⊱ 〔 Capítulo Trinta e Quatro 〕 ⊰
──── Poção Polissuco
Assim que Voldemort aparatou pra fora da sala, ao final da reunião, Lilith sentiu seus ombros relaxarem — imperceptivelmente. Era como se uma corrente invisível tivesse sido afrouxada em torno de seu pescoço.
Era um alívio absurdo. Ela não sabia o que faria se tivesse que receber Lorde Voldemort como hóspede permanente na Mansão Malfoy, como um turista hospedado num hotel cinco estrelas. Só a ideia já a deixava enjoada. Pelo menos seria mais fácil aturar essa situação se fosse apenas nas reuniões.
Mas o alívio não durou muito.
Enquanto os Comensais ainda murmuravam entre si, preparando-se para partir, Lilith percebeu que o enjoo que crescia desde o meio da reunião só piorava.
Cada palavra trocada, cada plano sussurrado com entusiasmo — sequestros, torturas, mortes — fazia o estômago dela revirar, e Lilith se manteve imóvel, encarando um ponto fixo da parede, como se sua mente tivesse abandonado o próprio corpo.
Ela sabia o que estava fazendo, sabia da missão que havia aceitado, mas nada disso anestesiava o horror puro de estar entre eles, ouvindo e fingindo consentir.
O veneno se espalhava devagar pela alma.
Cada plano, cada palavra cuspida de ódio, cada riso satisfeito dos comensais era como uma faca sendo girada dentro dela. Ela sabia porque estava ali. Sabia que era necessário. Sabia o que havia prometido a si mesma. Sabia seu plano.
Mas nada disso impedia o enjoo que subia por sua garganta. O gosto metálico da bile que ela forçava a engolir. A vontade crua de gritar e amaldiçoar cada um dos presentes na sala até ficar rouca.
Uma crise estava se formando dentro dela, crescendo como uma tempestade furiosa.
Mas Lilith era boa nisso.
Desde o terceiro ano, desde o começo das verdadeiras cicatrizes, ela aprendera a esconder as crises. Respirar fundo, parecer indiferente. Malfoys não tem fraquezas. Chorar é uma fraqueza.
Então foi isso que ela fez.
Ela sobreviveu até o final da reunião como uma estátua, sem tremer, sem chorar, sem piscar demais.
Ainda assim, ela manteve o rosto neutro, como aprendera desde o terceiro ano de Hogwarts. Esconder crises era uma habilidade que dominava tão bem quanto esconder lembranças.
Só mais alguns minutos. Só até estarem todos fora daqui.
Quando o salão enfim começou a esvaziar, Lilith se virou para sair o mais rápido que podia, o coração martelando forte, a crise de pânico que estava começando, roendo suas defesas a cada passo.
Lilith se levantou em um movimento rápido e se dirigiu para fora.
Ela precisava sair dali. Chegar ao quarto.
Trancar a porta, enfiar a cabeça entre os joelhos e finalmente respirar.
Só que ela não chegou tão longe.
No meio do corredor, sentiu a mão ossuda de Lucius Malfoy agarrar brutalmente seu braço. O toque foi como ácido em sua pele.
──── Que merda foi aquela?! ──── ele rosnou, o rosto branco de fúria, a mão apertando tanto que ela sentiu os ossos rangerem. ──── O que você tinha na cabeça, contando tudo sobre Potter?! Você quer nos matar?!
A crise que Lilith vinha sufocando alcançou o auge naquele instante. Toda a contenção explodiu em uma linha tênue rompida.
Ela já havia avisado. Ela tinha avisado o que aconteceria se ele tocasse nela outra vez. Narcisa havia autorizado, não?
Num único movimento, Lilith puxou a varinha da barra da calça e, sem hesitar, berrou:
──── Estupefaça!
Lucius foi lançado contra a parede com força brutal, o impacto ecoando pelo corredor. Ele deslizou para o chão, atordoado, o manto desalinhado.
O barulho chamou atenção.
Draco e Narcisa apareceram correndo, as expressões horrorizadas congelando ao ver Lucius desmoronado e Lilith, ofegante, com a varinha ainda erguida.
──── Eu avisei ──── Lilith disse, tentando conter a raiva, e até mesmo a crise, no tom de voz. ──── Eu avisei que se ele encostasse em mim de novo, eu não pensaria duas vezes. E não pensei.
Draco olhou do pai para Lilith, como se não soubesse de que lado ficar. Narcisa, com o rosto pálido, apenas puxou o filho para trás, temendo o que mais poderia acontecer.
Lilith abaixou a varinha com lentidão, mas seus olhos continuavam duros, implacáveis.
──── E antes que algum de vocês abra a boca ──── ela disse, a voz cortante como lâmina ──── saibam que eu não fiz aquilo por ele. ──── Apontou com o queixo para Lucius inconsciente. ──── Eu fiz por mim. Porque diferente dele ──── seus olhos faíscaram ──── eu ainda tenho neurônios funcionando.
Ela se aproximou, baixando o tom:
──── Se eu tivesse ficado calada hoje, o Riddle não pensaria duas vezes antes de matar todos nós. Porque pra ele, a mínima dúvida é uma sentença de morte. E não precisa ser um gênio pra perceber isso.
Endireitou os ombros, encarando Draco e Narcisa como se estivesse cravando cada palavra na pele deles.
──── Eu contei o suficiente para sobreviver. Contei o suficiente para não morrer. ──── Seus olhos se estreitaram. ──── Se Lucius viver ou morrer pra mim é indiferente. Mas acredite... a única vida que eu vou proteger nessa casa é a minha. Pode me chamar de egoísta de novo, Draco. Porque dessa vez eu realmente serei. Boa noite.
Sem esperar resposta, Lilith virou as costas, as mãos tremendo — embora apenas ela soubesse disso —, e seguiu em direção ao quarto, o coração batendo tão forte que parecia que o som preenchia todo o corredor.
──── Lilith! ──── Draco chamou, a voz desesperada atrás dela.
Ela ignorou. Não podia, não queria lidar com ele agora. Cada passo seu era rápido, decidido, quase furioso, como se se movesse apenas para impedir o próprio corpo de desmoronar.
──── Lilith, espera! ──── ele insistiu, e o som das botas dele batendo no chão ecoou pelo corredor.
Ela apertou ainda mais o passo. O ar parecia pesado, grudando na garganta dela. O mundo inteiro parecia pressioná-la, como se a mansão fosse um grande caixão esperando para fechá-la lá dentro.
