Maika
Quando Caim finalmente se deitou, eu fiquei aliviada. Tinha bebido demais e ainda por cima me obrigou a acompanhá-lo também. Só não bebi tanto quanto ele porque Caim capotou antes que isso acontecesse. Ainda bem.
Espero que só acorde amanhã.
Coloquei a mão na cabeça e me sentei na cadeira do quarto. Respirei fundo e encarei o corpo do meu irmão sobre a cama. Suas costas subindo e descendo calmamente.
- Paz, finalmente... - Sussurrei escorregando meu corpo no assento até conseguir apoiar minha cabeça no encosto. Encarei a janela. De tão preocupada que eu estava, nem tinha percebido anoitecer. O céu já estava escuro e eu logo me lembrei de ontem a noite. Aquele lobo não viria aqui novamente, não é? Ele não seria tão idiota de fazer isso.
Voltei meu olhar para Caim.
"Farei isso até que mude de ideia."
Suas palavras logo voltaram pra minha cabeça e meu corpo se levantou rapidamente.
Ele não pode...
Meus pés se moveram na direção da porta.
Eu ainda ajudei demais ao pedir pra ele que Connor parasse meu irmão. Se aquele imbecil aparecer, preciso achar um jeito de ameaçá-lo. Algo que faça ele me deixar em paz de uma vez. Ele não deve se envolver mais do que isso e preciso pensar em como pará-lo. O problema é que eu não sei nada sobre aquele solitário.
"Seu irmão... Vai acabar te colocando em perigo se continuar ao lado dele. "
No mesmo instante em que eu ia passar pela porta, suas palavras me atingiram com tudo e eu parei.
Apoiei a mão na maçaneta e como um gatilho, todas as lembranças ruins que passei ao lado do meu irmão apareceram na memória. Todas as vezes que me vi cercada por escolhas que eu não tive o direito de escolher.
Um choque de ansiedade e epifania atingiu meu corpo.
Me vi sendo agitada pelo animal dentro de mim como se eu estivesse debaixo da água sem respirar. Algo que eu nunca tinha sentido antes se manifestou sem que eu notasse. A agonia reprimida de tanto tempo tomou meus sentidos racionais e eu dei meia volta. Fui em direção de Caim. Um lobo coopera, aceita e respeita aqueles com quem convive, mas nunca por decisão de outros. Não um verdadeiro lobo.
Agarrei o colarinho da sua camisa e o puxei com força.
- Caim!! - Ele abriu os olhos e me olhou com as sobrancelhas franzidas. Suas pupilas ainda dilatadas por causa do álcool.
- Por que a gritar-
Antes que terminasse de falar, enterrei meu punho na sua cara e vi seu rosto afundar no travesseiro. Rosnei ao sentir aquela sensação. Não era o suficiente. Puxei ele da cama até que caísse no chão. Subi em cima dele e dei outro murro. E depois outro. Dessa vez seu maxilar deu de encontro com o piso duro. Tinha que aproveitar seu estado de surpresa e embriaguez.
Não foi ele que me ensinou a usar da fraqueza dos outros?
- Eu te odeio! - Gritei com os dentes à mostra. Conseguia sentir meus olhos arderem. Agora não sabia dizer se eram lágrimas ou os olhos da minha loba queimando de raiva. Agarrei seu pescoço e desci meu punho novamente na sua cara.
- Você ficou louca? - Falou entredentes. Caim finalmente levantou os braços para me parar. Seu nariz começando a ensopar de vermelho sangue. Apertei minhas pernas na sua cintura para que não conseguisse me tirar de cima dele.
- Luta comigo seu desgraçado! - Tentei dar outro soco, mas ele segurou meu braço. O outro eu ainda apertava sua garganta. Sentia as unhas da minha loba furarem sua pele. - Se você fosse um lobo de verdade não ousaria usar sua dominância! Revidaria de igual para igual! - Senti um arrepio subir pelo meu corpo e ele me encarou com os olhos violetas do seu lobo, provavelmente sentindo o gosto do próprio sangue.
