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Between the Lines

By carinascrain

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Quando Maya Bishop cruza o caminho da nova médica do Grey Sloan Memorial Hospital, ela não consegue ignorar a... More

Capítulo 1
Capitulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20

Capítulo 16

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By carinascrain

QUEM AQUI TAMBÉM VAI CONHECER A STEFANIA E DANIELLE EM SÃO PAULO DIA 27 DE SETEMBRO? 🤍

Desde o momento em que acordou naquela manhã, Carina sentia o coração bater num ritmo acelerado. Ela estava nervosa. Muito nervosa.

Gabriela chegaria naquela noite.

Elas duas haviam combinado que fingiriam ser uma surpresa. Alex não sabia de nada.

Carina sabia que, se dissesse com antecedência que Gabriela estava vindo, ele teria tempo para se incomodar, protestar, talvez até arranjar uma desculpa para ela não ficar na casa deles.

Mas se Gabriela simplesmente aparecesse na porta de casa, com uma mala na mão e um sorriso no rosto... bom, seria mais difícil para ele dizer não.

Carina havia mandado o endereço exato da casa para Gabriela mais cedo, instruindo-a a pegar um Uber direto do aeroporto. Gabriela respondeu com um emoji de coração e disse que estaria lá às sete em ponto.

Maya já estava por dentro de tudo. Carina contou cada detalhe do plano para ela numa ligação tarde da noite no dia anterior, tentando esconder o nervosismo na voz, mas Maya percebeu.

E foi exatamente por isso que, sem hesitar, ofereceu seu apartamento para Gabriela ficar caso Alex criasse confusão.

Carina ficou sem palavras. Maya mal conhecia Gabriela e ainda assim, estava abrindo as portas de casa para ela. Era um gesto simples, mas que dizia muito. Era generoso, sincero, cheio de empatia.

Era simplesmente, Maya.

Mas Gabriela não seria uma surpresa só para Alex.

Carina havia decidido guardar segredo também de Andrea. Não contou nada à filha, e fazia questão de manter o mistério até o último segundo. Queria ver o brilho nos olhos dela, a reação espontânea, aquela alegria que vinha sem aviso.

Sabia que o reencontro entre as duas seria especial. Andrea falava de Gabriela de vez em quando, no meio de uma conversa qualquer, do jeito despretensioso das crianças. Às vezes, enquanto experimentava uma roupa nova ou pintava um desenho, soltava frases como "A tia Gabriela ia amar isso!" ou "Será que ela ainda lembra de mim?"  e, nesses momentos, Carina sentia um aperto doce no peito. Porque sabia que, mesmo com a distância e o tempo, havia um vínculo ali que não tinha se quebrado.

Ela se lembrava de como Gabriela sempre teve um jeito leve com Andrea, quase mágico. Como se falassem uma língua só delas, cheia de piadas internas e gestos secretos. E agora, poder proporcionar esse reencontro fazia tudo valer a pena.

Carina estava nervosa, mas também grata. Por estar cercada de pessoas que ela amava. Por poder juntar pedaços da vida que, por tanto tempo, pareceram separados demais para se encontrarem de novo.

Ela olhou para o relógio. Faltavam menos de quatro horas e o coração já não cabia mais no peito.

Ela estava agora em sua sala. Tinha acabado de chegar ali depois de um dia inteiro mergulhada em sua pesquisa. Foi um daqueles dias intensos, mas gratificantes.

A pesquisa estava indo bem, melhor do que ela esperava, na verdade. Os dados estavam se acumulando com consistência, os comentários nos corredores do hospital eram positivos, e cada nova visita de um voluntário parecia confirmar que ela estava no caminho certo.

Ela tentava revisar alguns papéis agora, sozinha, em silêncio, ou pelo menos tentava. Porque a cabeça dela estava longe. Entre o nervosismo com a chegada de Gabriela, a preocupação com a reação do Alex, e a ansiedade para ver Andrea reencontrando a tia, era quase impossível manter o foco.

Então, do nada, a porta da sala se escancarou, sem nem uma batidinha.

Carina levantou os olhos, já com uma expressão impaciente, e viu Amelia e Jo entrarem como se estivessem na casa delas.

— Cadê a educação de vocês? — disse, arqueando uma sobrancelha.

Amelia nem se abalou. Foi direto pro sofá no canto da sala, se jogando com a familiaridade de quem já tinha feito aquilo mil vezes. Jo veio logo atrás, com aquele sorriso divertido de sempre.

— A gente já passou dessa fase, DeLuca — disse Amelia, se esticando no estofado.

— Sua pesquisa virou o assunto do hospital. — Jo completou, sentando ao lado de Amelia.

— Que bom, fico feliz. — Carina deu um sorriso discreto, mas sincero. — Tá dando mais certo do que eu esperava, irei finalizá-la em breve.

Amelia olhou pra ela com aquele olhar afiado que vinha sempre antes de uma provocação.

— Fiquei sabendo que uma das enfermeiras deu em cima de você.

— Ah deu, sim. — Carina soltou um suspiro, meio rindo. — Ela participou da pesquisa, estava meio nervosa quando chegou, mas na hora de sair, foi bem direta.

— Direta como? — perguntou Jo, curiosa.

— Tipo... "se quiser, me liga depois pra gente tomar alguma coisa" — respondeu Carina, dando de ombros. — Eu só sorri, agradeci. Fui simpática, mas não demonstrei interesse.

Amelia não perdeu a deixa.

— Se fosse uma bombeira, talvez você estivesse interessada, né?