Quando chegou em frente à porta do quarto, abriu apressada, e já dentro do quarto, ergueu a varinha com as mãos trêmulas e murmurou um feitiço de trancamento. A porta se fechou com um estalo firme bem na cara de Draco, que tentou girar a maçaneta em vão.
──── Lily, por favor ──── ele chamou mais uma vez, a voz abafada pela madeira pesada.
Ela encostou a testa na porta por um segundo, fechando os olhos com força. Cada fibra do seu corpo pedia pra ela deslizar até o chão, chorar, sumir. Mas ela não se permitiu.
Se virando com raiva e ofegante, ainda a beira de uma crise, Lilith quase sacou a varinha de novo quando deu de cara com duas figuras sentadas em seu quarto.
Theodore e Mattheo estavam jogados, Theo em uma poltrona, e Mattheo na cama dela.
O silêncio foi absoluto por alguns segundos, antes de Theo levantar as mãos, como quem se rende:
──── Antes de qualquer coisa... ──── disse ele, com a voz meio arrastada ────... não foi ideia minha.
──── Nem minha ──── completou Mattheo imediatamente, apontando para o Theo.
Lilith cruzou os braços, respirando com dificuldade, os olhos alternando entre os dois.
──── O que vocês dois estão fazendo aqui? ──── ela rosnou, a voz rouca.
Theo pigarreou.
──── Bom... tecnicamente... invadimos. ──── Deu um sorriso de canto, desajeitado. ──── Achamos que seria mais seguro do que ficar vagando pela casa depois da reunião.
──── Não sabíamos que você ia voltar tão rápido ──── Mattheo disse com o mesmo sorrisinho. ──── Ou que você ia matar seu pai no caminho.
Lilith deixou escapar um riso seco e sem humor.
──── Eu não matei ──── ela respondeu, amarga. ──── Infelizmente.
Sem dizer mais uma palavra, atravessou o quarto, cada movimento gritando a tensão que ela se esforçava para esconder. Ambos os sonserinos se entreolharam, antes de voltar a atenção a ela com a testa levemente franzida.
Suas mãos ainda tremiam violentamente quando ela abriu a gaveta da escrivaninha, remexendo com brutalidade até encontrar o pequeno frasco de vidro quase vazio.
Sem hesitar, ela destampou e virou o conteúdo de uma só vez, sentindo o gosto amargo da poção para ansiedade rasgando sua garganta. Fechou os olhos com força, tentando conter o tremor que parecia querer quebrá-la em pedaços ali mesmo.
Inspirou fundo, até os pulmões doerem, e então se virou devagar, encarando os dois garotos que ainda a observavam, meio tensos, meio culpados.
──── Agora ──── ela disse, a voz finalmente mais firme, embora ainda carregada de exaustão ──── me digam: o que, exatamente, vocês estavam fazendo naquela reunião?
Theo trocou um olhar rápido com Mattheo, arqueando uma sobrancelha como se ponderasse se era seguro responder. Depois soltou um suspiro derrotado e deu de ombros.
──── A gente podia devolver a pergunta ──── disse Theo, tomando um gole preguiçoso da taça que ainda segurava. ──── O que você estava fazendo lá?
Lilith cruzou os braços e apoiou um ombro na escrivaninha, encarando-os com frieza.
──── Eu perguntei primeiro.
Theo soltou um meio sorriso, como se soubesse que não adiantava tentar enrolá-la.
──── Depois do que aconteceu em Hogwarts ──── ele começou, girando a taça ( que provavelmente tinha pego no quarto da garota ) na mão ────... meu pai achou que seria uma "boa ideia" me fazer receber a marca. Disse que seria "pelo meu próprio bem".
Mattheo bufou ao lado, claramente ressentido.
──── E aparentemente ──── completou ele ──── ser parente distante do Lorde das Trevas é uma merda em dobro. Eu também não tive muita escolha.
──── Vai, agora é sua vez. Porque caralhos você fez essa marca, Lils? Porra. Você não vê o quão perigoso é? Ainda mais pelo lance do Potter ──── Theo indagou.
Lilith ficou em silêncio por um momento. Os olhos dela desceram para a marca escura em seu antebraço, visível mesmo sob a manga arregaçada da blusa.
Por um instante, a vontade de desabafar — de contar a verdade — cresceu dentro dela. Contar que tudo fazia parte de um plano, que ela jamais se curvaria de verdade a Voldemort, que tinha mais riscos envolvidos do que eles poderiam imaginar. Que Harry...
Mas o pensamento de Harry foi exatamente o que a fez fechar a boca.
Não podia. Nem mesmo para Theo e Mattheo. Quanto menos pessoas soubessem, menos perigoso seria para ele. Além do mais, seria um risco até mesmo para os dois, e ela não queria arriscar gente que ela se importava.
Lilith ergueu o olhar de novo.
──── Draco me sequestrou em Hogwarts. Me arrancou da porra do castelo e me trouxe pra cá.
Theo arregalou os olhos e Mattheo se endireitou na cama, o sorrisinho debochado morrendo no rosto.
──── O filho da puta fez o quê?! ──── Theo perguntou, visivelmente puto.
──── Uhum, poisé. Meu adorável pai ──── ela continuou, cuspindo a palavra com ódio ──── achou que seria uma boa ideia "garantir" minha lealdade, já que descobriu sobre mim e o Harry. Não me deram escolha a não ser aceitar a marca.
Theo fechou a mão ao redor do braço da poltrona, como se precisasse se segurar.
──── Merda, Lilith... ──── murmurou ele, o tom de voz misturado entre fúria e preocupação.
Mattheo, que raramente perdia o sarcasmo, parecia completamente sério agora. Ambos pareciam putos, na verdade. E Lilith imaginava que eles estavam pensando em maneira de torcer o pescoço do irmão da garota. Nunca foram fãs do Draco, apenas aprenderam a tolera-lo ─ por causa da Lilith, aliás.
──── O que você vai fazer agora? ──── ele perguntou, a voz grave e séria, bem diferente da habitual leveza debochada.
Lilith ergueu o queixo, a expressão fria, determinada, mesmo que o coração ainda martelasse no peito com a lembrança da reunião.
──── Tentar e, eu acho. E garantir que Draco e meu pai se arrependam disso.
Por um momento, Theo e Mattheo apenas a encararam — e então, como num pacto silencioso, assentiram quase imperceptivelmente.