- Igual?! - Ele sorriu grosseiro. - Eu não sou igual a você! - Senti seu punho se chocar contra meu rosto. Meio desengonçado, mas o suficiente pra me desequilibrar e trocar de posição comigo. Chutei sua costela, mas logo outro soco veio. Bem no meu nariz. Uma dor aguda fez eu trincar os dentes. - Você me odeia não é?! Então porque não me mata?
- Eu vou te matar! - Arranhei seu pescoço e o empurrei para longe de mim com as pernas. Seu equilíbrio estava uma merda. - E se eu não conseguir, espero que Connor consiga! - Gritei. Quando meus olhos pararam nele novamente, o lobo cinza já tinha ocupado sua forma. Suas patas escorregaram no piso antes que avançasse em mim, o que me deu tempo para reagir colocando meu braço na frente de sua mordida. Meu corpo bateu contra o chão e nossos corpos rolaram quando comecei minha transformação também. Seus rosnados mostravam sua vontade de rasgar minha garganta e quando finalmente me transformei por completo, mostrei essa vontade também. Abocanhei seu pescoço e percebi que seus reflexos estavam começando a melhorar. A transformação e o metabolismo acelerado do seu lobo vão apagar completamente o álcool do seu organismo daqui alguns segundos. Ouvi o estalo da cadeira ao se quebrar quando nossos corpos se chocaram nela. O quarto era muito pequeno só para nós dois. Nossos corpos, agora completamente lupinos, rolavam lá dentro num conjunto de garras e dentes. Caim rosnou ensandecido e se chocou brutalmente na lateral do meu corpo. Quando vi, já estávamos fora do quarto. Antes que eu pudesse reagir, ele já tinha voltado pra cima de mim. Abocanhou perto da minha nuca e senti seus dentes rasgarem minha pele. Grunhi alto e de barriga pra cima, consegui empurrá-lo para longe com as patas. O suficiente para conseguir me levantar novamente.
Seus dentes estavam sujos com o meu sangue e suas orelhas estavam abaixadas assim como sua cabeça, seus olhos fixos e concentrados somente em me atacar. Peguei impulso e o vi rosnar pra mim antes de nos atracarmos de novo.
Pela primeira vez, a briga se tornou tão intensa que mal parávamos em pé. Em vez disso, rolávamos tentando atingir o pescoço um do outro numa mordida letal. Senti meu corpo pender junto ao dele quando percebi que tínhamos chego até a escada. Foi tão rápido que nem pude pôr as patas no chão. Caímos escada abaixo e senti uma das minhas patas traseiras apoiar de mal jeito com o peso dele sobre o meu. Não tive tempo de sentir a dor. Minha atenção estava completamente direcionada na chance que ganhei de arrancar um pedaço da carne podre do pescoço desse desgraçado. Fui pra cima de novo e dessa vez consegui mordê-lo. Não o suficiente pra ser letal, mas pelo menos ia arrancar mais um bocado de sangue. Caim ganiu alto e arranhou minha cara numa patada violenta. O que me afastou rapidamente ao sentir a ardência extremamente dolorosa. Poderia ter me cegado...
Ele se levantou mais rápido do que eu esperava quando conseguiu me afastar.
Não vou mais permitir que esse desgraçado me use como bem quer. Que me use para cobrir suas mortes, seus desejos psicopatas. Sentia minha pele pinicar de tanta raiva. Uma raiva que tinha surgido calada e tapou os meus olhos completamente. Algo capaz de me fazer matar meu próprio irmão.
Vou poupar Connor de lidar com mais um lixo. Porque um de nós dois vai morrer aqui hoje.
A dor começava a apontar no meu corpo, mas a adrenalina não permitia que eu sentisse ela por completo. Vi aquele lobo cinza vir em disparada na minha direção. E foi muito tarde pra conseguir desviar. Caim era rápido e mais forte. Seu corpo se colidiu com o meu e senti seus dentes fincarem na minha carne junto aos rosnados selvagens.
Meu irmão me odiava também.
