抖阴社区

Capítulo 63

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Júlia



Eu já tinha acordado há um tempo. Tomei banho, vesti uma roupa leve e tentei comer alguma coisa no almoço… mas a verdade é que quase não consegui engolir. Meu estômago estava revirado, meu coração inquieto. Eu tentava sorrir, fingir tranquilidade para a minha mãe, que estava ali, firme, ao meu lado, mas a ansiedade me traía.

O Rafael ainda não tinha voltado. Minha mãe disse que ele saiu para resolver algo da empresa… mas eu sei que não foi isso. Eu conheço o olhar dele quando tenta me poupar. Quando carrega o mundo nas costas e finge que não está doendo. E isso me deixava ainda mais nervosa. Não quero que ele se prejudique por minha causa. Não quero que ele pague o preço por tentar me proteger.

— Filha, você quase não tocou na comida — minha mãe comentou, com aquele tom doce que tenta disfarçar a preocupação.

— Desculpa, mãe. É que… tô sem fome. — Suspirei. — E também… você pode ir pra casa. O papai está te esperando, eu já estou bem melhor. Foi só o susto.

Ela arqueou a sobrancelha, desconfiada, e mudou a expressão.

— Eu só vou quando o Rafael chegar. E trate de comer, ouviu? Quando ele entrar, quero que ele te veja melhor. Ele estava tão preocupado, Júlia… nem dormiu essa noite.

Engoli seco. Ela tinha razão. Eu não queria preocupar ninguém, principalmente ele… mas eu não consegui controlar. Foi um choque muito grande. Escutar tudo aquilo e saber que passei anos da minha vida ao lado de um homem que nunca conheci de verdade. Que é capaz de fazer coisas horríveis e isso me assusta.

Respiro fundo...

Ele estava demorando demais. Eu olhava o relógio com frequência e tentava não parecer tão aflita, mas minha mãe percebia. Quando ela abriu a boca pra falar mais alguma coisa, ouvimos a porta da frente se abrindo. O som mais esperado do dia.

— Acho que ele chegou!— ela disse, se levantando com um sorriso.
Eu também me levantei, o coração acelerado. E então o vi.

Rafael entrou. O olhar dele era cansado, os olhos vermelhos de quem não dormiu, mas mesmo assim, quando me viu, ele sorriu. Um sorriso pequeno, sincero, que me aqueceu por dentro.

Fui ao encontro dele e o abracei sem pensar duas vezes. Pressionei meu rosto em seu peito e respirei seu cheiro como se ele fosse o único lugar seguro do mundo. Era. E por um instante, esqueci de tudo.

— Que bom que está acordada — ele sussurrou, acariciando meu rosto com delicadeza. — Se sente melhor?

— Melhor agora que você chegou — respondi, sorrindo para ele, e o beijei com carinho, alívio, e um toque de saudade.

— Ela comeu? — ele perguntou, olhando para minha mãe.

— Muito pouco…— Ela deu uma resposta curta, mas sincera.

Ele voltou o olhar pra mim, sério.

— Vamos terminar esse prato. Vem. — disse, me levando até a mesa.

— Só se você comer comigo — retruquei, tentando aliviar a tensão no ar.

Ele sorriu e assentiu. Sentou-se ao meu lado, serviu um pouco de comida no próprio prato, e começou a se alimentar comigo. Eu ficava só observando seus gestos, sua calma contida, a forma como ele se esforçava para parecer bem, mesmo visivelmente exausto. Meu Deus, como eu amo esse homem.

— Rafael, provei o molho do seu macarrão — minha mãe comentou com um sorriso — e estava uma delícia. Você aprende muito rápido.

Ele sorriu com um pouco mais de leveza.

— Eu tive uma professora exigente — respondeu, e minha mãe ficou sem jeito. Feliz.

— Estava muito gostoso mesmo — complementei. — Não tem nada que meu futuro marido não saiba fazer bem…

Segurei sua mão sobre a mesa. Ele entrelaçou os dedos nos meus e sorriu, com aquele olhar que fala mais que mil promessas.

Vi minha mãe se emocionar. Seus olhos ficaram marejados e ela disfarçou limpando a mesa.

— Bom… agora eu preciso ir. Seu pai está preocupado querendo notícias.

Ela se virou para Rafael. Colocando uma mão em seu ombro.

— Qualquer novidade me ligue, por favor.

— Pode deixar, Dona Helena — ele respondeu com respeito e afeto.

Ela me beijou, me abraçou forte e saiu. E então ficamos só nós dois.

Fiquei um tempo apenas olhando pra ele. Ele mastigava devagar, pensativo. Os olhos baixos, como se processasse mil coisas ao mesmo tempo.