──── Você sabe que nós estaremos aqui pra tudo, não sabe? ──── disse ele, quase envergonhado. Mattheo era tão emocionalmente aberto quanto uma pedra. Nunca falava o que sentia ──── Seja pra deixar a porra do seu irmão careca, ou pra azarar qualquer comensal que pense em sequer olhar pra você.
Theo sorriu de canto.
──── Bom, e pra invadir seu quarto também, se for necessário ──── brincou, piscando um olho e sorrindo levemente pra garota, tentando arrancar um sorriso dela.
Lilith deixou escapar um sorriso de verdade dessa vez — pequeno, fraco, mas genuíno.
──── Idiotas ──── murmurou, a voz rouca de emoção contida.
Mas no fundo, uma parte dela sabia: idiotas ou não, eles eram tudo o que ela tinha agora. E ela não ia mentir, era bom ter rostos conhecidos e confiáveis no meio de tudo isso.
A madrugada parecia ainda mais densa dentro da mansão Malfoy, como se as sombras fossem vivas, sussurrando segredos entre si.
Theo e Mattheo só deixaram o quarto quando Lilith teve certeza de que todos estavam dormindo.
Ela os guiou até a lareira do corredor adjacente e observou enquanto ambos desapareciam pela Rede de Flu, um de cada vez. Antes de partir, Theo a puxou num abraço apertado e rápido, e depois um beijo na testa. Mattheo apenas bagunçou os cabelos dela de leve, como sempre fazia, antes de piscar levemente pra ela e murmurar algo sobre ela se lembrar do que ele disse.
Eles não podiam aparatar porque Lilith sabia que as aparatações em todos os terrenos Malfoy eram controlados por sua mãe e por Lucius, e eram permitidos apenas durante as reuniões ─ afinal, se não fosse por isso, ela já teria aparatado pra qualquer outro lugar.
Quando a poeira mágica baixou, Lilith ficou sozinha. Verdadeiramente sozinha.
Voltou devagar para o quarto, fechando a porta atrás de si com cuidado. A respiração já saía irregular, como se cada passo a deixasse mais consciente do peso que carregava agora.
O quarto parecia imenso, frio e sufocante. Cada sombra nas paredes parecia se alongar em sua direção. Cada rangido da casa antiga parecia zombar dela. A respiração de Lilith ficou pesada, difícil, como se os pulmões se recusassem a trabalhar.
Ela se virou lentamente para a escrivaninha, onde a garrafa vazia da poção para ansiedade repousava, inútil agora. Seu olhar caiu para o braço. Para a marca.
E dessa vez ela não conseguiu evitar.
Com mãos trêmulas, puxou a manga da blusa até o cotovelo, expondo o antebraço pálido — e ali, cravada na pele como uma ferida eterna, estava a Marca Negra.
Parecia pulsar no escuro. Como se risse dela. Como se dissesse que ela pertencia a ele agora.
Lilith passou a ponta dos dedos trêmulos sobre o desenho, quase sem tocá-lo, como se ainda pudesse acordar e perceber que tudo aquilo era apenas um pesadelo.
Mas não era.
A bile subiu pela garganta, o peito apertou, e antes que pudesse controlar, seu corpo se dobrou sobre si mesmo, em um soluço que rasgou o silêncio do quarto.
Ela abraçou os joelhos, apertando os olhos com força, tentando conter o choro que ameaçava explodir de dentro dela. Mas era inútil.
A culpa era esmagadora.
O nojo, sufocante.
O ódio, incandescente.
Contra o pai.
Contra Draco.
Contra Voldemort.
Contra si mesma.
Ela tentava repetir a si mesma que ela não era um deles. Que ela nunca seria.
Mas a marca estava lá. Como uma sentença. Como uma cicatriz que nenhuma magia seria capaz de apagar. E mesmo que ela saiba que só fez porque tem um plano, seu plano não era uma garantia.
Ela não sabia se a ordem ia aceitar ela. Não sabia se Remus ia acreditar nela, se iam confiar nela. Não sabia se Harry ia perdoar ela por tudo, e por carregar a marca.
Honestamente, ela não poderia culpa-los por nada disso. Quem em sã consciência confiaria em uma Malfoy com a marca negra no antebraço?
O choro veio sem que ela percebesse, sacudindo seus ombros enquanto ela afundava ainda mais na cama, sentindo-se pequena, suja, quebrada.
Foi só depois de longos minutos — talvez horas — que o vazio substituiu as lágrimas. Depois de um longo tempo mal conseguindo respirar, como se uma rocha enorme tivesse sido colocada por cima do seu peito.
Ela ficou ali sentada, os olhos secos e ardendo, o coração latejando no peito, a mente em torvelinho.
E no meio do silêncio frio da madrugada, uma certeza se formou com uma clareza cortante:
Ela não podia ficar parada.
Não podia esperar.
Não podia hesitar.
Se ficasse ali, afundando naquela culpa, naquela sujeira, Voldemort já teria vencido sem nem precisar matá-la.
De certa forma, o não ela já tinha. Então precisava ir logo encontrar Remus o quanto antes.
O dia seguinte nasceu cinzento, e a luz que filtrava pelas grossas cortinas de veludo da Mansão Malfoy parecia mal tocar o chão frio de mármore.
Lilith já estava de pé antes do sol despontar completamente, os olhos secos e fixos, o rosto mais pálido do que o normal. Cada fibra do seu corpo doía de uma maneira que não era física — mas ela ignorou. Não havia espaço para fraqueza agora. Não mais.
Se vestiu em silêncio, escolhendo roupas escuras: uma blusa de mangas longas e justas, escondendo tudo o que não queria ver ou mostrar, ─ a marca ─ e uma calça preta. Prendeu o cabelo loiro em um rabo baixo.
A cada passo pelos corredores da mansão, sentia o peso da história impregnada nas paredes. Ali, entre as tapeçarias antigas e móveis velhos, o legado da família Malfoy parecia observar tudo com olhos invisíveis, julgando, esperando.
Quando finalmente chegou ao salão de chá, Narcisa já estava lá. Sentada, com uma xícara de porcelana perfeitamente equilibrada entre os dedos longos e pálidos. As roupas de seda azul-claro que ela usava pareciam ainda mais deslocadas diante da tensão que pairava no ar.
Os olhos frios de Narcisa subiram assim que Lilith cruzou a soleira da porta. Avaliadores. Cautelosos.
Lilith não pediu licença. Entrou como se tivesse todo o direito — porque, de fato, tinha.
