que a jararaca não quer te ver crescer.
— Jaqueline! – eu quis dar uma bronca nela por causa da maneira que chamou nossa mãe, mas ela obviamente não ligava.
— Se você continuar a agir feito criança, ela vai te tratar para sempre assim. Nossa mãe se projeta totalmente em você porque ela se sente a filha menos amada da nossa avó, mesmo que isso seja completamente mentira. A mocreia é cheia de drama.
— Não a deixe ouvir você falando assim – aconselhei.
— E o que você acha que ela vai fazer, Sam? Brigar comigo? Me botar de castigo pela milésima vez? Alguém tem que mandar a real naquela velha. Está ficando cada vez mais insuportável. Se continuar assim, quando chegar a hora de uma de nós cuidar dela, vai ser difícil... ninguém vai querer se responsabilizar.
— Isso não é verdade. Ela ainda é a nossa mãe – rebati.
— Eu te proíbo de ser puxa-saco, Samantha! O que ganha com isso? Ela despreza nós duas, mas você ainda tenta ganhar a admiração da velha. Percebeu que ela fez pouco caso da sua medalha de ouro esse ano? Percebeu que ela não me deu nem parabéns quando estamparam uma foto minha em um outdoor, feita para uma campanha da Colcci? Esquece isso e vai viver a sua vida quando for a hora de sair de casa. Ou isso, ou nós mandamos a real e ela trata esses distúrbios antes de se tornar uma decrépita.
— Ela não despreza nós duas, só não sabe se se expressar muito bem.
Jaqueline bufou.
— Que dia será a sua festa de quinze anos, querida? – questionou. — O seu aniversário é daqui a dois dias...
— Eu não vou ter e você sabe disso.
— E por que não vai? – ela insistiu.
— Por minha culpa, é claro! – Marlina respondeu antes que eu falasse. — Eu não tive aniversário de quinze anos porque estava no meio de um tratamento intensivo com os medicamentos, passei o ano inteiro sob observação e com enjoos constantes. Ela cancelou tudo, o meu e o da Sam, e disse que era para eu não me sentir rejeitada ou excluída.
— Ela só pensa assim quando é com você! – Jaqueline exclamou. — Eu só consegui ter uma festa por causa da tia Paty, que fez absolutamente tudo de graça na decoração e ainda ajudou a pagar a comida. Naquela época eu ainda achava que ela tinha algum apreço por nós, mas, nesses dois anos aqui, entendi que nós duas estamos crescendo sem uma mãe, Sam. Para demonstrar amor, não precisa ser com palavras. Só o papai se responsabiliza pela gente, e, ainda assim, muito mal. Tudo o que nós ganhamos são broncas. Nossa mãe não foi a maior entusiasta quando fiz quinze anos, ela não queria, na verdade, porque achava caro demais e o dinheiro guardado era para tratamentos da Marlina, que, inclusive, estava doente naquela época.
Suspirei sem saber o que responder. Senti meus olhos arderem até ficarem lacrimosos, mas eu não conseguia contradizer a minha irmã mais.
— Daqui a quatro dias é a festa de aniversário de quinze anos da Alice também, e ela nos chamou para sermos as damas dela – Mar lembrou. – Disse que se não formos, vai ficar desfalcado, mas que o lugar é nosso e ela não quer nos substituir. Não sei como nos considera suas melhores amigas mesmo estando tão longe. Porém, eu quero ir. Pedi à mamãe milhares de vezes, mas só de ouvir sobre aniversários de quinze anos ela fica de cabelos em pé! Se eu não puder fazer nada na minha vida em paz, eu vou desistir! Do que adianta tanto tratamento se eu não posso mais viver?
Jaqueline a encarou preocupada. Talvez, pela primeira vez, Marlina havia conseguido essa façanha.
— A vovó está um pouco doente, a pressão dela está desiquilibrada há um tempo, e eu ouvi a mãe dizer que, infelizmente, nas palavras dela, nós devêssemos ir até lá um fim de semana desses para cumprir com a obrigação de netos. Talvez, se nós pedirmos para ir visitá-la, ela concorde em deixá-las irem ao aniversário com um responsável. Mas é você, Marlina, quem tem que conversar com ela desta vez, e dizer exatamente isso o que acabou de falar! De preferência na frente do nosso pai, que é para ter outra pessoa adulta com um pouco mais de neurônios saudáveis na cabeça para avaliar esse pedido.
Era meu aniversário quando, com muito desgosto, mamãe contou à mesa de jantar que nós iríamos para Santo Antônio naquele fim de semana.
O dia não havia sido ruim, apesar de estar um pouco angustiada. Assim como Mar, eu não tinha amigas mais íntimas na cidade, e não podia passear livremente por aí me para me divertir nesta data. Porém, havia ganho alguns presentes; Jaqueline me deu uma bolsa de maquiagem completamente nova e cheia de coisas, com um espelho e luzes de led acoplada nela. Eu sabia que tinha ganho aquilo por causa de uma campanha de maquiagem que ela fizera, mas os produtos eram tão incrivelmente caros e tinha tantas coisas à prova d'água que não reclamei do fato de não ter gasto um real sequer ou colocado em um embrulho.
