Ao contrário dos outros, eu e Niiyama decidimos ficar nas casas da orla e não seguir em direção ao centro da cidade. Era o caminho mais longo, mas provavelmente o mais seguro também. Enquanto corríamos pelos quarteirões, ouvíamos tiros à distância.
– Você está carregando alguma arma nessa mochila? – Perguntei a Niiyama. Ela balançou a cabeça negando. – Que droga, então quer dizer que eles facilitaram as coisas para alguns e dificultaram para o restante.
O caminho era tão destruído que era difícil manter o equilíbrio algumas vezes. Combinado com o cansaço de estar desacostumado a fazer qualquer coisa mínima, se tornava quase impossível continuar em frente sem ofegar e tomar água. Quando eu estava prestes a pegar a segunda garrafa, Niiyama pegou em meu pulso, me olhando relutante.
– O que? Eu preciso de água. – Tentei alcançar a garrafa de novo e ela segurou meu pulso um pouco mais forte, sinalizando com a mão para baixo – Seria muito mais fácil se você apenas falasse, sabia?
Ela engoliu em seco e me soltou quando me puxei de sua mão. No instante em que eu procurava a garrafa segurando a mochila em meu peito, a garota me empurrou, me derrubando no chão com um baque.
– Que droga você está fazendo? – Reclamei, sentindo os ossos da minha bunda latejarem. Niiyama agarrou a mochila, fechou o zíper e seguiu andando – Aí, espera!
Me levantei e começamos um pequeno cabo de guerra. Aquilo era ridículo, num lugar desértico como aquele era preciso se manter hidratado, ainda mais nas nossas condições. Racionar comida era essencial, mas não duraríamos tanto sem água. Ela continuou puxando a mochila até que eu soltei, deixando Niiyama cair de bunda no chão soltando um grunhido de dor.
– É, pois é. Ainda está doendo em mim também. – Suspirei, cansado – Tá bom, faça como quiser. Leve o peso das duas mochilas então, só não reclame se morrer desidratada.
E saí andando. Era irritante todo aquele silêncio, parecia que eu estava falando com as paredes pichadas ou mesmo as carcaças apodrecendo nas esquinas. A questão era que eu não sabia se Niiyama era muda de nascença ou apenas não queria falar. Parecia me ouvir e me entender claramente, mas simplesmente não dava nem um pio. Depois de alguns segundos ouvi seus passos me acompanhando mais atrás e, tal qual como um coice de mula, senti o peso da mochila me acertando. Me virei para trás com ódio, percebendo que a garota estampava uma expressão de "Ops, escorregou".
Agarrei a mochila e me aproximei dela.
– Olha só, mudinha... – Comecei, contendo minha raiva – Eu não esperava fazer dupla com você, sequer esperava estar nesse inferno.
Niiyama me encarou, não parecendo temer qualquer coisa que eu pudesse fazer naquele momento. Eu podia entender isso, nem eu mesmo teria essa percepção de tão acabado que estou.
– Mas eu e você estamos, infelizmente, na mesma página agora. Então faz o favor de não encostar no que é meu que eu não pego suas coisas se acabar me ferrando depois, entendeu? – Ela continuou me encarando, sem desviar o olhar – Vamos ver se assim você para de tentar me matar de sede.
E voltei para o meu caminho, sem olhar para trás.
Haviam dois motivos para eu não ter continuado com aquela briga tosca: primeiro, era uma garota. Segundo, a Caçada tinha começado quando o sol estava descendo no horizonte e já era fim da tarde, então quanto menos tempo passássemos nas ruas, maior era a chance de evitarmos encontrar as coisas que deixaram aquelas carcaças pela estrada.
Olhei para o mapa da cidade. Os Claversphore pelo menos indicaram onde era o ponto de partida, onde a Caçada começou, e era o melhor ponto de referência que eu tinha. Não havíamos andado nem metade do caminho até Flatbush, onde Noah disse que nos encontraríamos. Mas já era tarde e nem eu nem Niiyama tínhamos lanternas.