──── Algum problema, querida? ──── perguntou Narcisa, num tom de voz suave demais para ser genuíno.
Lilith sustentou o olhar da mãe e respirou fundo, se contendo pra não surtar novamente. "Algum problema, querida?" É sério?!
──── Preciso que envie uma mensagem para os Rosier.
O tilintar leve da xícara sendo colocada de volta no pires cortou o silêncio.
──── Para quê, exatamente?
──── Preciso ver Imogen ──── Lilith respondeu. ──── Agora. Ela deve estar com a Perla, e eu quero minha gata. Afinal, quando o seu filho me sequestrou, eu estava apenas com a roupa do corpo. Não é como se ele tivesse me dado tempo.
Houve um momento de imobilidade. Narcisa parecia pesar cada palavra dita, como se sentisse o chão se mover sob seus pés.
──── Você sabe que isso pode levantar suspeitas — comentou, casualmente, soprando o vapor que subia de sua xícara, como se estivesse discutindo algo trivial.
Lilith inclinou a cabeça levemente para o lado, os olhos semicerrados.
──── Você me deve isso.
O ar pareceu pesar ainda mais.
Narcisa ergueu uma sobrancelha, o gesto aristocrático, desafiador.
──── Ah, é?
Lilith não respondeu de imediato. Em vez disso, moveu a mão até a manga de sua blusa e puxou-a para cima apenas o suficiente para deixar a ponta da Marca Negra visível. O desenho era ainda recente, a pele ainda um pouco irritada em torno dela, como uma ferida que nunca cicatrizaria.
Narcisa congelou.
A mão dela apertou com força a alça da cadeira, os nós dos dedos ficando brancos. Mas, como era de se esperar de uma Black, não demonstrou mais do que isso.
Lilith soltou a manga, escondendo o símbolo de volta.
──── Eu fiz, não é? Sem perguntas. Sem hesitação ──── continuou, sua voz cortante. ──── Agora é a sua vez de retribuir.
Por um instante, Narcisa permaneceu sentada, o maxilar levemente contraído, como se tivesse que lutar contra o próprio orgulho.
Depois, com um gesto elegante e frio, ela se levantou, ajeitando as vestes.
──── Muito bem — disse ela, a voz controlada, sem emoção. ──── Vou cuidar disso.
Lilith permaneceu parada, imóvel, observando a mãe desaparecer no corredor.
Quando ficou sozinha, o salão pareceu encolher ao seu redor. O peso da responsabilidade, da traição, da escolha... tudo caiu sobre seus ombros.
Mas ela não cedeu.
Não dessa vez.
O relógio de pêndulo na parede soava abafado, preenchendo o silêncio da sala como um lembrete irritante da passagem do tempo. Lilith permanecia perto da lareira, os braços cruzados, esperando.
Então, finalmente, o fogo da lareira crepitou estranho — as chamas verdes cresceram.
Imogen cambaleou para fora da lareira, ajeitando a gata branca nos braços. Perla, alheia à tensão no ar, soltou um miado alto assim que avistou Lilith.
Lilith sentiu o nó em sua garganta apertar, mas não se moveu imediatamente.
Imogen tossiu discretamente, sacudindo a fuligem das botas. Ela parecia diferente — mais magra, talvez, ou talvez fosse apenas o jeito como seus ombros estavam tensos, como se ela carregasse o peso de preocupações demais.
Perla se debateu nos braços dela, exigindo ser solta, e Imogen a largou no chão. A gata correu até Lilith, roçando com força contra suas pernas. Só então, Lilith se agachou, acariciando a pelagem macia da gata, como se fosse a âncora que impedia suas emoções de explodirem.
Quando ergueu os olhos para Imogen, eles brilhavam com algo que nem ela mesma sabia nomear.
──── Você está bem? ──── perguntou Imogen, a voz agora baixa, verdadeira.
Lilith soltou um suspiro pesado, passando a mão pela cabeça da gata uma última vez antes de se pôr de pé, a postura tão ereta e firme quanto sempre fora.
──── Estou viva, se é o que está perguntando ──── disse, simplesmente, com um sorrisinho fraco.
As duas ficaram em silêncio por um momento, os olhares presos um no outro, como se tentassem medir quanto haviam mudado desde a última vez que se viram.
Finalmente, Lilith quebrou o contato visual, virando-se em direção ao corredor.
──── Vem ──── disse, sem olhar para trás. ──── Temos muito a conversar.
E, sem esperar resposta, começou a caminhar, o som de suas botas ecoando nos corredores frios da mansão.
Imogen ajeitou a alça da mochila no ombro, deu uma última olhada para a lareira ainda crepitando em verde, e correu atrás dela, Perla correndo alegremente ao lado.
Elas seguiram pelo corredor, e ignoraram completamente quando passaram pelo Draco, que entre abriu os lábios pra dizer algo. A única que realmente fez algo para o Malfoy, foi Perla, que grunhiu irritada pra ele, com as orelhas pra trás, antes de continuar correndo atrás das duas garotas.
O caminho até o quarto parecia mais longo do que realmente era. Lilith caminhava à frente, Imogen vinha logo atrás, olhando ao redor como se absorvesse cada detalhe — cada mudança da casa que ela costumava ir aos verões, apesar de só fazer isso por Lilith. A mansão Malfoy dava calafrios.
Quando chegaram à porta do quarto, Lilith guiou a melhor amiga pra dentro e trancou a porta, puxando a varinha e murmurando um "abaffiato", para ninguém de fora conseguir escutar a conversa.
Imogen ficou parada no meio do quarto, meio sem saber o que fazer. O silêncio entre elas estava carregado de perguntas que pesavam no ar. Lilith, por sua vez, deixou a varinha sobre a cômoda e fez um gesto para que Imogen se sentasse.
──── Vem ──── disse, com a voz um pouco menos fria desta vez. ──── Senta aqui.
Ela indicou a beira da cama, onde a colcha verde-escura parecia impecavelmente esticada, como se ninguém tivesse ousado usá-la.
Imogen hesitou por um segundo — e então, sem aviso, atravessou o quarto e envolveu Lilith num abraço apertado.
Lilith ficou tensa imediatamente, o corpo rígido como pedra. Ninguém a abraçava assim há muito tempo — de forma tão desesperada, tão genuína. Por um momento, ela não soube o que fazer. As mãos pairaram no ar, indecisas.