Quando acordei mais cedo, com mais calma, tive coragem de procurar notícias sobre o caso da Sabrina. E foi como uma facada. Apesar de tudo… apesar da dor que ela me causou, da humilhação… eu jamais desejei aquilo pra ela. Nem pra ninguém. Muito menos pra um bebê. Uma criança inocente…

É triste. Cruel demais.

Mas eu tenho fé. Fé de que ela vai sair dessa. Que o bebê vai ficar bem. E que aquele… aquele covarde vai pagar por tudo o que fez.

Sim. Eu não tenho dúvidas. Com certeza, quem a prima dela viu saindo do prédio… foi o Eduardo.

Eu queria perguntar ao Rafael onde ele tinha ido, queria saber o que ele descobriu… mas eu sei que ele está tentando me poupar. E parte de mim quer deixar assim. Só que outra parte… precisa saber.

Mas agora…nesse momento, o mais importante para mim, é que cuidar dele.

Ele está aqui. Exausto. Queimando por dentro de tanto tentar me proteger.

— Eu vou tomar um banho e depois dar uma olhada em umas coisas no escritório — ele disse, levantando da mesa, já indo em direção ao corredor. A voz ainda calma, mas carregada daquele cansaço que nem a comida disfarçou.

— Não. — Falei de forma leve, mas firme o suficiente pra fazê-lo parar e me olhar.

— Não?

— Depois do banho, o que você precisa é dormir, Rafael.

Ele franziu o cenho, hesitante. Cruzou os braços e apoiou o ombro no batente da porta, me olhando com aquele jeito que mistura doçura com teimosia.

— Júlia, eu tenho umas pendências pra resolver, ainda preciso revisar o relatório da construtora e também…

— Amor… — cortei, me levantando e indo até ele. — Olha pra mim.

Ele baixou os olhos, suspirou, mas obedeceu. Nossos olhares se encontraram e por um segundo ele pareceu ceder só com o toque da minha mão no peito dele.

— Você não dormiu. Está com olheiras, mal conseguiu comer. Passou a noite em claro, o dia todo na rua, e ainda quer ir pro escritório como se fosse de ferro. Mas você não é. É humano. E agora… é a minha vez de cuidar de você.

Ele manteve o olhar em mim, como se aquelas palavras fossem lentamente desarmando o escudo que ele carregava desde a manhã. Eu continuei...

— Você já fez demais. Por mim, por todos. Agora, por favor… deixa eu cuidar de você um pouco?

Um silêncio carregado de afeto se instalou entre nós. Ele sorriu de canto, cansado, mas rendido. Aquele sorriso que só ele sabe dar quando se entrega sem dizer nada.

— Tá bom… — murmurou. — Você venceu.

Beijei a ponta do seu nariz, rindo baixinho.

— Vai. Toma seu banho. Eu te espero na cama.

Ele assentiu, me deu um selinho demorado e foi pro quarto. Eu arrumei a louça com calma, pensando em como é estranho — e ao mesmo tempo reconfortante — esse papel que se inverte. Por tanto tempo fui eu quem precisei de apoio, abrigo, direção… e agora, eu queria ser tudo isso pra ele.

Depois de um tempo, ouvi a porta do banheiro abrir. Rafael saiu, já de moletom, o cabelo ainda úmido, os olhos pesados. Me aproximei dele, puxei sua mão com carinho e o levei até a cama.

Ele se deitou de lado, meio relutante, tentando ainda manter os olhos abertos.

— Dorme. Só um pouco. — Sentei-me ao lado dele e passei os dedos devagar pelo seu cabelo. — Depois você resolve o que for. Agora só… descansa, tá?

Ele me olhou por alguns segundos. Aqueles olhos castanhos, profundos, que sempre pareceram fortes demais, agora estavam frágeis, vulneráveis.

— Por favor, não saia de casa sem mim. — sussurrou.

— Eu não vou a lugar nenhum. Eu te amo. — Falei baixinho, beijando seu rosto.

Ele fechou os olhos, e eu continuei acariciando seus cabelos com suavidade, em silêncio. Pouco a pouco, senti sua respiração mudar. Mais lenta. Mais profunda. Em poucos minutos, ele adormeceu.

Fiquei ali, observando o homem que amo finalmente descansar. O mesmo homem que passou a noite em claro zelando meu sono, que faz de tudo para me ver bem e protegida. Enfrentando o que fosse necessário sem reclamar, sem hesitar.

E agora, finalmente, eu podia retribuir — mesmo que com um gesto pequeno, com silêncio e presença.

A luz do fim da tarde entrava pela janela, tingindo o quarto com um tom dourado suave. E eu, com a cabeça apoiada na mão, observava cada traço do seu rosto. Os cílios longos, a barba por fazer, a linha suave da boca relaxada no sono.
Ali, naquela quietude, eu senti uma certeza viva, a de que, mesmo em meio ao caos, eu encontrei o meu lugar.

E era ao lado dele.

Casada com a Solid?o Onde histórias criam vida. Descubra agora