«.20.»
Rachel passou os dedos mais uma vez, pela pedra fria da lapide e releu as palavras escritas nela.
Reggie Duncan
2009-2021
Fazia três meses desde a morte de Reggie. Ele tinha vivido mais do que o previsto, contra todas as espectativas, ele tinha vivido quase um ano.
Uma lagrima caiu pela face de Rachel e salgou-lhe os lábios, onde um leve sorriso permanecia obstante á saudade. Veio-lhe á memoria todos os momentos que passara com aquele rapaz depois de voltarem para casa. Reggie tinha ido á formatura dela, tinha-lhe levado um ramo de flores e aplaudiu-a quando ela recebera o diploma. Lembrou-se também do dia dos anos dele, da grande festa que organizaram e do sorriso radiante dele ao receber um exemplar de Shakespeare que ela lhe ofereceu, ele era um verdadeiro amante dos clássicos. Os dias de praia também estavam bem presentes na sua mente, as gargalhadas a agua chapinhada o sal das mares e a areia nos pés. Tudo isso era ainda tão vivido, era como se Reggie ainda estivesse ali.
Rachel pousou a tulipa vermelha sobre a mármore branca e enxugou as lagrimas com as costas da mão, levantou-se e estendeu a mão para Ben.
- Vamos? - perguntou ele puxando-a para si e envolvendo-a com o braço.
Rachel limitou-se a acenar e caminhou com ele em direção ao portão principal do cemitério. Ela sentia-se triste e com saudades de Reggie, mas não sentia a dor da perda, pois sabia que Reggie estava bem onde quer que estivesse, iria sonhar e permanecer como um rapaz para sempre, seria como um menino perdido da Terra do Nunca, e viveria aventuras no seu pais das maravilhas ao lado de Alice. Ela preferia pensar dessa maneira, isso trazia-lhe conforto e paz, quiçá , também os seus pais estivessem nesse lugar.
Ben abriu-lhe a porta do carro, mas Rachel parou antes de entrar. Um carro familiar parou atras do deles e alguém saiu do seu interior. Rachel abriu os braços para receber Joice num abraço.
- Rachel - suspirou ela afastando-se para olha-la nos olhos - Vieste visitar o Reggie?
- Vim. Visita-lo dá-me sempre uma força que não posso encontrar em mais sitio nenhum. - respondeu ela segurando nas mãos de Joice.
- É, eu sei - disse a outra compreensiva - Parece que ele continua aqui, não é?
- E continua - afirmou Rachel - Nas nossas memorias e nos nossos corações.
- Tens razão, e vai continuar sempre. - concordou Joice emocionada, limpando as lagrimas que se haviam escapado dos seus olhos.
- Olá Rachel. - cumprimentou Simon, envolvendo a cintura da mulher com o braço.
- Oh, olá Simon. -cumprimentou Rachel casualmente, tinha passado tempo suficiente com a família Duncan para ganhar confiança e trata-los pelos nomes.
Ben aproximou-se também e fez o mesmo gesto que o pai envolvendo a cintura de Rachel.
- Temos de ir. - alertou ele, olhando para o relógio no seu pulso. - Ou vais chegar atrasada no teu primeiro dia.
- Oh! - exclamou Joice - É hoje? Não te preocupes Rachel, a Rosie é a pessoa indicada para te guiar no teu novo emprego.
Rachel forçou um sorriso. Era essa a força que viera buscar, coragem para começar uma nova etapa da sua vida.
Depois de se formar tinha começado imediatamente a concorrer para entrar o mais rápido possível no mercado de trabalho. Joice tinha-a ajudado, através dos seus contactos no mundo da justiça e tinha falando com uma das suas amigas, que por coincidência, ou não, dirigia um dos maiores edifícios de escritórios de advocacia do pais. Rachel tinha enviado a sua candidatura no mesmo dia e tinha feito a sua entrevista de emprego na ultima sexta feira, começaria a trabalhar hoje.