Marlina me acordou com um café da manhã na cama, comprou flores escondidas da nossa mãe, fez um bolo durante o dia e estava feliz, o que já me deixava mais relaxada.
Papai, assim que voltou do trabalho, me entregou uma caixa de veludo preta. Quando abri, vi um conjunto de anel, brinco, pulseira e cordão, todos de ouro, cada um deles com um pingente de brilhante muito delicado que ele, prontamente, disse que havia se inspirado no cordão que eu não tirava do pescoço.
Somente Marlina sabia que o cordão que eu usava fora dado por Luke. Eu não havia contado para Jaqueline que ele havia trocado o nome e me dado o que deveria ser dela, já que ele mesmo não havia dito isso. Não queria que minha irmã se zangasse mais uma vez, então, naquela época, eu disse que havia comprado com o dinheiro que ganhei da competição municipal, pois o primeiro, segundo e terceiro lugar ganham uma quantia simbólica como prêmio, além da medalha.
E, por mais que Jaqueline diga que nossa mãe nos despreza, ela apareceu no quarto antes do jantar naquele dia com um celular novo para mim. Não era o melhor celular de todos, mas eu não me importava, afinal, já era melhor do que o meu.
— Vocês têm regras a serem seguidas. — Depois de comermos, ela começou a falar sobre as condições para a viagem. — A primeira delas é que vocês três tem que dormir na casa da minha mãe. Não me interessa se a festa é longe, sei que vai ser um pouco chato voltar até aquela roça depois, mas está fora de questão desobedecê-la. Se eu souber que alguma de vocês dormiu em outro lugar, estarão imediatamente de castigo.
Jaqueline revirou os olhos ao ouvir isso.
— Vou contratar um táxi para pegá-las exatamente à meia-noite. A festa começará às oito e vocês tem quatro horas para se divertirem nela, não mais do que isso! E nem tentem me convencer de dormir na casa da Patrícia, porque eu não quero vocês metidas com aqueles imbecis dos Alexander. Ela será responsável pela festa e estará lá, mas já a avisei que quero que cumpram minhas regras – alertou. — Falando nisso, a segunda regra é essa; não falem com eles. Não interajam, não cumprimentem, não deem assunto.
Percebi os ombros da minha irmã mais velha murchar e franzi o cenho. Ora essa, será que ela tinha alguma esperança de flertar com Luke novamente? Eu pensei que Jaqueline tinha o superado, principalmente porque ela nunca mais falou dele. Será que estava equivocada?
— Terceiro: não se separem, de maneira nenhuma! As três chegam juntas, as três irão embora juntas!
— Mas, mamãe, eu e Sam iremos nos arrumar junto com a Alice, e a Jaqueline não é uma dama. Ela não precisa chegar junto conosco...
— Nada disso. Jaqueline ficará com vocês o tempo inteiro, até nessas horas.
— Ah, qual é! — ela resmungou.
— Tudo bem – foi tudo o que eu disse. Já estava achando um milagre ter deixado que nós fôssemos para lá sozinhas, principalmente Marlina. Mas, mesmo que não tenha ouvido a conversa entre elas, percebi que, na tarde de ontem, minha irmã estava com os olhos inchados, provavelmente por causa de choro, e que ela havia feito um pouco mais de drama desta vez para conseguir essa façanha, e soube que papai ficou do lado dela.
— Eu não poderei desmarcar meus compromissos do fim de semana porque tenho uma festa Open House de um imóvel que vale milhões! A minha comissão será bem salgada se conseguir vender ela, e estou planejando finalmente mudarmos de apartamento. Esse daqui está muito pequeno para nós cinco. Se não fosse isso, eu viajaria com vocês, mas agora eu preciso focar nesta prioridade.
Felizmente, essa era outra notícia boa.
— Contudo — ela continuou —, vocês irão no sábado de manhã e voltarão no domingo pela tarde, depois do almoço.
— Mas... — Jaqueline abriu a boca para falar.
— Sem protestos! Vocês têm aula na segunda-feira de manhã, e, se reclamar, vai ficar em casa! – minha mãe respondeu antes de qualquer coisa.
Notas Finais:
O capítulo ficou meio grande porque eu não quero enrolar muito enquanto elas estiverem em outra cidade. Os próximos serão de tirar o fôlego, vem aí o que todo mundo quer e o que ninguém pediu (muahahaha risada da bruxa).
Ansiosos?
Não esqueçam de comentar e votar. SÉRIO GENTE, VAMO AJUDAR A AUTORA A TERMINAR ESSA HISTÓRIA O MAIS BREVE POSSÍVEL DOANDO ÂNIMO PRA ELA.
Beijos