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Capitulo 2

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O café da sala dos médicos estava fraco, o ar-condicionado, forte demais, e Gabriel já tinha lido o mesmo parágrafo do prontuário três vezes sem absorver nada. A noite mal dormida ainda pesava nos ombros, mas ele não dizia isso em voz alta. Nunca dizia.

David entrou como sempre fazia: com um copo de café na mão, o jaleco aberto e uma expressão leve demais para a quantidade de horas que eles passavam ali dentro.

— Você está com a mesma cara de ontem. Dormiu no hospital?

Gabriel ergueu uma sobrancelha, sem responder.

— Ótimo. Vou interpretar isso como um "não dormi nada" — completou David, se sentando na frente dele. — Enfim... preciso de um favor.

Gabriel largou o prontuário devagar.

— Isso explica sua simpatia.

— É o mínimo que você merece — disse David, dando um gole no café. — É sobre uma das minhas residentes. Lara Diniz.

A menção ao nome fez Gabriel recostar levemente na cadeira, mas ele manteve a expressão neutra.

— A tímida metida a cardio?

David riu.

— Ela? Tímida, com certeza. Metida, nem um pouco. Aquilo foi coragem pura, considerando o que eu ouvi sobre sua abordagem pedagógica ontem.

— Ela estava no lugar errado, falando do que não entende.

— Ela estava explicando o que entendeu. E, pra ser honesto, entendeu muito bem. A menina é boa. Tem um raciocínio clínico refinado, atenção aos detalhes, empatia absurda com os pacientes... Mas eu queria ver outra coisa.

Gabriel franziu o cenho.

— O que exatamente?

— Queria testar o instinto dela em campo. Reação sob pressão. Coordenação motora. Foco. Por isso pensei em colocá-la no simulador.

Gabriel arqueou uma sobrancelha.

— O simulador de cirurgia cardíaca?

— Sim. E antes que você diga que é exagero, eu sei que ela é reumato. Mas você e eu sabemos que especialidade não define quem tem ou não habilidade técnica. O simulador é um ambiente seguro. E ela tem curiosidade. Você viu isso ontem.

— Você quer que eu autorize o uso do simulador... pra uma residente que nunca nem entrou numa sala cirúrgica?

— Exatamente. Quero ver como ela reage. Não tô dizendo que ela vai virar cirurgiã, mas... talvez você se surpreenda. E quem sabe ela também.

Gabriel olhou por um momento para o café já frio à sua frente. A ideia parecia absurda — mas havia algo nela que incomodava menos do que ele esperava. Talvez porque, no fundo, ele também estivesse curioso.

— Tudo bem — disse, por fim. — Mas eu quero estar presente.

David sorriu.

— Sabia que ia gostar da ideia.

Gabriel bufou, pegando o prontuário de volta.

— Eu não disse que gostei.

— Mas disse que sim. O que, vindo de você, é praticamente um abraço.

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