- Vais sair-te bem - encorajou-a Ben, segurando-lhe a porta.
- Assim o espero. - sorriu ela nervosa, fechando a porta.
- Claro que vais - disse Joice espreitando pela janela do carro - Boa sorte, minha querida. Ah! E Ben? - chamou ela fazendo-o inclinar-se do lado do condutor para a ver. - Tens de levar a Rachel a jantar lá em casa um dia destes e apresenta-la oficialmente, como já devias ter feito á muito tempo.
- Está bem mãe. - disse ele revirando os olhos.
Joice piscou o olho a Rachel que riu á socapa. Ela ficou a ver o casal a entrar pelo portão enquanto o carro saia do parque de estacionamento.
- Vais aceitar o convite, certo? - perguntou Rachel virando-se para olhar para ele.
- Hum...- Ben encolheu os ombros e suspirou - Não sei se o ambiente estará lá muito bom agora.
- Ben, eles também precisam de apoio. - advertiu ela - É natural que estejam deprimidos, é por isso que devemos ir lá e dar um ombro amigo.
- Não sei. - murmurou ele passando a mão pelos cabelos - Eu não quero levar-te para um ambiente tão pesado. Entendes?
Rachel pousou a mão na coxa dele, fazendo com que ele olha-se para ela por breves segundos, apenas o tempo suficiente para a ver fazer aquela expressão implorante que o fazia sempre ceder.
- Eu adoro a tua família Ben, quero estar lá para eles como eles estiveram para o Reggie. - explicou ela num tom sereno e sincero.
- Está bem - cedeu ele com um suspiro demorado - Mas é só um jantar e depois vamos embora. Não quero ficar lá muito tempo, ou a minha mãe começa com ideias de eu voltar a viver lá em casa.
Rachel sorriu satisfeita e abriu a porta quando o carro parou junto ao passeio. Tirou o cinto, agarrou na caixa, pousada no banco de trás, que continha os seus poucos bens pessoais e esticou o pescoço para lhe dar um beijo.
- Liga á tua mãe. - disse dando-lhe outro beijo - E combina o jantar, para este fim de semana.
- Hum-hum - concordou Ben roubando-lhe um ultimo beijo antes de a deixar sair completamente - Boa sorte.
- Obrigada - disse Rachel fechando a porta do carro e virando-se para caminhar em direção á porta do edifício.
Olhou por cima do ombro quando ouviu o motor do carro afastar-se e respirou fundo antes de entrar pela porta. Olhou em volta, o átrio era espaçoso e o chão em mármore tão brilhante que refletia a sua imagem. Rachel dirigiu-se para o balcão que se situava ao centro.
- Bom dia - cumprimentou chamando a atenção de uma das rececionistas. - Eu vim para o meu primeiro dia, o meu nome é...
- Rachel Bernard - interrompeu uma voz feminina, que fez Rachel olhar de relance para o lado. - Ou devo chamar Rachel Duncan?
Rosie Gardner era uma mulher alta e esguia, de aspeto confiante e tal como a sua carreira, aparentava ser uma mulher realizada, em vários aspetos. Rachel sorriu contagiada pelo sorriso confiante dela e estendeu-lhe a mão.
- Bernard, ainda só Bernard. - disse ela apertando a mão, daquela que supostamente seria a sua chefe.
- Muito bem, Rachel Bernard, estava á tua espera. - começou Rosie, sem nunca desfazer o seu sorriso - Pronta para começar?
- Prontíssima. - afirmou Rachel empolgada.
- Então segue-me, vou mostrar-te o teu escritório. - Disse Rossie entrando para um elevador.
- Escritório? - espantou-se Rachel.
Não esperava ter um escritório. Normalmente os novatos ficavam em cubículos e não em escritórios particulares.