Carina lançou um olhar sério na direção dela. Por um segundo, tentou manter a pose, a expressão fechada, o silêncio calculado. Mas não durou muito. Um sorriso foi se formando aos poucos, traindo qualquer tentativa de disfarce. Ela sabia. Estava entregue.

— Ah, olha esse sorriso! — exclamou Jo, se inclinando pra frente no sofá, toda animada. — Como estão as coisas entre vocês duas?

Carina balançou a cabeça, tentando parecer impassível, mas o brilho nos olhos falava por ela.

— Vocês duas são impossíveis... — murmurou, tentando esconder o riso, mas já era tarde demais. — As coisas estão…muito boas.

E estavam mesmo.

Ela e Maya estavam mais próximas que nunca. Trocas de mensagens o dia inteiro, ligações rápidas no meio do expediente só pra ouvir a voz uma da outra, Não se viam desde o dia da estação uns cinco dias atrás e, mesmo que não fosse muito tempo, Carina já estava com saudades.

Ela estava perdida nesses pensamentos quando a voz de Amélia interrompeu.

— Aposto que vocês já transaram.

Carina arregalou os olhos e sentiu as bochechas queimarem no mesmo instante.

— Amelia! — exclamou, em um tom que misturava reprovação e pura vergonha.

— Olha isso! Ela tá corando! — Jo soltou uma gargalhada. – Ou seja, já transaram, sim!

Carina levou a mão ao rosto, querendo se esconder dentro da própria pele.

— Não que seja da conta de vocês… — disse Carina, respirando fundo. — Mas não, nós não transamos.

— Você está perdendo tempo, então — retrucou Amélia, com a maior naturalidade do mundo.

— Ah, é verdade. — disse Jo, virando o rosto pra ela. — Você já dormiu com a Maya.

Carina sentiu as bochechas queimarem ainda mais. Era como se o calor tivesse dobrado de intensidade num segundo. Ela nem tentou responder.

— Foi um dos melhores… — começou Amelia, já entrando na lembrança — ou talvez o melhor sexo da minha vida. Aquela mulher é insana na cama. Tipo… inacreditável.

— Amelia! — Carina exclamou, se encolhendo na cadeira, completamente constrangida. — Pelo amor de Deus, para!

Jo riu alto, aproveitando cada segundo.

— Tá com ciúmes? — ela perguntou, olhando atentamente para Carina.

— Claro que não. — Carina revirou os olhos, bufando.

As duas mulheres no sofá caíram na gargalhada, se divertindo com a reação dela. Amelia tentou recuperar o fôlego, ainda rindo, e então disse com um tom mais leve.

— Brincadeiras à parte, eu tô feliz que as coisas estejam boas entre vocês. De verdade. Eu sei que não é simples.

— Não é. — Carina assentiu devagar, o sorriso já mais contido. — É bem complicado, na real.

Amelia a olhou com mais suavidade, mas não perdeu a chance de encerrar no próprio estilo.

— Só digo uma coisa: se você tiver a chance de ir pra cama com aquela mulher... pelo amor de Deus, vá.

Carina revirou os olhos outra vez, dessa vez mais teatral.

— Vocês duas, fora da minha sala agora.

Em vez de se levantarem, Jo e Amelia apenas se acomodaram ainda mais no sofá, como se estivessem em casa.

Carina soltou um longo suspiro, já prevendo o que viria. Elas não iam sair dali tão cedo.

Eram quatro da tarde quando Carina finalmente deixou o hospital.

Amelia e Jo tinham passado um bom tempo em sua sala, mais do que o aceitável aliás, mas, apesar dos comentários indecentes e das piadinhas de sempre, a presença das duas tinha lhe feito bem.

Entre uma provocação e outra, Carina se pegou rindo, soltando o corpo, esquecendo por alguns instantes da ansiedade que vinha carregando desde o momento em que acordou.

Agora, caminhava pelo estacionamento em direção ao carro, o jaleco pendurado no antebraço e os ombros ligeiramente mais leves. O céu ainda claro, com o sol filtrando entre as nuvens, trazia uma sensação de tranquilidade.

Assim que entrou no carro e fechou a porta, o celular vibrou. A tela acendeu com um nome que imediatamente fez seu coração acelerar. 

Maya.

Carina sorriu, quase por reflexo, antes mesmo de atender.

— Oi, você — disse, com a voz suave.

Oi. Como você tá? — perguntou Maya, do outro lado da linha, a voz tão familiar quanto reconfortante.

— Estou nervosa — Carina recostou a cabeça no banco e soltou um suspiro leve — Consegui focar no trabalho, passei o dia todo no hospital com os voluntários da pesquisa. Acabei de sair, tô indo pra casa agora.

Houve um silêncio breve antes de Maya falar novamente.

Você pode passar aqui na estação antes?

— Aconteceu alguma coisa? — Carina franziu levemente a testa, surpresa.

Não — respondeu Maya, com um tom tranquilo. — Eu só queria te ver.

O coração de Carina deu um leve tropeço. Ela mordeu o lábio inferior, tentando conter o sorriso que já estava se formando.

— Estarei ai em dez minutos.

Desligou ainda com o celular na mão, por alguns segundos olhando para a tela apagada como se pudesse absorver mais da voz que acabara de ouvir.

Carina dirigiu até a estação com o coração batendo num ritmo ansioso, mas agora por um motivo diferente. Havia algo em Maya que sempre a desarma, mesmo nos dias mais exaustivos, bastava pensar nela pra que um calor suave tomasse seu peito.

