Carolina apareceu no hospital na manhã de segunda com um salto alto desnecessário e um vestido justo demais para o calor que fazia. Trazia consigo a pose de quem achava que ainda tinha alguma relevância naquele ambiente — especialmente para Gabriel.
Ao anunciar que faria seu pré-natal ali, foi recebida com sorrisos profissionais e distantes. Afinal, ninguém ali tinha tempo para joguinhos de ego. Ainda assim, o timing foi proposital. Ela sabia que Gabriel estava por perto.
E ele estava mesmo.
Gabriel saiu do elevador conversando com Lara, de mãos dadas com ela como se isso fosse a coisa mais natural do mundo — e, para eles, já era. Lara usava seu jaleco aberto sobre um vestido simples, cabelo preso de qualquer jeito, rindo de algo que havia acabado de dizer:
— E eu juro, Gabriel, o novato achou que "protocolo" era o nome do paciente. "Doutora, o senhor Protocolo está no 203"...
Ele soltou uma risada abafada, balançando a cabeça, quando notou Carolina parada perto da recepção. Ela ajeitou o cabelo, o ventre discretamente visível sob o vestido.
— Carolina — ele disse apenas, com um aceno educado de cabeça.
Nada mais.
Sem contato visual prolongado, sem hesitação. E muito menos conversa.
Lara, ao lado dele, apenas lançou um olhar rápido e indiferente, apertando um pouco mais os dedos entrelaçados aos dele. A presença da ex não abalava nem um pouco a segurança com que ela caminhava ao lado de Gabriel.
— Ela vai te perseguir até a aposentadoria, né? — murmurou ela, quando já estavam a alguns passos de distância.
— Só se você largar minha mão — ele respondeu, tranquilo.
Ela sorriu, satisfeita, e fez uma careta:
— Nunca. Você é meu paciente crônico agora. Dependente emocional da doutora Viana.
— E eu não aceito outro tratamento — ele rebateu, inclinando-se para beijar a têmpora dela.
Atrás deles, Carolina só conseguia observar. Mais do que a cena do casal em si, o que a feria era a naturalidade. Como Gabriel realmente tinha seguido em frente. Como ela... agora era só parte de um prontuário.
...
O corredor do segundo andar estava movimentado como sempre, mas Carolina parecia andar com um propósito muito específico quando saiu da sala de exames. Os olhos percorreram o ambiente até encontrar Lara, sentada à bancada com um tablet nas mãos, discutindo prontuários com uma residente mais jovem.
Foi quando ouviu, vindo de algum canto:
— Doutora Viana, o pedido de biópsia já foi pro sistema!
Lara ergueu o olhar e agradeceu com um aceno breve, sem nem se dar conta de que Carolina havia parado ao lado.
— Então agora te chamam de "doutora Viana"? — a voz da ex transbordava sarcasmo, e Lara apenas levantou uma sobrancelha, voltando ao que fazia.
— Sim. É como me chamam. E por acaso soa bem melhor que "doutora Carolina", não acha?
Carolina bufou e cruzou os braços, mas Lara não estava com tempo — ou paciência.
— Ele é meu... — começou Carolina, como se ainda tivesse alguma posse sobre Gabriel, como se o passado lhe desse direitos.
Mas Lara nem deixou a frase terminar.
— Seu nada — cortou, firme, se virando para encará-la de verdade. — Só se for seu ex. Você o largou, lembra? Eu peguei. Agora é meu.
Ela se levantou com a postura reta, sem um pingo de hesitação no tom.
— E ninguém me tira ele.
Carolina arregalou os olhos, talvez esperando qualquer coisa menos aquela convicção. Mas Lara não era mais a residente tímida do início. Era a mulher que Gabriel Viana escolhia levar pela mão, que ele beijava sem olhar para os lados, que conhecia suas cicatrizes, suas dores, e ainda assim... ficava.
Lara voltou a se sentar e continuou como se nada tivesse acontecido. Carolina permaneceu ali por alguns segundos antes de girar nos saltos e ir embora.
Gabriel apareceu minutos depois com dois cafés na mão. Estendeu um para Lara e perguntou, casual:
— A bruxa passou por aqui?
Ela deu um gole no café, rindo com gosto:
— Tentou. Dei um banho de realidade nela.
VOC? EST? LENDO
Fora De Escala
RomanceAos 24 anos, Lara est¨¢ no seu primeiro ano de resid¨ºncia em reumatologia. Jovem, determinada e com uma mente anal¨ªtica afiada, ela aprendeu a sobreviver num ambiente dominado por egos e hierarquias. Mas nada a prepara para o impacto de cruzar caminh...