──── Eu fiquei tão preocupada ──── murmurou Imogen contra o ombro dela, a voz abafada. ──── Você sumiu, Lilith. Potter disse que viu você desmaiada nos ombros do Draco. Você sumiu e ninguém sabia se você tava viva, morta... se precisando de ajuda...
A barreira de Lilith, aquela muralha invisível que ela mantinha com tanto esforço desde que chegou a mansão Malfoy e decidiu que seria forte, começou a rachar.
Ela fechou os olhos e apertou Imogen de volta, como se finalmente permitisse a si mesma sentir.
──── Eu sei ──── murmurou, a voz rouca. ──── Me desculpa.
Elas ficaram assim por um tempo que pareceu se estender — apenas o som da respiração das duas e o leve ronronar de Perla, que agora observava a cena enrolada no tapete.
Quando Imogen finalmente se afastou, seus olhos estavam ligeiramente marejados, mas ela tentou sorrir.
Lilith passou a mão pelos cabelos, ajeitando o rabo de cavalo baixo que já começava a se desfazer, e soltou um suspiro longo.
──── Vamos fazer assim ──── disse ela, a voz firme novamente, mas ainda com uma ponta de suavidade que raramente deixava escapar. ──── Primeiro você me conta tudo. Quero saber... tudo que aconteceu em Hogwarts. Principalmente tudo que aconteceu naquela noite.
Seus olhos cinzentos se fixaram nos de Imogen, intensos e determinados.
──── Depois ──── continuou, baixando a voz. ──── Eu prometo que te conto tudo também. Cada detalhe.
Imogen respirou fundo, como se precisasse se preparar para reviver tudo de novo.
──── Depois que você... ──── ela hesitou, procurando as palavras ──── Depois que você desapareceu naquela noite, foi como se o inferno tivesse se soltado em Hogwarts.
Lilith não tirava os olhos dela. Cada palavra parecia pesar toneladas.
──── Os Comensais conseguiram entrar ──── continuou Imogen, a voz embargada. ──── Invadiram tudo. Eu nunca tinha visto nada assim. Não era só guerra... era destruição, medo... pânico.
Lilith franziu a testa, a mandíbula tensa.
──── Tinha feitiços voando pra todo lado ──── Imogen passou a mão pelo rosto, como se pudesse afastar as lembranças. ──── Gente correndo, gritando. Professores tentando conter tudo. O chão cheio de estilhaços, fumaça por todo lado... Hogwarts parecia prestes a desmoronar.
Ela mordeu o lábio inferior com força, controlando a emoção.
──── Ninguém morreu ──── acrescentou rapidamente, como se sentisse a necessidade urgente de dizer aquilo antes que Lilith imaginasse o pior. ──── Bem... Ninguém, além do... Dumbledore.
Lilith sentiu o estômago despencar, mas não disse nada. Ela já sabia, e o pior é que ela poderia ter impedido. Se não fosse tão fraca, se Draco não fosse o ponto fraco dela. Apenas fechou a mão em punho sobre a cama, os nós dos dedos ficando brancos.
──── Depois disso... foi um caos ainda maior ──── Imogen continuou, engolindo em seco. ──── Os alunos, os professores... todo mundo tentando se reagrupar. Tentando entender o que caralhos tinha acontecido. Quem era confiável. Quem não era. Sem contar que o simples fato de Dumbledore ter morrido deixou todos assustados. Quer dizer, porra, ele era o Dumbledore.
Ela umedeceu os lábios com a língua e continuou.
──── No dia seguinte o castelo ficou um caos. Tinham pais chegando o tempo todo, querendo tirar os filhos de Hogwarts, e os filhos querendo ficar. Foi uma confusão.
Ela fez uma pausa, olhando para Lilith, e então baixou a voz para quase um sussurro:
──── E o Pott-
Lilith piscou, o coração tropeçando no peito, e a interrompeu.
──── Harry está bem? Ele estava com Dumbledore na hora que aconteceu?
──── Ele está bem, relaxa. Perturbado, mas bem. Mas ele ficou maluco de preocupação por você.
Lilith desviou o olhar por um instante, respirando fundo, como se o ar de repente tivesse ficado pesado demais para seus pulmões.
O silêncio voltou a se instalar entre elas, agora ainda mais denso. Lilith sentia cada palavra de Imogen como golpes diretos no peito. Porra, que saudades dele. Ela se forçou a olhar para a amiga de novo, a voz saindo rouca:
──── E agora...? ──── perguntou. ──── Onde ele tá?
──── Em Hogwarts ──── Imogen respondeu. ──── Bom, pelo menos por enquanto.
──── Como assim "por enquanto"? ──── Lilith perguntou com os olhos meio arregalados, a voz apertada.
Imogen respirou fundo.
──── O funeral do Dumbledore vai acontecer em Hogwarts ──── explicou, a expressão carregada de tristeza. ──── Depois disso... eles vão fechar o castelo por um tempo. Ninguém vai poder ficar lá. Vão mandar todo mundo pra casa.
Por um segundo, o quarto pareceu girar ao redor de Lilith.
──── Merda ──── ela sibilou, levantando-se tão rápido que a cama rangeu sob o movimento brusco.
Sem perder tempo, Lilith atravessou o quarto a passos largos. Tateou o rasgo no papel de parede, os dedos deslizando até encontrar uma pequena pedra solta, quase imperceptível. Com um empurrão preciso, a parede rangeu suavemente e se abriu, revelando uma passagem secreta escondida atrás de um armário antigo.
Imogen arregalou os olhos, completamente chocada. Já tinha estado no quarto de Lilith várias vezes, mas não fazia ideia da existência disso.
──── Que porra é essa?! ──── exclamou, se aproximando.
Lilith não respondeu de imediato. Estava focada. Atravessou a abertura e entrou em um pequeno cômodo apertado, iluminado apenas por algumas velas quase derretidas.
Ela vasculhou com rapidez, os olhos ágeis examinando os rótulos dos frascos até encontrar o que procurava: uma pequena garrafa de vidro âmbar, com uma substância dourada dentro — Veritaserum, a poção da verdade.
Com o frasco na mão, ela voltou até Imogen, que parecia não saber se gritava ou ficava quieta.
──── Amanhã ──── Lilith disse, sem rodeios ──── você vai me ajudar a voltar pra Hogwarts.
──── Você ficou maluca? ──── Imogen protestou imediatamente. ──── O Lucius nunca vai permitir! Ele deve ter olhos em tudo! Você sair daqui agora é pedir pra morrer!