E vê-la...bem, ela ainda estava tentando encontrar a palavra certa para descrever aquela sensação.  

Assim que entrou no estacionamento da estação, seus olhos a encontraram ali, do lado de fora, encostada na parede perto da entrada, uniforme impecável, o cabelo preso daquele jeito despreocupado que ela achava absurdamente sexy.

Maya estava com os braços cruzados e os olhos voltados pra frente, mas, ao ver o carro de Carina se aproximar, um pequeno sorriso se formou em seu rosto.

Carina desligou o carro e, por um instante, ficou ali parada, observando-a. Era sempre assim. Toda vez que via Maya, era como se fosse a primeira. O estômago dava aquele salto bobo, a respiração se alterava, o mundo em volta ficava um pouco mais desfocado.

Saiu do carro tentando parecer natural e quando Maya se aproximou, Carina abriu um sorriso, tentando disfarçar o nervosismo.

— E por que esse convite tão inesperado? — perguntou ela, com uma sobrancelha levemente arqueada, como quem tentava disfarçar a curiosidade.

Maya deu um meio sorriso, os olhos suaves.

— Eu disse que só queria ver você.

Carina a olhou por um momento, sem responder, como se tentasse decifrar se aquilo era mesmo real. Como se ainda se surpreendesse com a forma como Maya dizia essas coisas com tanta leveza, com tanta verdade.

Maya suspirou, rendida, atraindo mais ainda a atenção de Carina.

— Tá bom. Eu confesso. — Ela abaixou um pouco o olhar, depois voltou a encará-la. — Eu também tô um pouco nervosa pra hoje. E achei que te ver podia me acalmar.

— Eu entendo— disse Carina, sorrindo. — Mas vai dar tudo certo. O plano é bom.

— A Gabriela deu alguma notícia? — perguntou Maya.

— Ainda não. — Carina negou com a cabeça — Deve estar no avião.

— Vai dar tudo certo. — Maya disse, como se quisesse fazer ela mesma acreditar naquelas palavras —  A gente não precisa se preocupar tanto. E, qualquer coisa, você me liga. Se precisar de mim, eu vou até lá.

Carina soltou um pequeno sorriso.

— Acho que não vai ser necessário, mas obrigada. De verdade.

As duas ficaram em silêncio por um momento. Não era um silêncio desconfortável, pelo contrário, era aquele tipo de pausa onde as palavras não eram urgentes, onde só a presença bastava.

Mas então, Carina desviou os olhos. E os deixou escorregar lentamente pelo corpo de Maya.

O uniforme apertado nos pontos certos, os ombros largos, o jeito como a calça moldava perfeitamente as curvas.

E, de repente, a lembrança da conversa com Amelia e Jo mais cedo invadiu sua cabeça.

"Se você tiver a chance de ir pra cama com aquela mulher... pelo amor de Deus, vá."

Carina sentiu o rosto pegar fogo. Maya franziu o cenho, percebendo a mudança instantânea na expressão dela.

— O que foi?

Carina arregalou os olhos por um segundo, em pânico discreto, tentando controlar a cor que certamente já tingia suas bochechas.

— N-nada… só… um pensamento idiota.

Maya continuou olhando pra ela, desconfiada.

— Tem certeza?

Carina assentiu rápido demais, e o gesto só aumentou a desconfiança nos olhos escuros de Maya. Ela mordeu o lábio inferior, tentando desviar o foco e, talvez, salvar alguma dignidade naquele momento.

Mas o estrago já estava feito, ela podia sentir a pele do rosto queimando, denunciando cada imagem que havia acabado de cruzar sua mente.

Maya inclinou levemente a cabeça para o lado, um meio sorriso surgindo nos lábios, como se estivesse tentando decifrá-la. Ela deu um passo mais perto, e o perfume — amadeirado, envolvente, quente como o verão que se aproximava — atingiu Carina como uma segunda onda de embriaguez.

— Você está vermelha — Maya comentou, com a voz baixa, suave, e um toque divertido. — Foi mesmo um pensamento idiota, ou só constrangedor demais pra me contar?

Carina respirou fundo, desviando os olhos novamente. Ela queria rir. Queria dizer alguma coisa espirituosa. Mas as palavras não vinham, não quando Maya estava tão perto, olhando daquele jeito.

— Digamos que… foi uma mistura das duas coisas — murmurou, finalmente. — E definitivamente culpa da Amelia.

— Amelia? — Maya arqueou as sobrancelhas, divertida. — Oh, agora estou mais curiosa.

Carina fechou os olhos por um instante, balançando a cabeça, antes de finalmente encará-la.

— Ela só… fez um comentário sobre você. E agora, por sua culpa, ele ficou na minha cabeça.

Maya sorriu, claramente se divertindo, mas havia algo mais no olhar dela agora. Algo mais atento, mais firme. Como se estivesse esperando por uma confirmação.

Ou um convite.

— Qual comentário? — ela perguntou, o tom de voz inocente.

— Você sabe exatamente de que tipo era. — Carina riu, nervosa.

— Sei? — Maya perguntou, dando um passo à frente, encurtando a distância entre elas. — Porque eu posso fingir que não sei, se você quiser me contar com detalhes.

Carina prendeu a respiração. O coração batendo tão alto que parecia ecoar no silêncio do estacionamento.

O que essa mulher estava fazendo com ela?

Elas estavam no meio do maldito estacionamento, pelo amor de Deus. Não era o lugar apropriado para esse tipo de conversa, não quando cada segundo ali deixava sua mente mais acelerada.

