Horas se passaram. Eu não tinha certeza de quanto tempo fiquei esperando Carolyn aparecer com notícias. E, definitivamente, não queria entrar naquele lugar e ver Dysmas remontado.
Passei tanto as mãos pelos cabelos que eles ficaram ainda mais oleosos e sujos do que nunca. Me sentia eufórica, amedrontada, com uma sensação de familiaridade que fazia meus ossos tremerem. Alguma coisa havia acontecido do lado de fora da arena, alguma coisa que me fez gostar de sentir aquele pânico subindo à cabeça apenas por ser capaz de controlá-lo, de me manter estável em frente a outras pessoas.
A grande questão era que eu poderia fugir de tudo, tentar controlar todos os meus sentimentos. Mas não consigo fugir do meu passado desconhecido.
Memórias de multidões aparecendo mortas ao meu lado. Crianças afugentadas de meus braços e socos desferidos contra meu rosto. Talvez não fossem memórias reais, apenas alucinações da fome e da exaustão batendo à porta. Há quanto tempo eu não dormia? Há quanto tempo estávamos ali? Quanto tempo ficamos desacordados nos quartos antes de entrarmos no Coliseu?
O ar começou a me faltar, meus dedos a tremer e minha cabeça a girar. Estava morrendo, eu ia morrer. No momento em que senti minha garganta se fechar, Carolyn abriu a porta. Seu semblante se tornou preocupado ao me ver, e ela se apressou em pegar meu rosto nas mãos e me encarar nos olhos.
- Olhe para mim. – Disse, com a voz calma.
A encarei, ofegante. Nunca havia tido uma crise de ansiedade, nenhuma memória que me surgiu até ali me remetia a isso. Talvez eu não tivesse o controle como sempre achei ter.
- Respire junto comigo. – Carolyn inspirou devagar e eu a acompanhei, agarrando seus pulsos com força. – Maryam, respire comigo. Agora.
E mais uma vez, respiramos juntas e vagarosamente. O aperto de meus dedos cessou, minha visão voltou a se focar. Não conseguia mais ouvir a pulsação do próprio coração rugindo em meus ouvidos. Carolyn se afastou, ajoelhada à minha frente.
- O que foi isso? – Questionei, mesmo sabendo o que era.
- Uma crise de ansiedade. Acontece com todo mundo pelo menos uma vez na vida. – Ela sorriu.
- Não gostei disso. É... agonizante.
Carolyn deu um risinho.
- Ninguém gosta da sensação de pânico, Maryam. As pessoas gostam do alívio que sucede ela. É uma droga potente, na minha opinião.
Ainda estava confusa, e devo ter deixado meu rosto transparecer, pois Carolyn completou.
- Quando se gosta de uma sensação entorpecente, você quer tornar ela um vício. As pessoas costumam se lembrar do que causou a crise o tempo inteiro, pensando que isso vai ajudá-las a superar toda e qualquer crise subsequente. Ao invés de aceitar que foi algo momentâneo, elas preferem remoer os sentimentos até a última gota para conseguir o alívio que procede o medo.
Consegui resgatar uma vaga lembrança de bêbados e viciados pelas calçadas de algum lugar. Alguns com seringas e outros com pós ou pílulas. Todos eles se entorpecendo de sensações mortíferas. Vagueei nesses pensamentos por um tempo, até lembrar-me do motivo real de minha crise.
- Certo. Isso aconteceu porque eu estava preocupada. – Conclui, erguendo o olhar para a doutora. – E ainda estou. Como ele está?
A mulher se levantou e pegou o prontuário de Dysmas.
- Estável. – Falou, folheando as páginas. – Mas com muitas alterações internas.
- Que tipo de alterações?
A Dra. Carolyn suspirou.
- Há um processo que fazemos quando trocamos a maior parte do sangue humano pelo fluído que mantém os Orídions funcionando. – Ela fez uma pausa e tirou os óculos. – Criei um novo canal venoso que liga os órgãos vitais atingidos ao cérebro. Se eu não fizesse isso, ele não duraria nem mesmo vinte e quatro horas.
- Certo. – Maryam engoliu em seco. – E qual o problema com isso?
- O problema, é que esse novo canal é feito com tecido ocular. Ele não pode ser grosso demais e nem fino demais para que o fluído IMOF não derreta as paredes ou congele pela temperatura não estar ideal, e o único tecido com essas propriedades que é compatível com o corpo humano do indivíduo são os próprios olhos. – Me contorci, agoniada. – Tive que trocar o olho direito dele. A córnea está praticamente intacta e ele não sentiu nada com a sedação, mas terá de se acostumar com o novo tecido.
- Só o olho direito? – Questionei e ela assentiu.
- Sabendo fazer corretamente, o canal é um pouco mais grosso que um fio de cabelo e é acoplado à veia aorta, tanto externa quanto internamente. – Notando minha confusão novamente, Carolyn explicou. – Eu trancei a artéria e o canal IMOF.
Meus ombros caíram e eu engoli em seco. Aquilo era muito mais complexo do que eu estava acostumada.
- O que é IMOF?
- Ah, perdoe-me. É chamado Fluído Integrado de Otimização Metabólica. No idioma inglês chamamos de IMOF. - Carolyn sorriu, serena. - Vou mandar ele para um quarto confortável. Deve acordar logo. – Ela passou a andar pelo corredor, mas parou e voltou até mim – Esqueci uma coisa.
Ela tirou um saquinho ziplock do bolso do jaleco com um chip dentro dele.
- Encontrei isso no pescoço dele. Como não sabia o que podia ser e se interferiria nas mudanças, eu tirei. Talvez seja útil para você.
Peguei o pacote enquanto a doutora se afastava. O que raios aquilo estava fazendo dentro do corpo de Dysmas?
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CITIZENS - Cidad?os do Caos
Science FictionPL?GIO ? CRIME! / COPYRIGHT TODOS OS DIREITOS RESERVADOS [Mundo em Colapso - Livro 1] Memórias apagadas. O caos instaurado. A ca?ada come?ou. Em uma Nova York devastada por guerras, quimeras geneticamente modificadas e experimentos secretos se torna...
