Rafael
O relógio marcava quase dez da noite quando percebi que já fazia horas que eu estava no escritório de casa, imerso entre plantas, contratos e e-mails de fornecedores do projeto nas montanhas. A cabeça estava pesada, os olhos cansados, mas era impossível desligar. Mesmo quando o trabalho me absorvia, a verdade era que, desde o dia em que fui até a delegacia conversar com o Félix, minha mente nunca mais esteve em paz.
Desde a visita à delegacia, onde conversei com o Félix, a minha mente não conhecia mais sossego. Fazia mais de uma semana, mas a sensação de urgência só aumentava.Nesse intervalo, pedi ao Henrique que deixasse a Júlia trabalhar de casa. Ele, como sempre, foi sensato. Entendeu a gravidade da situação e não fez perguntas.
Júlia também aceitou — pelo menos no começo. Disse que entendia, que era melhor assim. Mas eu sabia. Uma parte dela queria me tranquilizar. A outra só queria fugir do caos. E quem poderia culpá-la?
O nome de Eduardo tinha vazado para a mídia — não oficialmente, mas os burburinhos eram altos demais para serem ignorados. Sites de fofoca, perfis de justiça digital, podcasts de crimes reais... todos falavam sobre o caso da Sabrina. Sobre o empresário cruel que tentou matar sua amante e seu filho. O cerco começava a se fechar. Mas ainda era tudo muito lento.
O Félix me garantiu que já estava com as imagens das câmeras, e aguardava autorização judicial para quebra do sigilo telefônico da Sabrina. — uma formalidade que, como tudo nesse país, levava tempo demais. E ela ainda estava em coma. Nenhuma confissão. Nenhuma memória reconstituída. Nenhuma voz. Nada concreto que levasse Eduardo à prisão de forma definitiva.
E isso me matava. Porque enquanto ele estava solto, Júlia não estava segura.
Foi nesse momento que a porta se abriu devagar e ela entrou com uma bandeja nas mãos. O cheiro de pão quente e chá de camomila invadiu o ambiente.
— Amor, trouxe um lanche pra você... — disse com aquele sorriso pequeno, doce, mas distante.
Agradeci com um olhar terno. Ela estava linda, mesmo de moletom, cabelo preso de qualquer jeito. Mas eu sabia — eu sentia — que algo a incomodava. O silêncio entre nós estava cada vez mais espesso.
— Você não precisa se preocupar comigo, sabia? — ela disse, colocando a bandeja na mesa, o olhar fixo no chão por um segundo. Então respirou fundo. — Rafael... acho que já está na hora de eu voltar a trabalhar presencial.
Suspirei, sabendo exatamente para onde aquela conversa iria.
— Júlia...
— Por favor, me escuta. Eu não acho isso certo. Trabalhar em casa o tempo todo, sair só com você... Eu tô me sentindo uma prisioneira. E quem deveria estar preso é ele. Não eu.
Fechei os olhos por um instante. Tentei manter a calma.
— A gente já conversou sobre isso. Eu falei com o Félix. Ele está com as imagens, está esperando a autorização do sigilo telefônico... As provas estão vindo, é questão de tempo.
— Tempo? — ela rebateu, a voz embargada. — Vai demorar, Rafael. Você sabe como é a justiça aqui. Isso pode levar meses. Anos! E enquanto isso, eu fico aqui, me escondendo, como se eu tivesse feito algo errado? Não! O Eduardo que tem que estar trancado. Ele que deveria ser vigiado, não eu.
— Amor...você está certa. Mas, eu não quero correr esse risco. — Me levantei da cadeira e caminhei até ela. — A cada dia ele fica mais encurralado, mais desesperado. Ele não aceita a separação. Ainda acha que você é propriedade dele. Ele é perigoso, Júlia. Ele não tem mais nada a perder. Acredite meu amor, estou tentando fazer tudo do jeito certo.
— Eu só quero que isso acabe logo. — Ela cruzou os braços. — Você tinha uma viagem marcada pro seu novo projeto hoje e cancelou pra ficar aqui. Isso não é justo com você. Eu não quero te prender também.
— Vai acabar! Confie em mim. Você é minha prioridade. Tudo vai se resolver isso só tenha mais um pouco de paciência.
Ela ficou em silêncio por um segundo. Mordeu o lábio, os olhos marejados. E então disse com a voz embargada.
— Ta bom. Te espero no quarto.
E saiu, deixando o cheiro do chá no ar e um vazio no peito.
Fiquei ali por um momento, tentando respirar. Controlando a raiva. A frustração.
Eu havia prometido ao Félix que ia esperar, que confiava no trabalho dele. Mas a cada dia que passava, eu sentia esse castelo de paciência desmoronar. Porque quando as provas surgissem de vez — e elas vão surgir — eu sabia que Eduardo ia perder o último vestígio de controle. E, quando isso acontecesse...
Peguei o celular.
— Max? — minha voz saiu firme. — Preciso falar com você pessoalmente. Ok! Te vejo amanhã.
Assim que desliguei o telefone com Max, fiquei parado por alguns segundos, olhando pro chão como se minhas decisões pesassem mais que o corpo. Respirei fundo. Não era fácil dar um passo pra esse lado de mim.

VOC? EST? LENDO
Casada com a Solid?o
RomanceVocê já se sentiu só, mesmo dividindo a vida com alguém? Quantas vezes tentou reacender um amor que parece já n?o estar lá? Quanto tempo se sobrevive em um relacionamento onde o toque virou ausência, e o silêncio se tornou rotina? Júlia é uma mulher...
Capítulo 63
Come?ar do início