Ela era Carina DeLuca, porra. Ela que deixava outras pessoas sem palavras. Que fazia as cabeças virarem quando entrava em uma sala. Que, mais de uma vez, fez Maya olhar pra ela como se o mundo parasse.

Ela não podia simplesmente perder o controle assim.

Inspirou fundo. Endireitou os ombros. E sorriu.

Não um sorriso nervoso, mas aquele sorrisinho afiado, seguro, que ela sabia exatamente o efeito que causava. Os olhos fixos nos de Maya, ela se inclinou só um pouco, a voz baixa e carregada de intenção.

— Quando você me levar naquele encontro… – Fez uma pausa curta, e o sorriso cresceu levemente. — Talvez eu te mostre e não apenas fale.

Por uma fração de segundo, ela viu. A mudança sutil no semblante de Maya. O brilho nos olhos dela vacilou, o maxilar pareceu tensionar por um instante, e o ar ao redor ficou mais denso, mais quente.

Mas, como boa profissional, Maya rapidamente recuperou a pose, embora agora o controle estivesse claramente escorregando pelos dedos dela também.

— Mal posso esperar — ela respondeu, com a voz mais rouca, baixa, quase arrastada.

E aquilo foi o suficiente pra fazer o estômago de Carina virar. As pernas, firmes até segundos atrás, ameaçaram vacilar. Ela engoliu em seco, mantendo o sorriso, mas sentindo o coração saltar uma batida inteira.

Elas ficaram se olhando. Por longos segundos. Sem sorrir, sem disfarçar. Apenas se observando, como se qualquer palavra agora fosse estragar o que estava pairando entre elas.

Então Carina respirou fundo de novo, tentando lembrar a si mesma que ainda estavam ao ar livre. Que o mundo não tinha parado, ainda que parecesse.

— Eu… tenho que ir — disse por fim, num tom mais calmo do que ela se sentia por dentro.

Maya assentiu devagar, ainda a encarando.

— Certo.

Carina deu um passo pra trás, mas não quebrou o olhar. Sorriu de novo, mais suave agora.

– Eu te mando uma mensagem mais tarde contando tudo o que aconteceu.

Maya sorriu junto, acenando com a cabeça.

— Estarei esperando.

Eram exatamente sete horas em ponto.

Se alguém a visse naquele momento, diria que era só mais uma noite comum. Ela estava agindo com a mesma calma de sempre, como se não estivesse prestes a explodir de tanta ansiedade.

Ela foi direto pra casa depois de sair da estação. O lugar estava vazio, mas Alex e Andrea chegariam a qualquer momento. Ela seguiu para sua rotina, sedenta por um banho quente para tentar relaxar um pouco.

Assim que desceu as escadas vestindo roupas confortáveis, a porta da frente abriu.

Assim que a viu, Andrea correu em sua direção e começou a contar tudo de uma vez sobre o dia de aula, entrelaçando assuntos, pulando de uma coisa pra outra, como só uma criança animada conseguia fazer. E Carina ouvia tudo com atenção, com aquele olhar paciente e carinhoso que guardava só pra ela.

Como fazia todos os dias, deu banho na filha, separou o pijama, sentou com ela na mesa da sala para revisar o dever de casa. Alex ficou no sofá, falando ao telefone, depois colocando o jornal local na televisão.

Depois de ajudar Andrea com o dever de casa, Carina foi para a cozinha preparar o jantar. Cortava cebolas em rodelas finas, enquanto um molho borbulhava devagar na panela. O cheiro de alho e azeite tomava conta do ar. Andrea e Alex estavam na sala, rindo de alguma coisa no desenho, e Carina, mesmo com os olhos nos ingredientes, estava com os pensamentos em outro lugar.

A qualquer momento, Gabriela chegaria.

E com ela, toda a encenação que elas tinham combinado. Era só uma simples conversa, mas Carina sabia que dependia muito da forma como elas conduziriam tudo.

Precisavam ser convincentes. Precisavam parecer naturais. E, mais do que tudo, precisavam fazer sentido.

Ela suspirou, se forçando a respirar fundo e focar na atividade que estava fazendo. Assim que abriu a geladeira para pegar algo, a campainha tocou.

Ela congelou por um segundo.

Era como se o destino estivesse lendo os pensamentos dela.

Antes que pudesse reagir, ouviu o grito da filha vindo animado da sala.

— Eu abro!

Carina soltou o ar com força, nervosa. Passou a mão no rosto, sentindo o calor no pescoço. Escutou os passinhos apressados de Andrea em direção à porta e, logo depois, a voz empolgada, clara como um raio de sol:

— Tia Gabri!

O coração de Carina deu um leve salto.

Era agora.

Ela caminhou devagar em direção à porta, o coração batendo mais rápido do que gostaria de admitir. Enquanto se aproximava, viu Alex já se levantando do sofá com a expressão franzida, claramente confuso com a visita inesperada.

E então, quando seus olhos finalmente alcançaram a entrada da casa, ela a viu.

Ela estava ali, parada na entrada da casa, com Andrea no colo, as duas rindo enquanto a menina envolvia os bracinhos ao redor do pescoço dela num abraço apertado.

A cena teria sido doce se não viesse acompanhada de uma descarga repentina de tensão no peito de Carina.

Ela parou a poucos passos da porta, sentindo o chão balançar sob os pés.

— Gabriela... o que você tá fazendo aqui? — perguntou, como havia ensaiado, e odiou o modo como a voz falhou no final da frase.