Lilith soltou um riso seco, quase sem humor. Em resposta, arregaçou a manga da blusa até o cotovelo — e ali, marcada na pele pálida como uma tatuagem viva, estava a Marca Negra, nítida e cruel.
Imogen empalideceu tanto que parecia prestes a desmaiar.
──── Lilith ──── ela sussurrou, horrorizada.
──── Eu não tive escolha ──── Lilith disse, com a voz rouca de ódio e amargura. ──── O Draco me sequestrou. O filho da puta é um Comensal. Foi ele que ajudou os outros a invadirem Hogwarts aquela noite.
Imogen abriu a boca para dizer alguma coisa, mas nenhuma palavra saiu.
──── E o Lucius ──── Lilith continuou, os olhos cinzentos brilhando de raiva contida ──── me obrigou a me tornar uma deles. Porque sabia da minha ligação com o Harry. Achou que poderia me usar pra espionar ele. Pra manipulá-lo.
Ela apertou o frasco de Poção da Verdade com tanta força que seus dedos ficaram brancos.
──── Só que eu tenho um plano ──── completou. ──── Um que pode foder todos eles.
Imogen piscou, ainda tentando acompanhar.
──── Mas pra isso ──── Lilith disse, determinada ──── eu preciso voltar pra Hogwarts. Antes que fechem o castelo. Eu preciso falar com o Remus. Me infiltrar de verdade. E pra isso... ──── ela ergueu o frasco dourado ──── eu preciso garantir que confiem em mim.
Imogen engoliu em seco, encarando a amiga como se visse uma pessoa completamente diferente — e ao mesmo tempo, a mesma Lilith de sempre. Forte. Imprevisível. Inquebrável.
──── Você vai me ajudar, não vai? ──── Lilith perguntou, num tom que não era exatamente uma pergunta.
Era uma certeza.
Imogen ficou em silêncio por um longo momento, o olhar oscilando entre o frasco dourado e a expressão determinada de Lilith.
Então, soltou o ar com força e cruzou os braços, como se fosse óbvio.
──── É claro que eu vou ajudar ──── disse, num tom firme. ──── Me diz o que eu tenho que fazer.
Pela primeira vez em dias, Lilith esboçou um sorriso de verdade. Antes que Imogen pudesse reagir, Lilith a puxou para um abraço forte e rápido, como se quisesse transmitir toda a gratidão que não sabia colocar em palavras.
──── Eu sabia que podia contar com você ──── murmurou contra o cabelo da amiga.
Quando se afastou, seus olhos cinzentos brilhavam de determinação.
──── Você vai dormir aqui hoje ──── explicou, já começando a andar de um lado para o outro no pequeno cômodo escondido, seus passos rápidos e precisos. ──── Amanhã cedo, você vai tomar um pouco de Poção Polissuco pra se transformar em mim. Vai fazer o máximo pra parecer entediada e irritada o tempo todo ──── ela acrescentou, com um sorriso torto. ──── Basicamente, ser eu.
Imogen piscou, confusa.
──── Poção Polissuco? ──── ela repetiu, arqueando uma sobrancelha. ──── Lilith, isso leva um mês pra ficar pronta. De onde você vai tirar uma agora?
Lilith apenas sorriu, aquele tipo de sorriso que prometia confusão.
──── Ano passado ──── ela disse, revirando uma das prateleiras do esconderijo até encontrar uma pequena caixa trancada com feitiços. Com um toque e uma senha sussurrada, a caixa se abriu, revelando vários pequenos frascos de líquido viscoso em diferentes tons. ──── Eu fiz pelo menos um frasco de cada poção que achei que pudesse precisar se as coisas desandassem.
Ela pegou um frasquinho onde o líquido era de um verde opaco.
──── Inclusive Polissuco
Imogen a olhou, dividida entre admiração e puro horror.
──── Você é completamente maluca ──── murmurou, sem conseguir esconder o riso nervoso.
──── Maluca, mas preparada ──── Lilith disse, piscando. ──── Agora, vamos preparar tudo. Se der certo... amanhã eu já vou estar de volta em Hogwarts.
Logo ela coçou a garganta e continuou.
──── Você não vai precisar fazer muita coisa ──── explicou Lilith, voltando a fechar a caixa de poções com um feitiço rápido. ──── Só tem que ficar no quarto. Se alguém aparecer, responde de forma curta e grossa. Finja que tá entediada, irritada, qualquer coisa que pareça normal vindo de mim.
Imogen assentiu devagar, ainda tentando absorver tudo aquilo.
──── Só isso? ──── ela perguntou, franzindo a testa.
──── Só isso ──── confirmou Lilith. ──── O resto é comigo.
Ela puxou um velho manto preto de uma das prateleiras — parecia gasto, mas ao balançá-lo no ar, o tecido brilhou levemente antes de sumir quase completamente diante dos olhos de Imogen.
──── Capa de Invisibilidade ──── Lilith disse, com um sorriso rápido e afiado. ──── Não é tão boa quanto a do Harry... mas quebra o galho.
Imogen arregalou os olhos de novo.
──── Desde quando você tem uma dessas?!
──── Desde que o Mundungus Fletcher tentou me vender meias usadas na Travessa do Tranco e eu pechinchei até levar isso por um preço ridículo ──── respondeu Lilith, divertida, enquanto dobrava a capa cuidadosamente.
──── Meu Deus ──── murmurou Imogen, balançando a cabeça em incredulidade.
──── Amanhã cedo ──── continuou Lilith, com a voz baixando, ficando mais séria ──── eu vou usar a Capa, entrar na sala da lareira escondida aqui em casa, e ir pra Hogwarts pela Rede de Flu.
Imogen franziu a testa.
──── Você vai sair... direto dentro do castelo?
──── Sim. Mais precisamente, na sala dos professores de Defesa Contra as Artes das Trevas. ──── O olhar de Lilith era firme. ──── Eu vou te tar encontrar o Lupin no castelo. Contar tudo. Sobre o Draco. Sobre o Lucius. Sobre a Marca. Tudo.
Ela apertou o pequeno frasco de Veritaserum contra o peito por um instante, como se se agarrasse a um amuleto de proteção.
──── Se eu tiver que beber isso na frente dele pra provar que tô falando a verdade, eu bebo ──── disse baixinho.
Imogen sentiu um nó na garganta. Ela queria protestar, dizer que aquilo era loucura, que Lilith estava arriscando demais. Mas, no fundo, sabia que tentar convencer Lilith a desistir seria inútil. Quando ela decidia fazer alguma coisa... não havia muro, feitiço ou exército que pudesse pará-la.
