CITIZENS - Cidad?os do Caos

Timotéo ainda mancava. Eu e Hadiya já estávamos desidratados, consequência do racionamento de suprimentos nos últimos dias naquela cidade mórbida. Os únicos resquícios de vida do lugar eram animais em putrefação, cujo cheiro empestava o ar do ambiente, misturado aos sons escassos da multidão nas arquibancadas.  Claro, eles deveriam estar esperando por algum tipo de ação, ataque, ou talvez apenas estivessem se aproveitando daquele "intervalo" para dormir, seja lá como hologramas fariam isso.

— Noah, onde estamos? — Perguntou Asena, com um retalho da camiseta que eu havia rasgado mais cedo cobrindo a cabeça, a protegendo do sol.

— Entramos em Flatbush há mais ou menos meia hora, segundo o mapa. — Respondi, guardando o papel amassado na mochila.

— E para onde vamos agora? — Foi a vez de Romulus dar o ar de sua voz.

— Não faço a mínima ideia. — Afirmei, com sinceridade e exaustão na voz.

Por mais que aquele mapa me desse uma boa noção de onde estávamos, tudo naquela cidade me dava um calafrio pelo sentimento de familiaridade. Aquela sensação só tornava tudo ainda mais perturbador por eu não ter minhas lembranças de como era minha vida antes de estar ali.

Queria acreditar que estava conseguindo esconder bem meus sentimentos, mas sabia que Hadiya me observava durante minha ansiedade constante. Eu olhava para todos os lados, querendo assimilar qualquer mínimo detalhe - uma pilha de destroços ou uma loja de roupas aos pedaços. Para a garota, talvez, tudo aquilo não passava de um ambiente controlado para ser uma selva de concreto no qual tínhamos de sobreviver, o que  ainda não fazia o mínimo sentido.

Até agora, não havíamos encontrado mais nenhuma quimera, a não ser aquelas mortas ao longo do caminho, uma mais grotesca que a outra. Não, aquilo não estava nem um pouco parecido com um jogo de sobrevivência. Tudo o que precisávamos para nutrir o corpo, alguns mercadinhos, padarias e cafés ofereciam. A única coisa que precisávamos fazer era não se machucar demais, ou com certeza teríamos um problema.

O olho de Theodine agora tinha uma auréola arroxeada além do corte limpo que a garra do corvato fizera. Estava vermelho, com os capilares irritados por ter ficado com o pano embebido em álcool por muito tempo. Lacrimejava bastante, mas ela já havia se acostumado, e a dor agora era um latejar distante que a dava dores de cabeça, segundo seus comentários para Timotéo. É uma sensação irritante e me dá vontade de arrancar o olho fora, mas está melhor.

Eu sabia que ela também não queria ignorar a ajuda e o apoio emocional que Timotéo deu à ela mais cedo. O garoto fora paciente com ela e, até agora, era o único que ela se permitiu agir com certo nível de companheirismo. Ela tinha uma forma um tanto quanto bruta de se expressar, e Timotéo fora o único que não agiu com tanta grosseria quando ela havia considerado enfiar a ripa de madeira na coluna de alguém até deixar a pessoa aleijada. 

E claro, Theodine mesmo havia se impressionado com sua própria tendência à violência. Com certeza ela reservava seus pensamentos mais brutais para si mesma, e eu esperava que descontasse sua raiva em alguma quimera que tentasse nos atacar no futuro. No momento, ela apoiava Timotéo no ombro enquanto ele tentava não forçar demais a perna machucada que, a julgar pelos seus grunhidos, latejava como o inferno.

— Acho que devíamos parar. Está quase anoitecendo de novo. — A garota sugeriu, ouvindo o amigo resmungar pela milionésima vez. O sol realmente já estava mais baixo no horizonte.

Peguei o mapa da mochila novamente e tracei um caminho com os dedos.

— Parece ter uma cafeteria virando à próxima direita. — Apontei o lugar.

— É muito longe da esquina? — Indagou Timotéo, ofegante.

— Não muito. Talvez 1km e meio. Depois viramos na quarta esquerda e daremos de cara com ela. Vamos esperar os outros darem algum sinal de vida e se não aparecerem, vamos traçar um caminho onde alguma pedra pode estar. — Concluí. Seria um pouco sofrido para ele, mas era melhor do que ficar em um lugar inseguro.