Gabriela cruzou a soleira da porta como se fosse a coisa mais natural do mundo. Trazia Andrea apoiada firme no braço esquerdo, a mala no direito, um sorriso largo no rosto.

— Pensei em fazer uma surpresa — respondeu, como se aquilo fosse um gesto leve, despreocupado. Como se não fosse parte de algo cuidadosamente calculado.

Alex deu um passo à frente, ainda confuso.

— Como você tem o nosso endereço?

Houve um breve silêncio, até que Carina piscou, respirou fundo e forçou o tom mais calmo que conseguiu.

— Eu mandei pra ela umas semanas atrás. Ela disse que queria me enviar um presente de aniversário. — Fez uma pausa curta, olhando para Alex.

Mentira. Deslavada. Mas Carina esperava ter sido convincente o suficiente. Alex apenas assentiu com a cabeça, ainda desconfiado, mas sem dizer mais nada.

Gabriela sorriu para ele e, antes que o silêncio se prolongasse, olhou de volta para Carina.

— Vem aqui... tô morrendo de saudade de você.

Ela abaixou Andrea no chão com cuidado, e então, se aproximou, estendeu os braços e envolveu Carina num abraço apertado, familiar, cheio de significado.

Carina correspondeu de imediato, afundando o rosto no ombro dela. Seu corpo relaxou ali naquele toque tão familiar e, ao mesmo tempo, sentiu os olhos arderem. Lágrimas insistentes, silenciosas, começaram a se formar.

Era Gabriela. Sua melhor amiga. Estavam se vendo de novo.

E aquilo era tão... bom. Tão certo.

Ela apertou mais um pouco, querendo segurar o momento por mais tempo.

Quando, enfim, elas se afastaram, Gabriela abriu um sorriso. Mas Carina a conhecia bem demais.

Se não conhecesse... talvez acreditasse que aquele sorriso era verdadeiro. Mas havia algo nos olhos dela, no leve tremor do canto da boca, que entregava o esforço por trás da expressão.

Gabriela então se voltou para Alex, que continuava observando tudo com uma cautela silenciosa.

— Senti sua falta também — ela disse, enquanto o abraçava.

Ele devolveu o gesto, ainda meio rígido, mas sem recusar o contato. Quando se separaram, Gabriela olhou entre os dois antes de falar.

— Espero que não tenha problema eu ficar aqui.

— Claro que não tem problema nenhum— Carina disse, com um sorriso suave nos lábios, os olhos fixos nos de Gabriela.

Gabriela sorriu de volta, como se alguma tensão dentro dela tivesse se soltado um pouco.

— Por mim também não tem problema nenhum, — Alex completou, sorrindo com um ar quase amigável, mas com algo difícil de decifrar por trás da expressão.

Carina assentiu devagar e estendeu o braço para Gabriela.

— Vamos, eu te mostro o quarto de hóspedes.

Deu um passo à frente e já ia segurar o braço da amiga para subir com ela, quando a voz de Alex a interrompeu, cortando o ar com precisão.

— Na verdade... peça pra Andrea levar você. A Carina vai logo depois.

As duas mulheres pararam e olharam para ele ao mesmo tempo. O olhar de Carina carregava uma sombra de medo; o de Gabriela, um leve franzir de cenho, como se tentasse entender se aquilo era uma ordem ou apenas um comentário.

Mas Carina não questionou. Apenas assentiu com a cabeça e se virou para Gabriela com um sorriso contido.

— Vai com a Andrea — disse, com gentileza no tom. — Ela sabe o caminho.

Gabriela olhou para a pequena ao seu lado com um sorriso verdadeiro dessa vez.

— Vamos lá, garotinha, me mostre o meu quarto.

Andrea riu e pegou a mão da tia, conduzindo-a escada acima com passos rápidos.

Carina esperou até que as duas sumissem do campo de visão, e então se virou para Alex.

Ele estava parado no mesmo lugar, mas o semblante tinha mudado completamente. O sorriso falso se dissolvera, substituído por um olhar mais sério.

— Você sabia que ela viria? — ele perguntou, sem rodeios.

Carina franziu a testa, arregalando os olhos levemente, fingindo surpresa.

— Claro que não. Eu falei que não sabia. — A resposta veio firme, ainda que carregada de um toque de incredulidade. — Por que eu mentiria sobre isso?

Alex não respondeu de imediato. Apenas a encarou por alguns segundos. Ele deixou o silêncio pairar por mais tempo do que o necessário.

— Você contou pra ela alguma coisa do que tem acontecido nesta casa? — perguntou, sem olhar diretamente para Carina.

— Não. — Ela respirou fundo, cruzando os braços. — Não contei para ninguém.

— Bom. — Alex assentiu, agora a olhando diretamente nos olhos — Continue com a boca fechada.

Carina sentiu um calafrio subir pelas costas. Deu um passo pra trás inconscientemente, com o olhar preso no dele. Mas não disse nada sobre isso. Apenas respirou fundo e ergueu o queixo.

— Posso ir ficar com a minha melhor amiga agora?

Alex continuou a encarando, e pela primeira vez, havia algo sombrio e ao mesmo tempo resignado em seus olhos.

— Volte logo pra terminar o jantar.

Carina ficou parada por um segundo, como se estivesse decidindo se valia a pena responder algo.

Mas não respondeu. Simplesmente se virou e subiu as escadas, degrau por degrau, querendo se afastar daquele homem o mais rápido possível,

Quando Carina entrou no quarto de hóspedes, encontrou uma cena que fez seu peito aquecer imediatamente.