──── Tá ──── Imogen falou, respirando fundo. ──── Eu faço a minha parte. Fico no quarto. Respondo de mau humor. Finjo que sou você. Mas só se eu puder ficar com aquelas suas botas de Milão.
──── Fechado, eu tenho duas ──── Lilith disse, um sorriso de cumplicidade surgindo em seus lábios. ──── Você vai ser a pior companhia possível. Vai ser incrível.
As duas trocaram um olhar — e naquele olhar, havia medo, sim, mas também uma confiança inabalável. Uma certeza silenciosa de que, acontecesse o que acontecesse, elas estavam juntas nessa.
Lilith se sentou na beirada da cama, puxando o pequeno frasco de Poção Polissuco que tinha preparado com tanto cuidado. O líquido lá dentro era espesso e turvo, girando preguiçosamente em tons entre o cinza e o verde. Ela soltou um suspiro pesado, passou a mão pela trança frouxa para soltar algumas mechas da frente, e arrancou, com cuidado, três fios de cabelo bem claros.
──── Pronto ──── murmurou, depositando os fios dentro do frasco.
Imediatamente, a poção começou a borbulhar de leve, se tornando dourada, e exalando cheiro de lírios, diferente do cheiro anterior e amargo da poção.
──── Tem certeza que isso vai dar certo? ──── ela perguntou, desconfiada.
──── Se não der, bom... ──── Lilith deu de ombros. ──── Você vai ficar de cama por algumas horas, e eu vou ter que improvisar.
──── Reconfortante ──── resmungou Imogen, pegando o frasco com relutância.
Ela olhou para Lilith mais uma vez, buscando qualquer traço de hesitação no rosto da amiga — mas tudo que viu foi aquela determinação fria e constante que fazia Lilith parecer mais velha do que realmente era.
Imogen assentiu, fechando os olhos com força por um segundo, e então levou o frasco aos lábios.
O gosto era horrível — algo entre mofo, ferro e fel. Ela tossiu assim que engoliu, curvando-se para frente enquanto o líquido parecia rasgar sua garganta.
Quase de imediato, o efeito começou.
O corpo de Imogen encolheu ligeiramente, os cabelos se alisaram e clarearam até ficarem loiros, quase brancos, e os olhos mudaram para aquele tom frio de cinza-acinzentado que era característico dos Malfoy. Mesmo a expressão dela endureceu um pouco, assumindo involuntariamente aquele ar entediado que Lilith carregava tão naturalmente.
──── Caramba ──── murmurou Lilith, com um meio sorriso. ──── Você faz uma versão bem irritada de mim.
Imogen piscou, se olhando no espelho rachado do quarto, e soltou um riso meio nervoso.
──── Isso é muito estranho ──── ela comentou, tocando o próprio rosto transformado.
──── Relaxa ──── Lilith disse, lançando-lhe uma piscadela. ──── Em umas horinhas, você volta a ser você de novo. Só não surta até lá.
Imogen bufou, mas o som soou tão parecido com a verdadeira Lilith que ambas riram baixinho.
Lilith puxou a Capa de Invisibilidade, jogando-a sobre os ombros e se camuflando quase que instantaneamente.
──── Lembre-se ──── a voz dela soou no vazio, próxima à porta. ──── Se alguém aparecer, responda curto e grosso. E se der merda... inventa que eu tô surtando e não quer ver ninguém.
──── Você quer que eu atue? ──── Imogen perguntou, arqueando uma sobrancelha — e ainda assim soando 100% como Lilith.
──── Só seja você mesma fingindo ser eu ──── respondeu Lilith, a voz carregada de humor. ──── Isso deve ser convincente o bastante.
Lilith ajeitou a Capa de Invisibilidade sobre o corpo, puxando o capuz até cobrir bem o rosto e o cabelo. Só uma leve distorção no ar indicava onde ela estava. Imogen respirou fundo, ainda desconfortável em sua pele emprestada, e seguiu atrás da amiga invisível até a sala de estar.
Os passos de ambas eram quase silenciosos contra o chão polido, e Imogen se obrigou a manter o queixo erguido e a postura impecável — como Lilith faria. Parecia absurdo o quanto até a forma de andar da amiga era cheia de propósito, cheia de raiva contida.
Na sala de estar, Lilith se moveu com precisão. Pegou um punhado de pó Flu em uma pequena caixa de prata ao lado da lareira, jogou-o sobre as chamas e imediatamente elas explodiram em um verde vibrante.
──── Me deseje sorte ──── a voz dela soou baixinha, carregada de um humor sombrio.
Antes que Imogen pudesse responder, Lilith já tinha entrado nas chamas verdes e sumido de vista, a capa ondulando como uma sombra até desaparecer.
Imogen ficou ali, parada, ainda digerindo a cena, quando uma voz doce, porém autoritária, ecoou pela sala:
──── Lilith? ──── chamou Narcisa, a passos leves entrando no ambiente.
O coração de Imogen pulou na garganta, mas ela manteve o rosto impassível — ou pelo menos tentou.
──── Imogen acabou de ir embora ──── respondeu secamente, cruzando os braços.
Narcisa pareceu hesitar por um momento, estudando a filha com um olhar curioso, mas então apenas assentiu com um pequeno sorriso — acostumada ao mau humor de Lilith.
──── Muito bem ──── ela disse simplesmente, antes de se virar e desaparecer no corredor.
Assim que ficou sozinha novamente, Imogen soltou um suspiro longo e tenso, sentindo os ombros desabarem. Ela ainda sentia o gosto horrível da poção na boca.
Com passos rápidos — mas sem parecer que estava fugindo, porque Lilith jamais fugiria —, ela começou o trajeto de volta para o quarto. A cada degrau da escada, seu coração batia mais rápido, rezando para que ninguém mais aparecesse.
Ao chegar no quarto, fechou a porta cuidadosamente, se encostou nela e deixou escapar uma risada abafada.
──── Nunca mais ──── murmurou para si mesma, encarando o próprio reflexo transformado no espelho rachado.
Era estranho ver o rosto de Lilith olhando de volta para ela — estranho e, de certa forma, um pouco assustador.
Lilith tropeçou para fora da lareira com a leveza de uma avalanche, ela caiu rolando pra fora da lareira. Mesmo debaixo da Capa de Invisibilidade, ela se moveu rápido, como se o chão estivesse pegando fogo sob seus pés.