Levei meus dentes em uma das suas patas e ele caiu ao meu lado quando o derrubei. Mas mesmo assim, Caim não soltou seus dentes de mim. Não antes que estraçalhou minha carne balançando sua cabeça. A dor era alucinante. Tentei abocanhar sua barriga para escapar dele, e trombamos nas coisas enquanto nos confrontávamos no hall daquele lugar nojento. Bati contra a porta e ele terminou de me empurrar pra fora. O ar fresco me tomou e eu arregalei os olhos.
Merda, estamos na rua... Precisamos terminar isso em outro lugar antes que nos vejam.
Foi tarde demais. Uma distração e senti seus dentes cravarem no meu pescoço como uma faca no queijo. Rolamos até o meio fio em uma massa de pelos. Não demorou até eu sentir uma das piores dores que senti na vida. Se não a pior. Minha loba soltou um rosnado esganiçado e tentou revidar quando avancei no seu focinho, mas minha visão vacilou por um segundo com as luzes fracas da rua. Caim se afastou ainda rosnando, agora mais baixo. Suas orelhas se levantaram em surpresa. E julgando pela sua cara toda suja de sangue, talvez tivesse percebido que tinha provavelmente rasgado minha jugular.
Olhei pra ele tomada pela dor. A raiva ainda pulsando dentro de mim. O vi se afastar receoso até que começou a correr para longe dali, como um rato foge do gato.
Não posso deixá-lo escapar. Não acabou. Eu disse que ia matá-lo.
Levantei com dificuldade e tentei correr também, mas minhas patas fraquejaram. Olhei para o chão e lamentei quando vi uma poça de sangue se formando embaixo de mim.
Merda... ele realmente pegou a jugular?...
Não. Não. Eu não vou morrer aqui, não é? Essa questão me assombrou por segundos quando a bruta realidade caiu sobre mim. Senti meu corpo pendendo sem autorização até que eu caí no chão novamente, como se meus ligamentos tivessem sido cortados. Sem força alguma.
Não. Não posso ficar aqui nessa forma. Se algum humano visse um lobo desse tamanho na cidade seria péssimo. Se é assim que vai acabar, que me vejam na forma humana. Pois só assim eu não causaria mais problemas para a alcateia. Provavelmente iriam me achar só de manhã. Quando alguém saísse para trabalhar ou quando um idoso fosse varrer a calçada e gritasse ao ver uma mulher nua banhada no sangue seco. Dura como uma pedra.
O problema é que eu não tenho mais força alguma para me transformar.
Foi custoso quando tentei. A dor atingiu meu peito e eu grunhi baixo. O ar gelado entrou nos meus pulmões tão cortante quanto minha carne se transformando. Foi mais lento e doloroso do que eu imaginava. E num resquício de reflexo dos meus olhos, pude ver duas sombras correrem na minha direção.
Prometi para Connor que não ia causar mais problemas. Mas foi tarde demais... Senti um peso nas minhas pálpebras e vi tudo escurecer.
Um dia que devia ter sido de comemoração, acabou em tragédia. No meu vigésimo quinto aniversário.
Pether
A visão daqueles dois lobos cinzas lutando no meio da rua me deixaram sem reação. Algo me dizia para me mover, mas meus músculos negaram. Não conhecia aqueles lobos. E nem sequer queria pensar na possibilidade de Maika ser um deles. Poderiam ser só dois solitários quaisquer brigando, mas meu peito estava latejando de aflição.
Os movimentos ágeis e bagunçados daqueles dois eram agoniantes. Xinguei em pensamento quando vi um deles morder o pescoço do outro. E pela brutalidade do ato, seja quem for, a intenção era matar.
Ouvi Kai soltar um puta palavrão e tirar o cinto, aquilo acendeu meu instinto e meus músculos voltaram a funcionar. Aquilo me alertou. E eu soube na hora que não eram solitários quaisquer.
Saí do carro o mais rápido que pude, quase tropecei no lixo no canto do beco se não pulasse a tempo. E na demora, vi o outro lobo fugindo rapidamente para longe. Mancava um pouco. E junto com o cheiro de sangue, o cheiro repugnante de vômito e vodka o acompanhavam.