– Vamos procurar um lugar e parar para dormir. – Senti um arrepio subir pelos braços. A temperatura estava caindo – Não vamos poder continuar com esse clima.
Niiyama olhou ao redor, parecendo sentir a mesma coisa. Por fim, balançou a cabeça e seguimos em frente.
Encontramos um casarão abandonado que parecia uma pequena mansão. Algumas janelas no térreo estavam faltando mas, exceto por um buraco na parede, o segundo andar parecia protegido. Entramos e começamos a vasculhar pelo que podíamos. Armas, comida, medicamentos, tudo o que fosse ajudar nos próximos dias. Ou meses.
Quando terminamos com o andar inferior, subimos aos quartos. Definitivamente estava mais aquecido ali. O lugar inteiro fedia a mofo e estava poeirento. Cada porta que abríamos fazia uma pequena quantidade de baratas monstruosas saírem andando. Em pelo menos duas delas Niiyama deu um pequeno sobressalto ao ver os insetos, e eu consegui conter uma pequena onda de satisfação.
– Pelo menos, parece que a natureza das baratas continuou inofensiva. Mas são enormes, realmente.
A garota me olhou de cara feia e seguiu adiante. Entramos no último quarto, no final do corredor. Aquela parecia ser a suíte principal, tinha um closet com algumas peças de roupa perfuradas por traças, assim como o tapete. Um portal dava para um banheiro com direito a chuveiro e banheira, mas nada de água. Não havia quase nada de útil ali também. A cama no centro do quarto estava desarrumada, como se, quem quer que morasse ali, tivesse saído às pressas no dia em que acordou.
Como será que a vida daquela pessoa tinha terminado? Será que estava viva?
Numa cadeira perto da janela, havia um coelho cor de rosa de pano. Um dos olhos estava um pouco descosturado e ele tinha algumas manchas de poeira. Peguei o brinquedo e limpei, dando batidas no corpo fofo. Uma sensação de familiaridade tomou conta de meu peito, como se eu já tivesse visto ele aquilo antes. Senti cheiro de cedro e lavanda e então, um calafrio percorreu minha espinha e eu larguei o boneco de volta na cadeira com um sobressalto.
Niiyama, que vasculhava uma cômoda, se virou para onde eu estava, encarando-me e ao brinquedo. Eu respirava pesado e suava frio. Engoli em seco e devolvi seu olhar.
– Achei que tinha visto uma barata. – Menti. Ela pareceu ignorar o fato. – Vamos fazer turnos de vigia. Eu fico com o primeiro.
A garota negou, o cabelo comprido balançando com o movimento de cabeça. Apontou para si mesma e depois para mim e para a cama.
– Tem certeza? – Não se deu o trabalho de assentir, já pegando a cadeira e sentando virada para a janela.
Enquanto eu afofava o travesseiro puído, Niiyama pegou o coelho cor-de-rosa e o olhou, me encarando por um instante em seguida. Permaneci em silêncio. A última coisa que eu gostaria naquele momento era ter um monólogo reflexivo, já que minha única companhia não falava absolutamente nada. Mas, para a minha surpresa, ela pegou o coelho e me entregou.
– Não, eu... – Comecei, mas ela reforçou o gesto, me entregando-o novamente. Eu suspirei, exausto – Obrigado.
Ela assentiu. Quando o peguei novamente, ela deu um singelo aperto em minha mão. Quando encarei-a, ela tinha uma expressão compreensiva nos olhos, algo que dizia "Você não é o único".
Quando consegui dormir, Niiyama já estava fazendo a vigília há muito.
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CITIZENS - Cidad?os do Caos
Science FictionPL?GIO ? CRIME! / COPYRIGHT TODOS OS DIREITOS RESERVADOS [Mundo em Colapso - Livro 1] Memórias apagadas. O caos instaurado. A ca?ada come?ou. Em uma Nova York devastada por guerras, quimeras geneticamente modificadas e experimentos secretos se torna...