A sala em que caiu era pequena, abafada, com as paredes cobertas de tapeçarias antigas e uma mesa esquecida no canto. Ok, tinha dado errado, ela não estava na sala de DCAT.
Estava vazia. Lilith olhou em volta, o coração martelando no peito.
──── Merda ──── murmurou para si mesma, ajeitando a capa ao redor do corpo.
Não tinha sinal de ninguém. Nenhuma voz, nenhum movimento, nada além do crepitar tímido da lareira atrás dela.
Lilith se aproximou da porta de madeira pesada e a entreabriu, espiando o corredor. Estava deserto. Apenas o eco de seus próprios batimentos preenchia o espaço.
Ela deslizou para fora, passos leves e rápidos, colada às sombras. O castelo era imenso, e por mais que ela conhecesse Hogwarts melhor que a palma da mão, a ansiedade fazia tudo parecer mais ameaçador. Mais vazio. Mais urgente.
──── Vamos, Lupin ──── pensou, rangendo os dentes. ──── Cadê você?
Dobrou um corredor, depois outro. As tochas lançavam sombras longas nas paredes, e Lilith, abafando o som da própria respiração, escutava atentamente qualquer sinal de vida.
Nada.
Até que, finalmente, ao virar mais uma esquina, ouviu um som — passos, suaves e pesados, como quem andava sem muita pressa. Lilith apertou o passo, rezando para que fosse quem ela procurava, e não Filch, ou coisa pior.
Se aproximou da origem do som, a mão agarrando firme a Capa para que ela não escorregasse, o coração agora batendo tão alto que parecia preencher seus ouvidos.
Pra seu azar, realmente era Filch. Ela sussurrou um palavrão e dobrou o corredor oposto. Pelo que Imogen tinha dito, o funeral ocorreria perto do lago, então ela decidiu que iria pra lá, para tentar encontrar Lupin.
Lilith começou a descer os degraus de pedra da entrada, em direção ao lago. Ela sentiu o sol morno acariciar seu rosto, faziam dias que ela não via um mínimo raio de sol.
Ao chegar, ela percebeu que tinha encontrado o funeral, e ficou boquiaberta com a quantidade de pessoas ─ definitivamente não só pessoas ─ que tinham no funeral.
O lugar em que tinham disposto centenas de cadeiras enfileiradas com uma passagem pelo centro; havia uma mesa de mármore à frente das cadeiras. Fazia um belíssimo dia de verão, apesar das circunstâncias.
Ela não era a maior fã de Dumbledore. Na verdade, tinha uma opinião formada a respeito dele desde que Harry contou algumas coisas pra ela. Potter não parecia notar, mas Dumbledore já tinha arriscado a vida dele em várias ocasiões, parecendo saber dos riscos.
Mas ela também o admirava em algumas questões. Ela tinha consciência de que Dumbledore fez muita coisa boa e ajudou muita gente e a quantidade de bruxos e criaturas mágicas que tinham no funeral dele era a prova disso.
Parecia ter acabado. Tinha gente se levantando, outros permaneciam sentados. Hagrid estava arrasado, chorava e assoava o nariz com um lenço que pelo tamanho poderia ser facilmente uma toalha.
Lilith continuava procurando Lupin com o olhar, sabendo que não tinha muito tempo, mas não conseguiu evitar congelar assim que viu ele.
Harry estava sentado ao lado de Gina, e do outro lado tinha Ron e Hermione. Harry não parecia bem. Estava pálido, com olheiras profundas, olhos cansados, vermelhos e definitivamente tristes. E mesmo assim... Ainda era a pessoa mais bonita que Lilith já tinha visto.
Seu peito apertou. Ele parecia tão... Quebrado. Ela queria ir até ele, queria abraça-lo, beija-lo, queria se desculpar por tudo. Mas sabia que não podia. Não podia fazer nada disso enquanto não pudesse justificar a marca em seu braço. O que ele pensaria?
O nó na garganta de Lilith se apertou ainda mais quando ela percebeu que ele tinha sua mão entrelaçada na da Gina.
O peito dela apertou, doeu. Ela queria ser quem estava segurando a mão dele. Queria estar ali com ele.
E se ela tivesse chego tarde? E se, durante todo esse tempo, Harry se envolveu com Gina? Ela sempre foi apaixonada por ele, é linda, engraçada, inteligente...
Lilith balançou levemente a cabeça, engolindo a seco o ciúme, a inveja, a frustração. Ela precisava achar Remus antes que o efeito da poção polissuco acabasse.
Piscando algumas vezes e desviando o olhar, ela voltou a procurar o antigo professor de DCAT.
Então o viu.
Remus Lupin caminhava sozinho, a expressão cansada, folheando um pedaço de pergaminho enquanto andava. As cicatrizes que cruzavam seu rosto pareciam ainda mais acentuadas sob a luz fraca do sol. Suas feições ainda bonitas, ainda cansadas.
Lilith sentiu um nó na garganta. Parte de alívio, parte de medo.
Ela avançou devagar, parando a poucos passos dele. Precisava chamá-lo. Precisava contar. Mas se falasse em voz alta, seria ouvida. Se fosse imprudente, colocaria tudo a perder.
Então, sem muita escolha, estendeu uma mão invisível e puxou suavemente a manga da túnica de Remus.
Ele congelou.
──── Quem está aí? ──── perguntou, a voz baixa, alerta.
Lilith puxou a capa só o suficiente para revelar o rosto. Os olhos cinzentos brilharam, aflitos.
──── Sou eu ──── sussurrou. ──── Não grita.
Remus piscou, surpreso, e em seguida o rosto dele se suavizou numa mistura de choque e preocupação.
──── Lilith? Mas... o que você...?
──── Não aqui ──── interrompeu ela rapidamente, olhando para os lados. ──── É urgente. A gente precisa conversar. Agora.
Sem fazer perguntas, Remus apenas assentiu, já mudando de direção para guiá-la para algum lugar seguro e privado.
✶
〞──── af gente eu amo o grupinho da Lilith. Imogen, Theo e Mattheo são tudo pra mim
✶ 〞──── aliás, o Theo vai ter um pouco mais de destaque nesse terceiro ato rsrs
✶ 〞──── fiquei mal com a Lilith com ciúme 💔💔 alguém avisa ela que o Hazz só tem olhos pra ela?
✶ 〞──── tô achando que o terceiro ato vai ficar bem maior do que eu planejava KKKKKK, eu tô tentando colocar o máximo de informações possíveis, pra não ficar muito ruim e vago, sabe?