Gabriela estava deitada na cama, e Andrea aninhada em cima dela, com os bracinhos ao redor do pescoço da tia num abraço apertado, como se tentasse compensar o tempo que passaram longe. As duas sorriam uma para a outra, conversando baixinho, tão envoltas naquele carinho silencioso que nem perceberam Carina de imediato.

Ela encostou no batente da porta, com um sorriso leve nos lábios.

— Tem espaço pra mim aí também?

As duas viraram o rosto ao mesmo tempo e, ao verem Carina, seus sorrisos cresceram ainda mais. Gabriela estendeu o braço livre, e Carina caminhou até elas, sentando-se devagar na beirada da cama. Em segundos, estavam as três abraçadas, como se o tempo e a distância tivessem se dissolvido no instante em que se tocaram.

Carina soltou um suspiro, fechando os olhos por um momento enquanto sentia o calor do abraço da filha e da amiga ao mesmo tempo.

— Estou tão feliz que você tá aqui — disse, com a voz embargada pela emoção.

— Me desculpa por ter demorado tanto. — Gabriela apertou-a mais um pouco.

Carina balançou a cabeça imediatamente, negando com firmeza.

— O que importa é que você veio.

Andrea, com o rosto encostado no ombro de Gabriela, ergueu um pouquinho a cabeça.

— Tia Gabri... até quando você vai ficar?

Gabriela olhou para a menina com ternura, fazendo um carinho nos cabelos dela.

— Vou depois do aniversário da sua mãe. Vamos todos comemorar juntos, que tal?

— Eba! — Andrea comemorou, rindo baixinho, e voltou a deitar — Você vai fazer o bolo?

As duas mulheres sorriram, mas logo o olhar de Gabriela encontrou o de Carina por cima da cabeça da menina. A expressão ficou um pouco mais séria, mais concentrada. Ela apertou levemente a mão de Carina e murmurou baixo, para Andrea não ouvir.

— Temos muito o que conversar.

Carina assentiu, a garganta apertando um pouco.

— Depois que a Andrea dormir.

Gabriela apenas concordou com a cabeça, com um olhar compreensivo.

E então, por um instante, tudo pareceu suspenso no tempo. O silêncio do quarto, o calor do abraço, o cheiro doce de shampoo infantil nos cabelos de Andrea, a respiração tranquila de Gabriela ao lado. Um pequeno refúgio, onde tudo ainda podia ser leve.

Carina sabia que os próximos dias não seriam fáceis. Sabia que conversas difíceis estavam por vir, que explicações precisavam ser dadas, decisões tomadas. Mas, ali naquele quarto, com a filha e a melhor amiga ao lado, ela se sentia pronta para enfrentar o que viesse 

Gabriela estava ali agora, e isso fazia toda a diferença.

Era mais um suporte. Mais uma presença que a ancorava no que era verdadeiro, no que era amor de verdade.

E, pela primeira vez em muito tempo, Carina se permitia sentir algo novo: esperança.

Ela estava confiante de que tudo ia dar certo.

O jantar transcorreu com tranquilidade, quase surpreendentemente. Os quatro se sentaram à mesa como uma família que funcionava, ou ao menos tentava aparentar isso. A comida estava boa, a conversa fluía, e por alguns instantes, Carina se permitiu esquecer o peso que carregava nos ombros.

Alex puxou assunto com Gabriela, perguntando como estava a Itália, e a amiga respondeu com entusiasmo. Era uma empolgação que Carina reconhecia como forçada e ainda assim, se pegou admirada com a habilidade da amiga de mascarar sentimentos com tanta precisão.

Gabriela sorria, gesticulava, e parecia completamente à vontade, mesmo que Carina soubesse, só de olhar, que nada daquilo era verdade.

Andrea, como sempre, roubou a cena. Contou animadamente para a tia que ela precisava conhecer sua escola, que era a melhor escola do mundo. Disse que o hospital onde a mãe trabalhava era gigante, e que um dia ainda ia ser médica igual. Os olhos da pequena brilhavam a cada palavra, enquanto Gabriela ouvia com atenção genuína, incentivando cada frase como se fosse a primeira vez que ouvia qualquer coisa daquela natureza.

Depois do jantar, Alex se ofereceu para lavar a louça. Disse que era o mínimo depois de um banquete daqueles e Carina achou prudente não contrariar.

Ela e Gabriela subiram com Andrea para a rotina da noite. Ajudaram a escovar os dentes e organizar os brinquedos do lado da cama. Só que Andrea estava elétrica, empolgada demais para considerar dormir. O fato de ter a tia ali transformava aquela noite comum num evento extraordinário.

No quarto suavemente iluminado, Gabriela sentou-se no canto da cama enquanto Andrea se deitava, ainda agitada. Carina ficou de pé, recostada na parede próxima à porta, observando em silêncio a cena à sua frente, com um misto de ternura e gratidão.

— Você precisa dormir, minha pequena, — Gabriela disse, com a voz baixa e doce. — Descansar bastante, porque amanhã a gente vai aproveitar muito, tá bem?

Andrea ficou em silêncio por alguns segundos, os olhinhos fixos nos da tia.

— Você pode me levar pra escola?

— Claro que posso. — Gabriela sorriu.

A menina devolveu o sorriso, já com os olhos começando a pesar. Gabriela se inclinou e beijou-lhe a bochecha com carinho.

— Boa noite, meu amor.

Carina se aproximou devagar e também se abaixou para beijar a filha na testa.

