抖阴社区

Capítulo 30

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A manhã em Mônaco tinha aquele silêncio abafado de quando o sol ainda não tocou completamente as fachadas dos prédios. Era cedo. Muito cedo. Mas Camille já estava acordada — ou melhor, nunca havia dormido direito.

O lençol embolado em seus pés, os travesseiros espalhados e o copo de água pela metade no criado-mudo contavam a história da noite insone. Entre uma náusea que ia e vinha com crueldade e o peso das emoções acumuladas, dormir se tornara uma tarefa cada vez mais improvável.

Ela estava debruçada sobre a pia da cozinha, o rosto pálido refletido na superfície da chaleira de inox. Segurava uma caneca de chá de gengibre com as duas mãos, como se aquilo fosse suficiente para mantê-la em pé. Mas não era.

Tudo doía. A cabeça latejava, o estômago parecia um campo de batalha, e a fome — quando aparecia — era sempre vencida pelo enjoo.

Ela tentou comer meia banana. Vomitou minutos depois.

Tentou bolachas salgadas. Vomitou.

Tentou apenas ficar quieta. Mas até o silêncio do apartamento parecia lhe virar o estômago.

— Merda... — murmurou sozinha, os olhos se enchendo de lágrimas.

Não era o enjoo em si. Era a solidão. O medo constante. A incapacidade de ter controle sobre o próprio corpo — algo que sempre foi sua âncora em meio ao caos das corridas.

Sentou-se no sofá com um suspiro trêmulo, o chá ainda entre os dedos, e pegou o celular. Tinha algumas mensagens da equipe do jornal, uma confirmação de horário da companhia aérea e... uma ligação não atendida da mãe, da noite anterior.

Ela hesitou por longos minutos, encarando aquele nome salvo com um coração discreto ao lado.

Mãe

Camille nunca foi do tipo que escondia segredos dos pais. Sempre foi transparente, mesmo com as diferenças de visão, mesmo quando discordavam sobre a vida em Mônaco, sobre as escolhas profissionais, sobre sua independência.

Mas isso?

Isso parecia grande demais para dizer assim, pelo telefone, entre uma frase e outra.

Ainda assim, discou.

A voz materna atendeu no segundo toque, carregada daquele tom alerta que só mães têm às oito da manhã.

— Camille? Está tudo bem?

Ela forçou uma risada, mesmo com os lábios trêmulos.

— Estou viva. Só... tive uma semana cheia.

— Você parece cansada. — A mãe observou, como se pudesse vê-la do outro lado da linha. — Está comendo bem?

Camille mordeu o lábio inferior, os olhos fixos no chão.

— Estou tentando.

— Essa vida de aeroporto não te mata de cansaço, não? Ficar pulando de país em país, com fuso horário, estômago virado...

A ironia daquilo quase a fez rir. Ou chorar.

— Mãe... — começou, mas parou. A garganta fechou. Havia uma confissão querendo sair, uma verdade presa entre os batimentos acelerados do coração e o medo do que viria depois.

— O que foi? — a mãe insistiu. — Você ficou estranha de repente.

Camille balançou a cabeça, mesmo que a mãe não pudesse ver.

— É só... saudade. E falta de sono. Vou ter mais uma semana intensa.

Houve um silêncio do outro lado da linha, aquele tipo de pausa que só mães fazem quando sabem que não estão ouvindo tudo.

— Cuida de você, minha filha. — disse, por fim. — Você não precisa carregar o mundo nas costas, viu?

— Eu sei.

— E me liga quando chegar ao Catar. Por favor.

— Ligo, sim. Te amo.

— Também te amo.

Camille desligou antes que sua voz falhasse. Sentou-se por alguns segundos em silêncio, deixando o peso da ligação cair como uma pedra no estômago.

Ela queria contar. Precisava contar.

Mas ainda não sabia como.

Nem quem seria a Camille depois de colocar isso para fora.

E, naquele momento, com o sol finalmente iluminando as varandas de Mônaco, ela ainda precisava arrumar a mala. Ainda precisava fingir que tinha controle. Ainda precisava colocar uma camisa social, prender o cabelo e seguir.

Seguir, mesmo que estivesse se desmanchando por dentro.

___

A mala aberta na cama era um retrato da confusão que se instalava dentro dela. Algumas roupas estavam dobradas com precisão cirúrgica, como Camille costumava fazer. Outras estavam jogadas, empilhadas, meio amassadas, como se o corpo tivesse cedido antes que a mente concluísse o raciocínio.

Ela respirava pela boca, tentando não engasgar com o cheiro do próprio perfume no tecido da nécessaire. Estava enjoada de si mesma. Do apartamento, da luz, do tempo. De tudo.

Colocou três camisas, duas calças e um blazer escuro — uniforme de guerra. Um par de tênis, uma sandália. Escova de dentes, remédios para enjoo. E por fim, um envelope com exames que a médica havia lhe entregado dias antes, caso surgisse alguma emergência médica.

Encarou o conteúdo da mala por um momento, depois puxou o zíper com mais força do que precisava.

O celular apitou.

Sophie: "Estou saindo agora. Te pego em 5 minutos."

Camille largou o aparelho na cama e caminhou até a cozinha. Tentou tomar mais um gole de água, mas a náusea subiu antes que engolisse. A garrafa escorregou da mão e bateu na bancada com um som seco.

Ela se apoiou com os dois braços no mármore frio, fechando os olhos com força. A testa começou a suar, o corpo tremia levemente.

"Só mais alguns minutos", pensou. "Só até chegar no aeroporto."

Mas cada passo parecia mais difícil que o anterior.

Ela voltou para o quarto, ajeitou a mala de lado, pegou o blazer e o celular e sentou-se no braço do sofá, como sempre fazia quando queria descansar sem deitar completamente. Mas a vista ficou turva. Pontos pretos dançaram diante dos olhos.

Camille tentou se levantar.

E não conseguiu.

A última coisa que ouviu foi o som abafado do interfone tocando. E então, o corpo cedeu. Os joelhos dobraram, os ombros tombaram para o lado, e o mundo escureceu.

O apartamento ficou em silêncio. A mala pronta. O celular apitava em cima da cama.

Minutos depois, a porta se abriu com a chave reserva que Sophie usava "apenas para emergências".

— Camille? — ela chamou, entrando com passos rápidos. — Eu toquei. Você tá pronta?

Silêncio.

— Camille?

Sophie caminhou até o corredor e parou, o coração acelerando no peito.

Camille estava caída ao lado do sofá, o corpo mole, os olhos semicerrados, os lábios secos.

— Merda. Camille! — Sophie se ajoelhou ao lado dela, verificando a respiração. Estava fraca, mas presente. — Camille, me ouve? Sou eu, Sophie. Respira fundo, tá?

Camille soltou um som baixo, entre o gemido e a palavra. Tentou abrir os olhos, mas não teve força.

Sophie pegou o celular da amiga, já discando para emergência.

— Oi. Alberto! Sobe! Camille desmaiou!

Ela olhou de novo para Camille, sentindo um aperto quase fraternal.

— Você não vai fazer isso sozinha, Cami. Nem agora. Nem nunca.

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Se comentarem bastante trago o próximo ainda hoje 😂

O próximo será no ponto de vista do Max 💕

Pole Position | Max Verstappen  ??Onde histórias criam vida. Descubra agora