- Sim, eu gostei de ti - disse Rosie, apressando-se a especificar antes que ela tivesse a ideia errada - Não porque a Joice te recomendou, mas porque o teu corículo é surpreendente e na entrevista impressionaste-me. Então decidi confiar nas tuas capacidades.
- B-Bem eu nem sei o que dizer - engasgou-se Rachel inchada de orgulho - Obrigada Dra. Rosie.
Rosie assentiu e quando o elevador parou avançou para um comodo ainda maior que a receção.
Rachel observou o lugar á volta e viu que este era repleto dos tais cubículos, em que tinha pensado que ia ficar e de vários escritórios, onde outros advogados analisavam os seus casos, ou falavam ao telemóvel com os clientes, enquanto outros, por seu lado, falavam diretamente com eles.
Rosie parou abruptamente, quase fazendo Rachel cair para trás.
- Aqui está - disse ela entrando num dos escritórios - o teu cantinho.
Rachel entrou seguindo-a e ficou perplexa com a maravilhosa vista que tinha das janelas atras da sua secretaria. Os seus olhos caíram então sobre esta, que estava equipada com tudo o que alguém podia precisar para trabalhar, computador, papeis carimbos, lápis canetas etc. e logo ao lado havia uma grande estante com dossiês onde ela podia arquivar os seus casos. Num dos cantos da sala ainda haviam duas poltronas e uma mesinha no centro , onde ela podia receber os seus futuros clientes.
- Gostas? - perguntou Rosie aproximando-se dela.
- Adoro. - suspirou Rachel emersa nos seus sonhos. - Quer dizer, obrigada.
- Certo, então instala-te enquanto eu vou buscar o teu presente de boas vindas.
- Presente? - estranhou Rachel.
- Sim, eu volto já. - disse Rosie saindo da sala.
Rachel caminhou lentamente pelo cómodo, pendurou a mala na cadeira e pousou a sua caixa em cima da mesa, começando a tirar as poucas coisas que trouxera consigo. Estava a tirar a ultima das suas coisas quando Rosie voltou.
- Aqui - disse entregando-lhe uma pasta castanha - Os teu primeiros casos, como advogada oficial.
Rachel sorriu e pegou na pasta, sentou-se na cadeira e começou a lê-los com cuidado.
- Porquê Lewis Carroll? - perguntou Rosie, fazendo-a levantar os olhos confusa.
Rachel seguiu o olhar dela até ao livro que tinha pousado no canto da mesa antes de ela entrar e sorriu com ternura.
- É um livro que me faz lembrar de alguém especial. - admitiu Rachel.
- Hum, entendi. - assentiu Rosie - Bom, vou deixar-te trabalhar. - disse afastando-se em direção á porta - E Rachel? Sê bem vinda.
Rachel ia responder, mas não teve tempo pois Rosie saiu antes que o pudesse fazer.
Vendo-se sozinha, dirigiu um olhar para as molduras pousadas á sua frente. Numa delas tinha a foto dos pais e a outra fora tirada à relativamente pouco tempo, no dia da sua formatura, nela apareciam a Avó, Maxie, Oliver, Ben, ela e Reggie.
Aquela era a sua verdadeira família. Por vezes, ela sentia saudades de quem já não estava ali, mas apesar disso, ela fazia questão de valorizar cada segundo perto dos que ainda permaneciam com ela.
Pousou a pasta de lado e pegou no livro, que outrora fora a historia preferida de uma pessoa muito especial, que lhe mostrara que a vida se torna muito mais valiosa se nos permitirmos amar e ser amados. Para quem tinha lido aquele conto durante horas, perdendo-se também naquele país distante, fruto dos sonhos e da imaginação de uma simples criança.
Virou a cadeira para a paisagem atrás de si e abriu o livro na ultima pagina, onde esse alguém, que a ensinara a viver sem arrependimento, culpa, ou medo, tinha escrito certa vez:
Obrigado por tudo, Ray-Ray.
Reggie
Fim