— Boa noite, piccolina.

— Boa noite, mamãe. Boa noite, tia Gabri, — Andrea murmurou, já vencida pelo cansaço.

As duas mulheres se entreolharam com um pequeno sorriso nos lábios e, em silêncio, saíram do quarto, Carina fechando a porta devagar atrás de si.

Assim que Carina e Gabriela chegaram ao corredor, ouviram os passos de Alex subindo as escadas.

— Espero que você não se importe de eu roubar a sua esposa por essa noite, — Gabriela disse com um tom leve, tentando suavizar o ambiente. Seu sorriso era quase brincalhão, mas os olhos continham um traço de tensão que não passava despercebido.

Alex hesitou por um segundo, como se ponderasse qual seria a resposta mais segura. Então forçou um pequeno sorriso.

— Tudo bem... — respondeu, com uma voz que tentava parecer natural. — Eu já imaginava que vocês iriam dormir juntas.

Ele então se aproximou alguns passos, deu um aceno de boa noite e seguiu pelo corredor até o quarto principal, fechando a porta atrás de si.

Carina e Gabriela caminharam em silêncio até o quarto de hóspedes. Assim que entraram, Gabriela girou a maçaneta com cuidado e fechou a porta devagar, isolando-as do resto da casa.

O silêncio que tomou conta do cômodo foi imediato.

As duas suspiraram ao mesmo tempo, como se finalmente pudessem respirar. E foi nesse instante que Carina desabou.

Ela levou as mãos ao rosto, o corpo começando a tremer em ondas contidas, e os soluços surgiram antes mesmo que ela pudesse impedi-los.

Gabriela não hesitou nem por um segundo: envolveu Carina num abraço apertado, colando os corpos com força.

— Tá tudo bem, — murmurou, acariciando os cabelos da amiga com gestos lentos, quase maternais. — Eu tô aqui. Eu tô com você agora.

Carina chorava sem conseguir conter. O nó na garganta que ela segurava há semanas se dissolvia em lágrimas pesadas, como se cada gota tirasse um pouco do peso do peito.

— Eu tava morrendo de saudade de você, — disse com a voz falha, afundando ainda mais o rosto no ombro de Gabriela. — Eu não sei como consegui ficar tanto tempo longe assim.

— Ei... — Gabriela afastou-se apenas o suficiente para olhar nos olhos dela, passando as mãos pelos braços de Carina, firme e presente. — Eu tô aqui agora. E eu vou te ajudar no que for preciso.

Carina assentiu, enxugando o rosto com a manga da blusa. Ela forçou um meio sorriso, cansado, mas genuíno.

— Pelo menos ele não protestou em deixar você ficar.

Gabriela arqueou uma sobrancelha, cética.

— Ele sabe fingir bem o suficiente pra isso. — disse, com um tom calmo, mas firme — Mas eu não vim pra agradar ele. Eu vim por você.

Então, com delicadeza, Gabriela segurou a mão de Carina e a conduziu até a cama. As duas se sentaram de frente uma pra outra, com as pernas cruzadas e os joelhos quase se tocando.

— Aqui está o que nós vamos fazer, — Gabriela disse com firmeza, atraindo a atenção de Carina. — Amanhã de manhã nós vamos deixar a Andrea na escola juntas, e depois você vai me levar pra conhecer essa tal de Maya.

Carina riu baixo, assentindo com a cabeça. Mas no instante seguinte, lembrou que tinha prometido mandar uma mensagem para Maya assim que tudo acontecesse. Imaginou a mulher em casa, talvez ansiosa, esperando por notícias.

— Eu não sei se ela vai ter folga amanhã… — comentou, enquanto levava a mão ao bolso da calça e pegava o celular. — Mas talvez a gente possa tomar um café da manhã juntas.

— Pra mim tá ótimo — respondeu Gabriela, recostando um pouco mais na cabeceira da cama.

Carina desbloqueou o celular, os dedos deslizando pela tela com familiaridade, o sorriso involuntário que apareceu no canto da boca enquanto digitava.

Carina DeLuca: Tudo ocorreu como o planejado. Você vai estar livre amanhã de manhã?

Assim que enviou a mensagem, levantou os olhos e pegou Gabriela observando-a com um sorriso cheio de segundas intenções.

— O que foi? — Carina perguntou, sem conter a risada.

— Nada — Gabriela respondeu sorrindo, dando de ombros com a cara mais inocente que conseguiu fingir. — É que eu tô realmente ansiosa pra conhecer ela.

— Vocês duas vão se dar muito bem, — disse Carina, com convicção. — A Maya é maravilhosa.

— Eu sei que você já me contou tudo, — começou Gabriela, a voz leve — mas me conta mais. Quero todos os detalhes.

Carina soltou uma risada gostosa, já se ajeitando melhor na cama.

E então a noite foi passando. Elas conversaram sobre Maya, sobre como Carina se sentia, sobre o jeito da mulher, as conversas, os sorrisos.

Falar dela deixava Carina com o olhar brilhando e o coração acelerado.

Mas também houve espaço para as sombras.

Falaram de Alex, e Carina chorou de novo. Gabriela segurou sua mão e ouviu tudo com atenção. Sem interromper, sem julgar, apenas estando ali, do jeito que só ela sabia estar.

Falaram da Andrea, e os olhos de Gabriela se iluminavam a cada história da pequena. Carina percebia esse brilho com uma pontada de alívio e ternura no peito.

