抖阴社区

36

857 140 13
                                        

Domingo

Cabelinho


Acordei com a claridade batendo de leve pela cortina fina do quarto do Borges. A cama tava bagunçada, lençol jogado pra um lado e o cheiro dele grudado no travesseiro. Virei de lado e dei de cara com aquele homem enorme, só de cueca , ainda com um braço jogado sobre mim, como se dissesse "fica mais".

Sorri sozinho, lembrando da noite passada. O jantar, o pedido de namoro, o jeito estabanado e sincero dele... tudo parecia meio surreal ainda.

- Tá acordado? - ele murmurou, sem abrir o olho.

- Tô. E tu devia levantar, que tua quebrada já deve tá fervendo lá fora.

Ele soltou um resmungo e me puxou de volta pra cama. Tentei resistir, mas o peso do braço dele, o calor do corpo, aquela paz rara... acabei ficando ali mais um pouco.

- Nem parece tu, todo grudado assim - falei, provocando.

- Fica calado - ele respondeu, rindo baixo. - Só hoje.

Ficamos assim por uns minutos, em silêncio, ouvindo o barulho da rua entrando pela janela: alguém batendo lata no boteco, moto acelerando, cachorro latindo. A favela acordando.

Depois de um tempo, levantei e fui pro banheiro, lavei o rosto e voltei pra sala. Essa casa do Borges era bem organizada do que eu imaginava - tudo no lugar, sem muita frescura. Peguei o celular pra ver as mensagens: Brenda tinha mandado uma foto das crianças tomando café com a vó.

Brenda: Bom dia, dorminhoco. Lavínia quer saber se tu volta hoje ou vai dormir fora de novo.

Ri sozinho e respondi que já já ia embora. Não queria se afastar das crianças, mesmo agora com o coração inteiro bagunçado.

- Cê vai embora já? - Borges apareceu encostado no batente da porta, olhando pra mim com aquela cara de quem finge que não liga, mas liga.

- Daqui a pouco. Vou ver as crianças. A vó deve tá perguntando já.

Ele assentiu, deu um passo pra perto e me abraçou por trás.

- Fica mais um pouco.

Fechei os olhos, encostado no peito dele.

Era estranho e bom ao mesmo tempo. A gente ainda era dois cria, cheio de nó na cabeça, mas agora com um vínculo que parecia diferente de tudo que eu já tinha sentido. Tinha medo, claro. Mas ali, naquele abraço apertado, parecia que o mundo parava um pouco só pra gente.

Entro na cozinha com ele, ainda de camiseta larga e cabelo bagunçado. Borges botou água no fogo e tirou o pão de forma do armário. Café preto, pão na chapa e queijo - o básico, mas do jeito dele, rápido e preciso. Me sentei no balcão e fiquei só olhando, meio bobo.

- Que foi? - ele perguntou sem olhar pra mim.

- Nada não. Só vendo esse homem durão fazendo café da manhã todo doméstico - brinquei.

- Vai se fuder - ele respondeu, mas deu um sorrisinho de canto.

Comemos ali mesmo, em silêncio, dividindo o último gole do café. Quando ele terminou, pegou o celular do bolso e deu aquela olhada rápida nas notificações. O semblante dele mudou na hora.

Atra??o fatal Onde histórias criam vida. Descubra agora