Cheguei em casa com uma mistura estranha de cansaço e agitação. Larguei a bolsa no sofá, prendi o cabelo e fui direto para a cozinha.Preparei um risoto simples de carne, o prato preferido de Eduardo. Coloquei a mesa com cuidado, tentando dar ao jantar um clima especial, ainda que discreto.
Ele chegou pontualmente às oito. Me cumprimentou com um beijo leve na testa, como quem beija uma irmã.
— Fiz risoto — falei com um sorriso, tentando manter o clima leve.
— Humm, o cheiro está ótimo. Obrigado.
Jantamos quase em silêncio. O som dos talheres parecia ecoar pela sala. Eu estava cansada daquele silêncio que gritava.
— O dia foi puxado? — perguntei, buscando qualquer conexão.
— Foi. Reuniões e mais reuniões... É complicado lidar com tantas pessoas no trabalho. E o seu?
— Foi bom. Na verdade... fui chamada pra um projeto novo. Uma pousada nas montanhas. Grande, linda. O empreendimento é do empresário Rafael Ferri, amigo do meu chefe.
Ele levantou os olhos do prato por um momento.
— Que bom, Júlia. Parabéns. Tenho certeza de que vai se sair bem.
— Obrigada — sorri, genuinamente feliz por ele ao menos me ouvir.
Quando terminamos, juntei os pratos e lavei tudo em silêncio.Depois, me aproximei dele no sofá.
— Vamos ver um filme?
— Pode ser.
Nos sentamos, cada um em uma ponta do sofá. Coloquei uma comédia romântica leve, algo que eu gostava de assistir para distrair a mente. Quarenta minutos depois, ouvi sua respiração mais profunda. Olhei pro lado — ele dormia.
Meu peito apertou. Frustração, tristeza, solidão. Mas também... um resquício de compreensão. Talvez ele estivesse apenas cansado.Talvez.
Desliguei a TV e o chamei suavemente.
— Vamos pra cama, amor.
Ele murmurou algo e foi atrás de mim, cambaleando de sono.
Deitamos. Meu corpo, ali, esperando um toque, um carinho, uma aproximação. Mas ele virou para o lado e, em poucos minutos, já dormia outra vez.
Fechei os olhos e sussurrei para o teto escuro:
— Até quando?
Algumas semanas depois
— Então quer dizer que, desde aquele jantar, ele ainda não te procurou? Vocês... não transaram? — Debi pergunta, incrédula.
— Não... — respondo, cabisbaixa. — Ele diz que está cansado com o trabalho. Ou talvez... talvez ele simplesmente não sinta mais desejo por mim. Não sei mais o que pensar, Debi. Não sei mais o que fazer.
É doloroso dizer isso em voz alta. Vergonhoso, até. Ainda bem que tenho a Debi. Se não fosse ela, acho que já teria explodido de tanta angústia.
— Desculpa, amiga, mas não dá pra defender isso. Isso não existe! Você é linda, gostosa, incrível! Eu vejo o jeito que os caras te olham quando saímos pra almoçar e nem preciso ir muito longe, aqui mesmo, no trabalho, a maioria deles te devora com os olhos. Você é que nunca deu abertura.
Fico em silêncio. É verdade. Triste, mas verdade. Vários homens demonstram desejo por mim... menos o único que eu queria que me desejasse.
— Quero acreditar que seja só uma fase — murmuro, tentando convencer mais a mim mesma do que a ela. — Eu espero que ele mude...
— Amiga... me perdoa, mas você é muito mais do que isso. Você merece ser amada de verdade. Eu só quero a sua felicidade e sei que, nesse momento, você não está feliz. Por favor, não fica chateada comigo. No começo, quando você começou a desabafar, eu tentei entender. Lembra? A gente pensou em todas as possibilidades ao longo dos anos. Vi você tentando de tudo: viagens, jantares, surpresas. E até funcionava por um tempo... mas só porque você insistia. Eu não estou dizendo que sexo é tudo num relacionamento, mas é essencial pra manter a conexão entre o casal. Precisa ter paixão, desejo... amor. Aquele frio na barriga, sabe? E você é assim, intensa. Gosta de se entregar por completo. E quer isso de volta, você quer reciprocidade.
As palavras dela me atingem em cheio. Eu sei que são verdadeiras... mas doem.
— Eu sei. Só que não é simples assim. Não é fácil abandonar tudo. A gente construiu uma vida juntos. São anos de história. Nossa casa, nossas coisas... Meus pais, a família dele... Todo mundo nos vê como o casal perfeito. E, de certa forma, é isso que mostramos em público. Tem muita coisa envolvida. Mesmo com toda essa dor... eu ainda o amo.
Debi me olha com ternura, os olhos úmidos.
— Só quero que você saiba que eu estou aqui. Do seu lado. Sempre. Qualquer que seja a sua decisão.
Ela se levanta devagar e sai da minha sala, me deixando ali... sozinha. Tão perdida quanto antes.
Eduardo, mesmo distante, continuava gentil. Dormíamos lado a lado como dois estranhos. Como colegas de quarto que dividem o mesmo teto, mas não mais a mesma vida. Eu me sentia cada vez mais só, como se vivesse dentro de um casamento-fantasma.
No trabalho, ao menos, as coisas seguiam. Eu estava imersa nas ideias iniciais para o projeto da pousada. Criei um painel de referências com texturas naturais, elementos rústicos e toques de elegância contemporânea. Queria que cada ambiente transmitisse acolhimento, paz, a sensação de refúgio. Algo vivo, com alma.
Foi quando Henrique apareceu na minha sala com sua xícara de café na mão.
— Júlia, preciso que você vá até o local do projeto. O Rafael vai estar lá. Ele quer te mostrar tudo pessoalmente e explicar os detalhes do que tem em mente.
— Claro! Vai ser ótimo ver o espaço com os meus próprios olhos. Quando seria?
— Sexta-feira agora. A ideia é que você passe o final de semana por lá. Fica a umas três horas daqui, então faz sentido dormir lá. Ele já confirmou que vai te acompanhar em tudo com calma.
Assenti, sentindo o coração acelerar. Um misto de animação e um certo nervosismo me invadiu.Rafael...
Voltei a me concentrar no que estava fazendo, tentando afastar qualquer pensamento que não fosse profissional. Mas, algum tempo depois, Debi entrou na sala com aquele olhar dela — o clássico olhar investigativo.
— Então... vai passar o final de semana com o bonitão do Rafael? — ela sussurrou, com um sorriso travesso.
— Ai, Debi... nem começa.
— Só tô dizendo que... você está viva. E merece sentir isso. Alguma coisa. Uma emoção boa. Porque viver esse casamento sem cor... não é justo.
— Eu sei. Mas sou casada, Debi. E você sabe o que eu penso sobre traição.
— Casamento não é prisão, Jú. E sentir não é trair. Você não precisa fazer nada errado. Só se permitir viver. Estou falando de sair da rotina. De abrir os olhos. Ser você de novo.
Suspirei fundo. O pior é que ela estava certa.
E isso... me assustava.

VOC? EST? LENDO
Casada com a Solid?o
RomanceVocê já se sentiu só, mesmo dividindo a vida com alguém? Quantas vezes tentou reacender um amor que parece já n?o estar lá? Quanto tempo se sobrevive em um relacionamento onde o toque virou ausência, e o silêncio se tornou rotina? Júlia é uma mulher...