E entre lágrimas e risos, entre memórias antigas e esperanças novas, Carina dormiu naquela noite com o coração um pouco mais leve.

Porque agora, ela tinha novamente ao seu lado uma parte dela que sempre foi casa.

Na manhã seguinte, Carina acordou sentindo um peso em cima do corpo. Ainda com os olhos semicerrados, levou alguns segundos para entender o que era, até sentir os bracinhos pequenos e quentes em volta da cintura.

Andrea.

A pequena tinha, em algum momento da madrugada, migrado da sua própria cama para a delas e agora se mexia intensamente entre as duas mulheres.

Carina sorriu, passando os dedos com carinho pelos cabelos escuros da filha.

— Andrea... — ela falou, a voz sonolenta — cuidado pra não acordar sua tia.

— Tarde demais — veio a resposta sussurrada e bem-humorada de Gabriela. — Já estou 100% acordada.

Ela abriu os braços, e Andrea, como se estivesse esperando por isso, rapidamente se aconchegou contra o peito da tia.

Carina observava a cena com o coração cheio. Aquele tipo de coisa que não tem preço. Que se guarda pra sempre.

— Dormiu bem? — perguntou baixinho, olhando para a amiga por cima da cabeça da filha.

— Por pelo menos duas horas — Gabriela respondeu com uma careta leve. — Maldito fuso horário.

— Zia… — Andrea levantou o rostinho curioso —  você vai me levar pra escola também, né?

— Claro que vou — Gabriela respondeu prontamente, dando um beijo na testa da menina. — Prometi, não prometi?

Andrea assentiu, sorrindo.

Carina então começou a se mexer, se preparando para levantar e iniciar a rotina da manhã, mas antes que conseguisse se afastar da cama, Gabriela a chamou.

— Pode ir se arrumar, eu cuido da Andrea.

— Tem certeza? — Carina perguntou, hesitante.

— Absoluta. — a mulher disse, já levantando com Andrea no colo — Quero passar um tempo com a minha sobrinha.

— Tudo bem, então. — Carina sorriu, grata. — Vou tomar um banho.

Ela observou a melhor amiga caminhar em direção à porta com a garotinha no colo, e antes delas saírem, Carina conseguiu ouvir a vozinha animada da filha.

— Eu vou te dizer o que eu gosto no café da manhã.

— Como se eu nunca tivesse cuidado de você antes. — Gabriela riu.

Carina observou a interação das duas com um sorriso no rosto. Era uma cena simples, mas fazia tudo parecer mais suportável.

Antes de seguir para o banho, no entanto, ela se lembrou da mensagem que havia enviado para Maya na noite anterior. Caminhou até a lateral da cama e pegou o celular que havia deixado carregando na cabeceira.

Ao desbloquear a tela, viu que havia uma resposta.

Maya Bishop: Fico feliz que esteja tudo bem. Eu trabalho amanhã, mas a gente pode se encontrar antes, se você quiser.

Um sorriso escapou, suave, quase involuntário. Ela hesitou por alguns segundos, então clicou no botão de chamada. Levou o telefone ao ouvido e esperou.

— Oi... — disse baixinho assim que Maya atendeu, a voz sussurrada, como se temesse que alguém do outro lado pudesse da porta pudesse escutar.

Está tudo bem? — a voz de Maya veio imediatamente, preocupada.

— Sim, está tudo bem, — Carina respondeu com um sorriso — Gabriela quer te conhecer hoje — ela disse, direto ao ponto.

Do outro lado da linha, houve um breve silêncio.

Hoje? — Maya repetiu, a surpresa misturada com um toque de nervosismo.

— Sim... hoje. — Carina soltou um risinho, tentando aliviar o momento. —  Tem algum lugar perto da estação onde a gente possa se encontrar para tomar café antes do seu turno começar?

Claro… — Maya respondeu após uma breve pausa. — Tem uma cafeteria a duas ruas do prédio.

— Perfeito. — Carina disse, com um sorriso — A gente se vê lá às oito?

Do outro lado da linha, o silêncio se estendeu por alguns segundos.

— Maya?

Desculpa. — A voz dela saiu mais baixa. — É que… eu tô nervosa.

— Você não precisa ficar nervosa. — Carina sorriu, mesmo que Maya não pudesse ver.

É claro que eu tô nervosa, Carina… — Maya suspirou. — Eu não estava esperando isso hoje.

Carina soltou uma risadinha, mas respondeu com um tom suave.

— A gente pode deixar pra outro dia, se você quiser.

Não. — Maya foi rápida. — Eu quero conhecer a Gabriela. E… também quero ver você.

Carina fechou os olhos por um instante, ainda sorrindo.

— Eu também quero ver você.

O silêncio voltou, dessa vez mais leve, como se as duas soubessem que não precisavam dizer muita coisa.

Bom… — Maya quebrou a pausa com uma risada baixa. — Eu tenho que desligar. Preciso tomar um banho.

— Ok. — Carina assentiu, frustrada que elas precisavam desligar — Às oito então?

Oito tá ótimo. — Maya confirmou.

— Até já, então.

Até já.

Com o coração agora acelerado por outro motivo, Carina colocou o celular de volta na cabeceira, ainda com um sorriso no rosto. Estava animada, mais do que queria admitir, com a ideia de Maya e Gabriela se conhecerem.

No fundo, tinha certeza de que as duas se dariam bem. E não via a hora de ver isso acontecer. Eram duas pessoas muito importantes na vida dela. E, de algum jeito, fazer com que esses mundos se encontrassem parecia o primeiro passo certo.

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