- Vou atrás dele. - Kai falou enquanto corria junto comigo.
- Não! Ligue para Lori. Diga pra ela ir até Connor o mais rápido possível. É urgente. - Olhei para aquele corpo no meio fio que acabava de se transformar. Mais lento do que o normal. Meu coração estava a mil. Meus pensamentos perdidos no agora e na noite passada. Maika estava ali desacordada.
Era realmente ela lutando.
Corri e me abaixei ao seu lado. Seu pescoço tinha uma mordida profunda e praticamente jorrava sangue dali. Coloquei as mãos rapidamente para tentar estancar e vi minhas mãos sendo lavadas de sangue. Não é o suficiente... Olhei rapidamente para Kai que já estava com o celular na orelha. - Me dê seu casaco, rápido. - Kai me olhou e apoiou o celular no ombro antes de tirar e jogar para mim.
Coloquei o tecido grosso no pescoço dela o mais rápido que pude e puxei ela pro meu colo com cuidado. Seu corpo completamente mole estava começando a esfriar.
- Maika! - Gritei olhando em seus olhos. Não... Está perdendo muito sangue.
- Ela não está atendendo... - Ouvi Kai e xinguei em pensamento.
Segurei o corpo de Maika e o levantei.
- Continue tentando, vamos logo até Connor. - Andei apressado.
- Mas e Caim?
- Deixe ele porra! Nosso plano já deu errado. Ela vai morrer se não agirmos rápido. - Andei apressado até o carro. O rosto de Maika estava pálido e com marcas de garras. Seu corpo coberto de sangue me deixou desesperado. - Merda loba... porque não me escutou?
Kai abriu a porta de trás e eu entrei com Maika. Não demorou para ele entrar e ligar o carro antes de sair dali. Continuei pressionando o local da mordida. Eu estava rezando pra que isso conseguisse estancar a hemorragia a tempo.
- Lori! Graças a Deus! - Ouvi Kai. - Vá até Connor o mais rápido possível. Houve um problema, Maika foi atacada e está gravemente ferida. Por favor. - Ele falou e suspirou. - Sim, obrigado. Estamos quase chegando lá. - Desligou e pisou no acelerador. - Como está aí atrás?
- Ela está ficando gelada. - Pressionei ela contra o meu corpo e tentei cobri-la um pouco com o casaco. Sua mão pequena e agora mais pálida que o normal estava caída sobre o corpo nú e esbelto.
O caminho até a casa de Connor pareceu demorar uma eternidade até que chegássemos. Desci o mais rápido possível com Maika no colo e Kai seguiu na minha frente. Abriu a porta e eu entrei. O cheiro de sangue estava impregnado no meu nariz, mas nada que pudesse ocultar o cheiro forte de reclamação nessa casa. E logo vi Connor e Celine aparecerem na sala também.
- Meu Deus, o que houve?! - Celine arregalou os olhos se aproximando. Vê-la me tranquilizou um pouco. Poderia ajudar também.
- Pegue uma coberta pra ela, por favor. - Apoiei Maika sobre o sofá e logo pude ouvir o barulho da porta. Olhei rapidamente. Meus instintos à flor da pele. Vi uma grávida entrando apressada e Collin vindo atrás dela enquanto segurava uma maleta. Nunca senti tanto alívio em ver desconhecidos antes.
- Nossa senhora... - Lori se aproximou tomando meu lugar. Segurou o pulso dela e tirou levemente o casaco do seu pescoço para ver a situação. - Ainda está sangrando um pouco. - Vi celine chegar com uma coberta e cobrir Maika. Collin deixou a maleta ao lado da esposa e ela logo abriu tirando várias coisas lá de dentro que eu não fazia nem ideia do que eram.
- Por acaso podem me explicar que porra aconteceu exatamente? - Connor perguntou, mas eu não conseguia nem formar uma frase sequer.
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Maika cansou de seguir o irmão...
Me digam, me digam! Oq vcs achavam que o Pether tinha visto?